A resposta policial à violência

O Estado quer tratar as reivindicações políticas como caso de polícia, à base de batalhão de choque e bala de borracha. Cria-se um círculo vicioso



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A sociedade assiste, horrorizada, às recentes notícias sobre as movimentações do crime organizado, cobrindo não só o território nacional como países vizinhos, em negócios altamente lucrativos - e de dentro das cadeias, para piorar. Está certa em se horrorizar: essa modalidade criminosa penetra até mesmo as vias institucionais, ameaçando e corrompendo agentes públicos, em um cenário em que, como na música de Chico Buarque, pouco resta senão "chamar o ladrão". Isso é crime organizado, sem o glamour do Don Corleone de Marlon Brando. Também horrorizada a classe média assiste aos episódios de violência nos estádios, que continuam apesar do tal "padrão FIFA". Igualmente, tem razão em se horrorizar: estádio é um espaço de lazer, para torcer e não para brigar. Com uma interpretação mais rigorosa, poderíamos enxergar nos grupos que saem para brigar com outros torcedores, portando armas brancas (e mesmo de fogo), uma organização criminosa. Mas, com ou sem rigor, não se pode, jamais, considerar como tal os jovens que levam sua revolta às manifestações de rua. Mesmo que se expressem de forma violenta, pois talvez a violência -com toda a complexidade do próprio termo- seja a única via à mão.

Há um poema de Brecht a respeito. Chamamos de violento o rio caudaloso, mas as margens que lhe comprimem, não chamamos. Onde estaria a verdadeira violência? Há também aquela fábula, sobre o leão que é repelido pela vítima que pretendia caçar. Lambendo as feridas, vai embora se queixando, "aquele animal é muito violento, ele reage quando atacado". Literariamente, essas histórias nos lembram que, por muito tempo, temos sofrido violência. Mais ou menos descarada, mais ou menos contundente, mas a violência imposta à classe trabalhadora em nosso país vai se acumulando. A espera de quase uma hora por um ônibus, para viajar em pé, é uma violência. Madrugar na fila de um posto de saúde, para não ser atendido, é uma violência. O serviço que é mal prestado, apesar das altas tarifas. Juros bancários estratosféricos. O assédio moral no trabalho, fruto de um sistema desumano. A humilhação da "dura" policial, principalmente quando se é negro e pobre. São violências que se acumulam. E uma hora isso aflora.

Desde junho temos observado o povo indo às ruas. Manifestações de massa não são novidade; os partidos de esquerda e movimentos sociais sempre estiveram nas ruas. O que há de novo é o (re)descobrir, por parte do cidadão médio, dessa dimensão cívica, cívico no sentido original do termo: civitates, habitantes da cidade e, como tal, responsáveis por ela. É verdade que às ruas foi também uma verdadeira "geleia geral", com as mais confusas e bizarras reivindicações, inclusive, pasmem, pelo retorno da ditadura militar. É sintoma de que o risco do "ovo da serpente" eclodir não foi afastado de fato, ao contrário, paira como uma sombra. Mas o debate democrático dá conta disso. Quem não possui programa, projeto, quem não é capaz de dar solução aos problemas prementes da classe trabalhadora, ficará pelo caminho. Jogado à lata de lixo da História.

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É um absurdo tamanho tratar os jovens que, no espírito dessas manifestações, têm partido para a ação direta, como sendo uma "organização criminosa". E armada, ainda por cima, como recentemente acusaram Black Blocs, por terem encontrado na casa de um deles "artefatos perfurantes". Antes de tudo, é preciso lembrar que "Black Bloc" não é um grupo, e sim um método, uma tática. Além disso, juridicamente a acusação não se sustenta. Organização criminosa é aquela que tem o objetivo de "obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza", conforme o parágrafo primeiro do art. 1° da lei 12.850/ 13. Ora, jovens expressando sua indignação política - mesmo que por um meio dito violento - não se enquadram nessa definição legal. Sequer nos clássicos quadrilha e bando, do art. 288 do Código Penal, podem ser enquadrados: afinal, esse tipo penal exige uma associação permanente, duradoura. Mas o que se vê é o contrário: pessoas que sequer se conhecem presas como sendo da mesma quadrilha...

O que está ocorrendo é o seguinte. Ao invés de dar uma resposta política à reivindicação - mesmo que pela via violenta - política, atendendo às demandas, aprimorando o serviço público, trazendo o debate democrático para a ordem do dia, o Estado faz o oposto: dá uma resposta policial. Quer tratar o assunto como caso de polícia, à base de batalhão de choque e bala de borracha. Cria-se um círculo vicioso. A revolta, que já era grande (e fundamentada), sob repressão, torna-se ainda mais aguda. A quem interessa tudo isso?
O Direito Penal jamais foi solução para os problemas da sociedade. A ciência penal moderna se dá pelo enfoque do Direito Penal Mínimo, que é o único condizente com o Estado Democrático de Direito. Mais e mais leis, mais e mais penas, como resposta às demandas da sociedade, são coisa superada. Mas isso não parece entrar na cabeça de nossos governantes. Que, aliás, aqui no Rio chegaram a emplacar -por pouco tempo, felizmente- a tal "Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas", que não deixava nada a dever ao regime de exceção de 64.

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A nossa democracia é limitada, mas é o que nós temos. O entulho autoritário continua presente em corações e mentes. Enquanto o crime organizado continua faturando fortunas a partir de presídios, são os garotos Black Blocs, por quebrar vidraças de bancos, a "perigosíssima" organização criminosa a ser caçada. E isso após um quarto de século da Constituição dita "cidadã".

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