O Chile, a história e seus caprichos

A marca da campanha de Bachelet é a emoção e a alegria, sem perder a sobriedade. Um retrato 3x4 da personalidade da respeitadíssima ex-presidente: fraterna e sorridente, mas sem perder a formalidade



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O Chile amanheceu no domingo, 17 de novembro, com 13 milhões de cédulas de papel prontas para serem marcadas com uma cruz ao lado do nome do seu próximo presidente.

Foi a­­­­­­ primeira eleição presidencial desde que o voto passou a ser voluntário e não mais obrigatório e também a primeira vez em que os chilenos, o povo na América Latina que menos tem interesse pela política, foram às urnas para eleger um presidente depois dos violentos protestos iniciados em 2011. As ruas de Santiago e das principais cidades do país, naquele histórico ano, se encheram de estudantes que reivindicavam educação pública, gratuita e de qualidade.  Agora, penas 48,5% dos eleitores optaram pelo voto.

Este primeiro turno da disputa chilena reservou algumas peculiaridades, a principal delas foi a postura das duas primeiras colocadas, a socialista Michelle Bachelet, que obteve 47% dos votos e a direitista Evelyn Matthei, que ficou com 25% das preferências. 

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É razoável imaginar que em um cenário onde concorram uma candidata da oposição, ex-presidente, e uma ex-ministra do atual governo, que a oposicionista adote um tom mais tenso e inquisitivo e a situacionista mostre todas as maravilhas dos anos de Sebastián Piñera no La Moneda com leveza e alegria.  Mas, incrivelmente, não é o que acontece na curiosa eleição chilena.

A começar pela primeira cena, do programa inaugural de Matthei, onde uma criança pergunta para o avô porque ele não gosta mais de Bachelet. A comunicação de Evelyn bate na tecla de que o voto na candidata significa avançar e o em Bachelet, retroceder. “ADELANTE!” é o mote de campanha. Matthei, entretanto, tem dificuldades em entregar as razões disso. Em vários momentos a situação atual do Chile é criticada, esquecendo dos 4 anos do governo a que pertenceu, endereçando a culpa à Bachelet.

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Matthei, como ex-ministra do trabalho, dá ênfase aos 800 mil empregos criados na atual gestão contra 400 mil da passada. Os protestos de estudantes e mascarados, iniciados em 2011, servem de apoio para a proposta de segurança sua campanha, que posiciona os   manifestantes como bandidos que têm tirado a liberdade e a tranquilidade das famílias e promete tolerância zero a tal prática. No fim das contas a linha da comunicação da candidata conservadora é tensa, faz uso do medo e tenta desgastar Bachelet de maneira firme. O apoio do presidente com o menor índice de aprovação desde a redemocratização em 1990 é um fardo pesado, uma situação que a comunicação de Matthei claramente não conseguiu resolver. No fim das contas a história contada não tem linearidade, é quase esquizofrênica em alguns momentos. A tentativa de contar apenas as partes felizes dos últimos quatro anos e deixar os problemas atuais na conta de um governo que já se foi há tempos, não parece funcionar bem. A fama de Midas de Piñera – empresário de imenso sucesso e homem mais rico do Chile – foi desmoralizada por um mandato pouco mais que medíocre.

Apesar disso, o Chile é um país que cresceu com Piñera no poder. É verdade que já vinha com  taxas de crescimento acima dos 4% ao ano desde o governo de Ricardo Lagos. Mas os protestos dos jovens, a partir do fatídico 2011, exigindo até os dias de hoje educação pública gratuita e de qualidade em um país que tem um dos sistemas educacionais mais  segregados do mundo, e a sensação de que o modelo econômico atual é do Chile e não deste ou daquele partido, fizeram com que a questão social fosse um tema chave no debate eleitoral. E em tal cenário Bachelet encontrou algo como uma piscina refrescante em dia de calor... E tem nadado de braçadas.

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A marca da campanha de Bachelet é a emoção e a alegria, sem perder a sobriedade. Um retrato 3x4 da personalidade da respeitadíssima ex-presidente: fraterna e sorridente, mas sem perder a formalidade. Não é coisa fácil de se encontrar em uma campanha oposicionista que precisa apontar os erros e estabelecer diferenças em relação ao atual governo.  O contraste à linha adotada por Matthei pode ser percebido logo no primeiro programa, com Bachelet, e só ela, em grande parte da propaganda. A lembrança da candidata como grande estadista é logo estabelecida e a locução em off pergunta o que a motiva a enfrentar o maior desafio que ela já teve na vida. A reposta vem na assinatura da peça; “Por ti, por todos, pelo Chile”. Em todos os momentos a campanha de Bachelet estabelece o conceito de maior igualdade, de um Chile para todos, que é, não coincidentemente, a assinatura da candidatura. Um slogan que faz lembrar o do governo Lula; “Brasil, um país de todos”. Lula, inclusive, apareceu no programa de Bachelet, veiculado na última semana do 1º turno, pedindo votos para a candidata.

O posicionamento da candidatura é tão claro e bem definido, que a campanha começou com um filme, utilizado até agora, onde não há nenhuma palavra além da assinatura. Ícones visuais conseguem transmitir o conceito de forma entusiasmante. http://michellebachelet.cl/video/m-de-michelle-m-de-mayoria-chile-de-todos/

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Até nas críticas a comunicação de Bachelet foi leve, utilizando sketches de humor para pontuar problemas como injustiça, desigualdade, falta de oportunidades e direitos. Há, inclusive, um criativo quadro com um grupo de “arrependidos anônimos” que votaram em Piñera na eleição passada. A campanha, sob o comando do respeitado sociólogo EugênioTironi, dá um banho nas demais.  Cristían Sanhueza, diretor geral de criação da campanha de Matthei não conseguiu traduzir nas peças o posicionamento confuso que pregava urgência de mudança aliada com continuidade. O mesmo ocorreu com a campanha do  esquerdista Marco Enriquez Ominani, que mereceu impressionante indiferença por parte do eleitorado do país mais desenvolvido na América Latina. As artes e manhas de seu marqueteiro, o premiado brasileiro Duda Mendonça, não impediram que ele tivesse exatamente a metade dos votos que havia conseguido quatro anos antes. Já a equipe da grande surpresa eleitoral, Franco Parisi, foi toda voluntária, comandada pelo jovem publicitário Giancarlo Barbagelata.   

 O Chile proíbe a contratação de inserções em televisão aberta, onde concede o horário gratuito, mas é possível contratar propaganda eleitoral em emissoras de rádio, televisão a cabo e na imprensa escrita. Os programas eleitorais na TV aberta são curtos, com 20 minutos de espaço total, onde cada candidato tem direito a pouco mais de 2 minutos para apresentar suas propostas diante de telespectadores apáticos.

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As inserções da “Nueva Mayoria” de Bachelet usam vários quadros independentes, com pouca linearidade. A história é contada por peças. Já Matthei segmenta seus programas por temas, um por dia.  Muito usados nas últimas duas eleições brasileiras, a tradução de linguagem através de ícones no modelo de infográficos, quase não apareceram na campanha chilena, e a única que utilizou este tipo de recurso foi a candidata nanica Roxana Miranda. De um desconhecido partido, o Igualdad, ela colheu irrisórios 1,27% dos votos no primeiro turno.

O site de Bachelet, apesar de moderno, apresenta um padrão mais tradicional de campanha, lembrando o modelo utilizado por Mitt Romney em 2012, porém visualmente mais sofisticado, seguindo a estética Metro, com quadrados e retângulos, que a Microsoft lançou no novo desenho do Windows. É baseado mais em seções do que em atualização de notícias e feed de redes sociais. 

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Evelyn Matthei tem um site mais ousado, com menos segmentações e baseado em um feed de notícias e das redes sociais oficiais, seguindo uma estética trazida do Pinterest, rede social, aliás, que nenhuma das duas candidatas utiliza.

Até por ter sido declarada candidata tardiamente - o candidato da frente Alianza inicialmente era Pablo Longueira, ex-ministro da economia, que desistiu da candidatura por conta de uma grave depressão - Evelyn Matthei tem pouco mais de 40 mil fãs em sua página oficial no Facebook, muito menos que Michelle Bachelet, que tem mais de 500 mil. A fan page de Matthei é um diário da agenda da candidata, com vídeos de discursos e fotos de seus encontros. Além disso, publica os programas eleitorais. As propostas têm pouco espaço e destaque, se perdendo em meio aos inúmeros relatos do dia a dia da campanha, não havendo qualquer cuidado em se desenvolver materiais com a linguagem específica que os usuários deste canal estão acostumados a consumir.

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Bem menos sobrecarregada de informações sobre a agenda da candidata, apesar de alguns álbuns com dezenas de fotos, a fan page de Bachelet no Facebook se preocupou em desenvolver materiais específicos para a plataforma, apesar de o conteúdo ter um foco muito mais personalista, baseado em declarações e apoios ao invés de propostas.

No Twitter ambas inundam de postagens a timeline de seus seguidores: Bachelet tem 34 mil e Matthei 23 mil. Só no dia 14 de novembro, por exemplo, Michelle tuitou mais de 30 vezes, Evelyn mais de 50. Nenhuma das duas, entretanto, é a grande estrela do Twitter nestas eleições presidenciais chilena. O destaque da plataforma é o independente Franco Parisi, que ficou na 4ª colocação e conta com cerca de 185 mil seguidores. Parisi, que também não é parcimonioso quando o assunto é o número diário de tuitadas, foi mencionado mais de 78 mil vezes no último mês, Bachelet teve 34 mil menções e Matthei 25 mil.

Se tivesse obtido mais 3% dos votos, Bachelet ganharia a eleição no 1º turno. Poderia se esperar que a campanha de Evelyn fosse com tudo para a corrida do 2º turno tão logo o resultado fosse confirmado. Entretanto, parece que a confirmação do 2º turno pegou de surpresa a campanha de Matthei. Não houve nenhuma mudança no tom e nem no modelo dos canais de comunicação.

A vitória de Bachelet no dia 15 de Dezembro parece óbvia. Para ter alguma chance Matthei precisa mudar a estratégia da coisa toda.  Uma boa idéia seria assumir ou esquecer Piñera. O chove e não molha em relação ao atual presidente não tem colaborado. Outra boa ideia seria um ‘beau geste’: renunciar ao segundo turno, como fez o ex-prefeito de Lima, Alfonso Barrantes, diante de Allan Garcia, num placar muito semelhante em uma das disputadas eleições presidenciais peruanas. “Vamos economizar dinheiro, tempo e palavras”, disse o ilustre socialista que revolucionou a capital do Peru. Mesmo diante de um resultado extremamente previsível, Evelyn Matthei, filha de um brigadeiro integrante da junta militar que derrubou Salvador Allende e entronizou Pinochet no poder por quase duas décadas, não parece disposta a tamanho gesto de grandeza e desprendimento. Cabe a Michelle, filha de outro brigadeiro, que ficou fiel à Allende e foi assassinado num campo de prisioneiros, esperar por sua segunda temporada no velho e vetusto Palácio de La Moneda. É a história e seus insondáveis caprichos.

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