Meninos do Brasil

Esses nossos meninos da seleção representam nosso Brasil mais profundo, mais sofrido, mais desencantado, mais similar àquela Macondo mágica que nasceu no coração milenar de Gabriel García Marquez



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Estava refletindo, pensando, remoendo ideias, revendo sentimentos. O foco: nossa Seleção. E concluo o seguinte: Esses nossos 22 jogadores são meninos de ouro, a vasta maioria vinda das periferias de tantas regiões do país. Vejo o biotipo deles, sua compleição física, o jeito franzino da maioria, magros, às vezes um tanto desengonçados e sinto uma imensa carga de admiração e respeito por cada um deles.

Esses nossos meninos representam nosso Brasil mais profundo, mais sofrido, mais desencantado, mais similar àquela Macondo mágica que nasceu no coração milenar de Gabriel García Marquez. Esses meninos nem bem desabrocharam para a vida, ainda construindo seu extenso repertório de futebol-arte, sua malemolência, aquela inegável habilidade com a bola, esse inacreditável jogo de cintura e um insuspeitado fôlego de sete vidas em qualquer gramado do mundo são logo vendidos a um Barcelona da vida ou a outro grande time espanhol, italiano, francês, inglês. E eles vão, muitas vezes só sabendo falar em inglês ou espanhol parcas palavras soltas como "Buenas noches", "Thank you", "Muchas gracias", "Please!", "Good morning". E ficam por lá, distantes de pai, mãe, irmãos, longe de suas terras, comidas, cheiros, língua-mãe, várzeas, galos, noites e quintais.

Numa terra estrangeira precisam ser mágicos de ofício: em cada jogo realizar ao menos um, dois ou três milagres em campo, recuperar um rasgo de genialidade semi esquecida. A todo momento esses meninos têm que mostrar o valor de suas pernas, astúcia, velocidade, senso de precisão, pelo qual seu passe foi vendido. São como excentricidades a se exibir e tendo que convencer dia a dia cartolas com línguas estranhas e com olhos de cifras, técnicos impacientes, colegas de time facilmente irritadiços e no mais das vezes, apenas invejosos mesmo. E não podem falhar porque seus patrões não perdoam falhas. Muito menos a imprensa de seus novos países.

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Penso em tudo isso e sinto uma pontada no coração. Revejo mentalmente o olhar de cada um, o rosto crispado, o semblante tocado pela emoção toda vez que começam a ouvir os primeiros acordes de nosso belo hino "Ouviram do Ipiranga". Há um quê de felicidade reprimida, um chamamento sobrenatural para que personifiquem logo mais no campo os santos católicos de suas devoções, deem vida aos sagrados Orixás. E por isso o Hino Nacional brasileiro repercute neles como se fosse não de um país concreto, real, nas sim de um país feito unicamente de lágrimas, encravado em um continente puramente emocional, etéreo, como é a América do Sul.

E eles fazem o que sabem melhor fazer quando dizem que "vou dar o meu melhor". Há uma ingenuidade potencial em cada um deles. É como se lhes tivessem roubado parte de sua infância, toda a sua adolescência e quase toda a sua juventude. Mas lhe deixaram essa pureza d'alma. E quando penso nos jogadores-tanques-de-guerra que defendem a Itália, a Inglaterra, a Espanha, a Holanda, os Estados Unidos, a França, a Bélgica - sempre jogadores robustos, com o nariz no mais das vezes empinados, musculosos, peitos de pombo, com alturas beirando os dois metros, aí é que me dá ainda mais orgulho, fecho os olhos e suplico a um Deus sempre atento e que ouve e atende as orações que lhes remova todas as dificuldades.

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Esses meninos olham para Felipão, não como um técnico, nem como um chefe, eles o olham como um pai atencioso, amigo, cuidadoso, que se preocupa com cada um deles, com seu bem-estar com a preservação desse "meu melhor em campo". E como me dói o coração quando vejo comentaristas da CBN, do SporTV, colunistas de O Globo, Folha de S.Paulo, Veja, Época desmerecendo-os, jogando em suas jovens caras seu profundo mal-estar com a vida, justamente a eles que realmente fazem o melhor que podem, se multiplicam como no milagre dos peixes a preencher cada vazio do gramado, que fazem defesas espetaculares, chutam a gol como se estivessem fazendo a única e impossível jogada de suas vidas. São eles que correm para o abraço, já com os olhos enevoados de lágrimas, eles que choram como crianças há muito tempo proibidas de chorar, celebram um país essencialmente emocional - o Brasil.

Esses meninos trazem consigo todas as veias abertas da América Latina, suas memórias da pobreza e miséria, seus esforços desde muito novos, imberbes ainda, para ajudar financeiramente no sustento de suas famílias.

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E é por isso que um David Luiz vai rápido ao encontro do Jamez Rodriguez para lhe consolar, para lhe confortar, para chorar com ele as emoções da sofrida derrota, mesmo sendo ele o vencedor, o ganhador. O desengonçado brasileiro pede que a torcida eufórica que lota o belíssimo estádio de Fortaleza deixe de lhe aplaudir para aplaudir o inconsolável craque colombiano. É que David Luiz bem sabe avaliar a dor de uma derrota, o peso de uma decepção nos gramados de futebol e nas arenas da vida.

Tenho um orgulho imenso dos meninos que se recolhem à granja Comary já de volta à concentração. Antes eles batucavam no ônibus, se compraziam em ostentar pequenos sinais de aparente riqueza, como boas e vistosas chuteiras, excêntricos e coloridos cortes de cabelos, headphones Beats, smartphones e tablets de última geração, relógios possantes, grandalhōes e cheios de luzes.

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Esses nossos meninos lutam a cada dia em que jogam na Copa para abater onze leões famintos e desassossegados. Sabem que não podem dar razão a seus muitos detratores. E, por isso, não podem se dar ao luxo de errar.

Na verdade, a nossa Seleção é tão maravilhosa quanto esse nosso país. Um Brasil fantástico que reluta mil vezes antes de se reconhecer como a terra abençoada por Deus, remanescente de um povo alegre, hospitaleiro, festeiro, divertido e imprevisível como só seriam os descendentes de indígenas, pirtugueses e africanos.

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Sei o quanto devem estar sofrendo com o drama físico do Neymar, com a saída do seu Capitão no próximo jogo. Eles, são, no conjunto, o melhor grupo de brasileiros a nos representar, com todas as nossas tragédias e todas as nossas glórias. E que bom que seja assim. Eles precisavam receber nesses dias todos os abraços de todas as mães do mundo.

Sigam avante porque vocês são o melhor em humanidade que o Brasil já produziu. E aqueles que melhor nos representam. (Durmam com essa.)

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