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Christian Edward Cyril Lynch

Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e Pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa

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Vaza Jato e nossa cultura forense: um testemunho

A Vaza-Jato está mexendo em um vespeiro muito importante, que é a promiscuidade entre juízes e advogados das partes. Isso que se passa entre Moro e Dellagnol, de fato, não é coisa com que se choque demasiado a cultura forense brasileira.

Moro ficou nu (Foto: Lula Marques/Agência PT)
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A Vaza-Jato está mexendo em um vespeiro muito importante, que é a promiscuidade entre juízes e advogados das partes. Isso que se passa entre Moro e Dellagnol, de fato, não é coisa com que se choque demasiado a cultura forense brasileira. Eu trabalhei como assessor de desembargador do TJ durante quase dez anos. A coisa mais comum é terem laços de amizade ou camaradagem. Eu via menos juízes com o MP do que com advogados ricos, talvez porque trabalhasse no cível. Saem juntos, bebem juntos, especialmente depois do expediente. Quanto menor a cidade, pior. Tem cidade que só tem prefeito, juiz, promotor e padre. Mas acontece nas grandes cidades também. Especialmente no happy hour. Afinal, trabalham juntos nas mesmas coisas, e até certo ponto compreensível que falem dele quando o dia acaba. Cansei de participar de noitadas de desembargadores com advogados. Havia sempre os que condenavam essas coisas e só recebiam advogados de portas abertas (o meu me tinha sempre presente, mas nunca se disse que fosse para evitar constrangimentos). Mas esses, que só recebiam de porta aberta, eram uma minoria, julgada exagerada e paranóica. Até porque se dizia que sugeriam assim que os demais eram corruptos, o que incomodava os colegas, que se aborreciam-se e deles zombavam.

Os desembargadores com quem tive intimidade sabiam separar as coisas e os advogados entendiam perfeitamente. O sujeito perdia a ação e a amizade continuava. Muitas vezes eram amigos de faculdade, cúmplices de traições conjugais, frequentavam o mesmo clube, charutaria ou bar etc. Era como se a relação profissional nada interferisse com a pessoal. Mas certamente havia outros magistrados com quem os quais isso não se dava (um, com fama de corrupto, virou corregedor do tribunal; outro foi parar em Brasília...). Muitos magistrados se ressentiam de ganhar menos que os advogados ricos com quem saiam. Lembro de um (aliás honestíssimo) dizendo: "Pô, eu decido de todos os processos de que Fulano é advogado; mas ele na Páscoa vai pra Aspen e eu tem que ir pra Buzios!". Alguns reduziam honorários advocatícios quando achavam que o "causídico" ia tirar mais na ação do que ele, juiz de segundo grau, ganhava em um ano. Vi posse de desembargador terminar no Antiquarius com vinte pessoas com tudo pago pelo advogado rico fanfarrão. A maioria "aproveitava" a mordomia dos advogados sem se comprometer, mas é óbvio que ela não era oferecida sem que se esperasse algum dia uma contraparte. De fato, alguns deixavam-se seduzir por suas casas de praia ou montanha, restaurantes caros... Tentavam sempre ver se aproveitavam as vantagens da posição de poder evitando pisar na linha vermelha.

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Em quase todos os casos, sempre que se arguia o incidente de suspeição, a tendência era a do juiz negar o incidente. Era algo percebido como desonroso, duvidar da imparcialidade. O ápice da cara de pau, porém, nessa matéria, foi ver um presidente de câmara não se dar por impedido para julgar recurso de colega da mesma câmara (que no apelo figurava como parte!). Os dois saiam uma vez por semana com uma ex-secretária da câmara para tomar seus drinques num restaurante-bar da Avenida Atlântica. Magistrados só se davam por suspeitos quando a ação envolvia alguma faculdade onde trabalhavam, ou parentes. Ou quando não queriam trabalhar. Isso é como as coisas são, do fórum de Macaé ao STF. É COMUM. Mas se é NORMAL, são outros quinhentos. Pessoalmente, acho que essa promiscuidade é própria de uma sociedade elitista, de corporações de instintos ainda aristocráticos e habituados a trabalhar no segredo e não ter que dar contas a ninguém. Em uma sociedade democrática e republicana, é preciso levar a lei ao pé da letra e moralizar publicamente o comportamento dos magistrados. Mas, como eu disse numa entrevista outro dia (Revista Época), a maioria desses caras acha normal e que é capaz de separar em sua na cabeça uma coisa da outra: assim funciona nossa "cultura forense"... O resultado é que o que caracteriza a imparcialidade e, por conseguinte, a suspeição, fica inteiramente nas mãos da subjetividade de cada magistrado.

Que a Vaza Jato contribua para mudar esse cenário. Precisamos fortalecer o judiciário para enfrentar os perigos atuais, o que passa por aumentar a transparência, a ética, a sisudez dos magistrados. Não basta ser ético para si, é preciso demonstrá-lo de modo público e continuado para que a reputação do judiciário não afunde de vez e fiquemos à mercê do autoritarismo.

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