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Valéria Dallegrave

Jornalista, escritora e dramaturga

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Glenn, Snowden e sua relação com o Brasil em dois filmes

Como as reportagens que trouxeram a Glenn Greenwald o prêmio Pulitzer foram resultantes, também, de um vazamento de informações, é interessante que se faça o resgate destes acontecimentos para melhor compreender o que vivemos hoje no Brasil

(Foto: Reprodução)
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Como as reportagens que trouxeram a Glenn Greenwald o prêmio Pulitzer foram resultantes, também, de um vazamento de informações, é interessante que se faça o resgate destes acontecimentos para melhor compreender o que vivemos hoje no Brasil. E, para nos ajudar, a dica são dois filmes que se complementam, a ser assistidos na sequência: “Snowden”, de Oliver Stone, e “Citizenfour”, de Laura Poitras. Com um aviso: É preciso não se deixar desanimar pela quantidade excessiva de siglas para operações, programas e divisões diferentes da inteligência norte-americana. Dito isso, é bom começar pelo filme de ficção, para depois aprofundar com o documentário, embora eles tenham sido realizados na ordem inversa. 

Disponível na Netflix, o filme “Snowden” (2016) tem roteiro ficcional baseado nos vazamentos entregues a Greenwald e ao The Guardian. Oliver Stone, apesar de ter relutado em aceitar o trabalho, era o nome certo para dirigi-lo, pela sua experiência em lidar com tramas politicamente delicadas. Não lhe faltou coragem ou lisura para tratar o material da forma mais correta possível, ou seja, com o devido respeito, buscando até detalhamentos junto a Snowden. Uma das dificuldades foi  criar o clima de um “suspense digital”, resolvida em parte com a ajuda de um “objeto mágico”, um recurso sugerido para roteiros. No caso,  um cubo mágico. A vida pessoal de Snowden também não é muito explorada, o que, podemos deduzir, tenha sido a pedido dele, por sua postura em evitar o personalismo.  

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Em entrevista dada a Maurício Stycer, do UOL, Stone é questionado sobre o título do filme em português, que acrescentou ao nome de Snowden a dúvida: “herói ou traidor”. O diretor, que o conheceu pessoalmente, diz considerá-lo um verdadeiro “escoteiro” (“ele jura”) e comenta: “Acho que muita gente pensa que ele é um traidor, mas nenhum traidor que eu conheço dá informação de graça.”

Stone também destaca, na entrevista, a grande denúncia do filme: “... Snowden pergunta constantemente: estamos mirando ou vigiando os terroristas - que é a única forma realmente de achá-los e fazer algo a respeito. Mas não, é uma mentira. Estão mirando o  mundo inteiro. E porque estão mirando o mundo inteiro? Esta é a pergunta que aparece no filme, e ele [Snowden] deixa claro que é para informação, controle, supremacia. Para controle econômico e social. Eles querem  mudança de regime nestes países onde as coisas não estão saindo como querem, como ocorreu no Brasil, talvez. Por isso toda essa vigilância. Estavam vigiando a Dilma, como muitos outros líderes. Essa informação vai para algum lugar, não fica lá guardada. É usada para destruir, mudar governos, grandes empresas. A Petrobrás, a empresa petrolífera da Venezuela...”  (confira a entrevista completa abaixo).

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De fato, no filme, temos a seguinte declaração do protagonista, a partir da sua desilusão a respeito do trabalho que acreditava ser de defesa contra o terrorismo:

“Também havia ordens para vigiar a maioria dos líderes mundiais, rastreando acordos, escândalos sexuais, comunicações diplomáticas, para dar aos EUA uma vantagem nas negociações com o G8, influência sobre a estatal de petróleo brasileira, ou ajudar a derrubar algum líder do 3º mundo que não queira cooperar. Enfim, surge a verdade de que não importa a justificativa que tente dar a si mesmo, a questão aqui não é terrorismo, o terrorismo é a desculpa. Trata-se de controle econômico e social. E a única coisa que de fato está sendo protegida é a supremacia do seu Governo.”

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Considerando que este texto é totalmente baseado nos fatos reais, precisamos refletir porque, mesmo com tudo de estranho que passou a acontecer durante e depois do golpe contra Dilma, demoramos a resgatar tais revelações como diretamente relacionadas aos acontecimentos. Algumas questões devem ser aprofundadas, como: Que tipo de segredos podem ter sido gravados sobre os ministros do STF? Serão referentes a corrupção? Escândalos sexuais? Ou há chantagens envolvendo conflitos familiares, como a que acontece exemplarmente no filme? Até que ponto os chantageados irão, sacrificando descaradamente a democracia e o país inteiro, incluindo seus descendentes, que podem vir a crescer em um país destroçado pelo ódio, pela injustiça e pela miséria?

Snowden, como um legítimo escoteiro, acreditava em tudo que era dito em nome do Governo dos EUA. Tanto que, antes de trabalhar para a NSA, tentou se alistar nas Forças Armadas para lutar “pela  democracia” no Iraque. Diz ele: “Estava disposto a ser enviado a qualquer ponto do planeta com uma arma nas mãos e defender o direito das pessoas à democracia e à liberdade”.  No treinamento para a guerra, entretanto, teve ambas as pernas quebradas. Depois de se recuperar, e ser rejeitado pelo exércido, recebeu a proposta de entrar para a NSA. Como “cria da internet” (ele se define assim) aceitou, para colaborar com a defesa do país. É a desilusão com o que descobre a partir daí que o leva a optar por revelar a grave quebra do direito à privacidade de pessoas no mundo inteiro. Ele descobre que a luta contra o terrorismo tornou-se fachada para interferir na política internacional de forma nada ética. O mesmo aconteceu no Brasil, aliás. Nos EUA, depois do onze de setembro, tudo pode ser feito em nome do combate ao terrorismo (até terrorismo). No Brasil, depois da espetacularização de denúncias de corrupção política,  tudo passou a ser admitido em nome do combate à corrupção (até corrupção). 

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Entender as motivações de Snowden nos ajuda a compreender também que seja lá quem entregou os diálogos protagonizados por Moro no telegram não é  um  traidor, mas um verdadeiro patriota (não estamos acostumados a usar esta palavra no Brasil), assim como ele, que explica: “... não quero derrubar o governo [dos EUA], nem destruir a NSA, quero torná-los melhores. Quando fui a público em Hong Kong, eu disse que a minha intenção era pedir justiça ao mundo, e foi por isso que pedi asilo. É assustador pôr o seu futuro nas mãos de alguém assim, porque você precisa acreditar na bondade das pessoas todos os dias”.

O segundo filme recomendado é Citizenfour (2014), que ganhou o Oscar de melhor documentário em 2015, além de outros prêmios, como o Bafta, da autoria de Laura Poitras. Está disponível no youtube, com legendas em português. Nele, acompanhamos as conversas entre Snowden e Greenwald, entremeadas por silêncios plenos de tensão. A atitude  extremamente consciente de Snowden quanto aos riscos que corria são impressionantes. Assistir ao filme, e tomar conhecimento de todo o poder que os órgãos investigativos dos EUA podem ter sobre nossas vidas, contando com ingerências na vida pessoal cotidiana, realmente assusta. Nos leva a um nível de paranóia inédito. Há alguns momentos, no documentário, que sentimos isso. O toque do telefone é um sinal de alarme. Dentro de um quarto de hotel em Hong Kong está o mundo inteiro, com espiões, bombas e possíveis ameças de morte ou aprisionamento.  

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Os que se envolveram na denúncia deste escândalo arriscaram a liberdade e a própria vida, entre eles o jornalista Glenn Greenwald. No Brasil de hoje, os atingidos pela “Vaza à Jato” tentam desmoralizá-lo com preconceitos rasos e fake news fabricadas especialmente para o caso. Afinal, eles têm sempre uma fornada nova delas, pronta a ser lançada para consumo imediato de quem nada questiona e se tornou vítima na guerra de informação. Isso pode ter funcionado em outras situações, com outras pessoas, mas Glenn, além de ser jornalista, tem destaque e credibilidade a toda prova. Foi ganhador do Pulitzer, com as reportagens sobre a NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA).

O Pulitzer é o prêmio mais importante e respeitado de jornalismo nos EUA. Joseph Pulitzer, que o instituiu, foi um  jornalista investigativo que, em poucos anos, passou a dono do maior jornal de circulação no país, o The World. Ele acreditava no papel social do jornalismo de divulgar a verdade, desmascarando esquemas corruptos e fraudulentos. Não foi por acaso, portanto, que The World denunciou um pagamento suspeito de quarenta mil dólares do governo estadunidense a uma empresa francesa... 

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Na ocasião, o jornal foi acusado de difamar a honra do então presidente Theodore Roosevelt e do banqueiro envolvido, e foi intimado a apresentar uma retratação, mas aprofundou investigações até comprovar a denúncia, em uma grande vitória para a liberdade de informação. Bem antes de Watergate, a imprensa estadunidense já conquistava respeito e autonomia, fazendo do país símbolo do jornalismo livre.

Claro que não vamos para a vira-latice tacanha, nem tudo que vem dos EUA é melhor, mas precisamos reconhecer que o jornalismo lá conquistou, historicamente, confiança na sua capacidade de enfrentar governos (diferente daqui), e tem, assim, segurança para travar batalhas como a que Glenn, naturalizado brasileiro, assume agora, ao denunciar a corrupção da Lava-Jato. 

Até a parcela da imprensa nacional pouco ética, alinhada a este anti-governo que aí está (resultante de um trajeto de irregularidades absurdas desde a queda de Dilma), precisa se conter. Não pode etiquetar The Intercept como um simples produtor de fake news, pois é inegável o respeito internacional que Greenwald conquistou em sua carreira. Ele foi, portanto, o divulgador perfeito para os diálogos criminosos por trás da Lava-Jato. Mesmo com pouco tendo sido revelado até agora, fica claro que houve uma verdadeira formação de quadrilha. Só falta o judiciário ganhar coragem, ou livrar-se das chantagens, para fazer... justiça. 

O desenrolar do caso Snowden também é importante para entender a estratégia em curso. Recapitulando: Em 5 de junho de 2013, o jornalista Glenn Greenwald, através do The Guardian, publica revelações sobre a vigilância global estadunidense, envolvendo vários outros jornais (como inicia a fazer no Brasil), entre eles The New York Times, The Washington Post e Der Spiegel. Os programas espiões são revelados pelo técnico em redes de computação Edward Joseph Snowden, que nos últimos quatro anos havia trabalhado para a NSA (inclusive no desenvolvimento de alguns destes programas). Os documentos mostram a existência de uma grande estrutura criada para a captação de dados, e-mails, ligações telefônicas e qualquer tipo de comunicação entre cidadãos a nível mundial. 

Snowden vive atualmente com sua namorada, Lindsay Mills, na Russia, onde conseguiu asilo. Segundo Ryan Gallagher, do The Intercept, o prazo do asilo concedido é até 2020, quando precisará ser renovado. Depois que Trump foi eleito, o ex-diretor da CIA, Michael Morell, escreveu um artigo  sugerindo ao presidente russo Vladimir Putin que devolver Snowden aos EUA seria um “presente de posse perfeito”. Ao que a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zkharova, em uma publicação no facebook, denominou de “ideologia de traição”. Ela criticou a ideia de ser considerado normal enviar pessoas como presentes,e “entregar aqueles que buscam proteção”.

Obama, na época do escândalo, vetou à NSA espionar dentro do território norte-americano. Em 19/01/2018, porém, Trump aprovou projeto de lei que libera não só a interceptação de e-mails e chamadas telefônicas de cidadãos do mundo todo, como de seus contatos nos Estados Unidos. Infelizmente, Snowden tinha razão. Ao elogiar o discurso de Dilma na ONU, que reivindicou o direito à privacidade como direito humano essencial, ele fez a ressalva: “...os progressos que o Brasil tem feito com a aprovação de leis como o Marco Civil são extraordinários, mas são só o começo. Não vão longe o bastante, não bastam discursos, aprovação de leis e pequenas mudanças. É preciso criar um padrão internacional que garanta o respeito aos nossos direitos, que esteja previsto em lei e tenha apoio dos padrões tecnológicos adequados”. 

No momento, o mundo inteiro se curva à interferência dos EUA, sem considerar as tristes consequências disso para nações inteiras. O Brasil é apenas um dos países mais visados, mas todos países, dos subdesenvolvidos aos mais desenvolvidos (que se julgam, talvez, inatingíveis)  precisam compreender: enquanto os EUA tiverem sua liberdade excessiva invadindo nossas vidas, seremos todos escravos...

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