O golpe de 64, 50 anos depois

Punir torturadores é um forte antídoto contra tentações autoritárias, mas o Brasil, infelizmente, não fará isso



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"Quantos morreram? Tantos quanto foram necessários", disse o coronel Paulo Malhães, ex-agente do Centro de Informações do Exército, no mesmo depoimento à Comissão da Verdade em que admitiu que torturou, matou e mutilou corpos de brasileiros que lutaram contra uma ditadura odiosa e sangrenta. O que acontecerá com esse reles indivíduo? Absolutamente nada. A Lei 6.683, promulgada pelo general João Batista Figueiredo, nos estertores do regime militar de 1964, que agora completa 50 anos, o protege. 

Conhecida como Lei de Anistia, ela foi ratificada, quatro anos atrás, pelo Supremo Tribunal Federal, numa das decisões mais vergonhosas da corte. Resultado? Agentes de estado que cometeram crimes hediondos seguirão impunes. Situação bem distinta da de vários países que também passaram por regimes ditatoriais. Na vizinha Argentina, por exemplo, generais, torturadores e até ex-presidentes foram presos. Jorge Videla, que foi chefe de Estado entre 1978 e 1983, num dos períodos mais sanguinários da repressão, morreu na cadeia, aos 87 anos. Estava condenado à prisão perpétua.

Na Argentina, portanto, estará sempre presente na memória coletiva a imagem de ex-ditadores no cárcere – um forte antídoto contra futuras tentações autoritárias. O Brasil, porém, é um país "conciliador", de "homens cordiais", e a Comissão da Verdade, instituída no governo Dilma, desde o início se colocou como instrumento de resgate histórico, mas não de "revanchismo". Mas será mesmo revanche ou vingança exigir a punição de criminosos? O que dizer das vítimas, como Inês de Etienne Romeu, várias vezes seviciada e torturada na Casa da Morte, em Petrópolis? Ou de seus familiares, como os parentes de Rubens Paiva que só agora descobrem as circunstâncias de sua morte desnecessária e criminosa?

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Uma iniciativa para rever a Lei de Anistia no STF vem sendo proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil e liderada pelo advogado Wadih Damous, mas dificilmente avançará sem o apoio do Poder Executivo e sem uma mobilização maior da sociedade. Caso tudo permaneça como está, a Comissão da Verdade chegará ao fim realizando seu resgate histórico, mas sem nenhum tipo de reparação. Uma pena para um país onde, aqui e acolá, escutam-se vozes propondo a volta dos militares e de regimes autoritários. Vozes isoladas, como demonstraram as "marchas da família", mas que afrontam a democracia. E como diz o ex-guerrilheiro Cesar Benjamin, o futuro da tortura no Brasil dependerá do que se fizer com os torturadores, como Paulo Malhães. Se saírem impunes, ela poderá voltar.

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