Carta Aberta a Bibi Netaniahu – Temos, todos nós, um destino comum a partilhar

Admirar e respeitar o povo judeu não me impede, em absoluto, de levantar minha voz em defesa de seus vizinhos, notadamente aqueles milhares de seres humanos que residem e tocam a suas vidas na Faixa de Gaza



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Caro Senhor Bibi,

O senhor não me conhece, nem sabe de minha existência, mas o oposto é mais que verdadeiro – eu o conheço e bem sei de sua existência. Não é de hoje que nutro simpatia ante a ideia de que o povo de Israel tem direito sim ao seu próprio Estado, a ter sua própria constituição e a desfrutar dos sonhos de felicidade que todos os povos livres do mundo - desde sempre - têm o direito.

Essa simpatia antiga surge de um sentimento de viva solidariedade que tenho para com o seu povo, que sobreviveu à sanha nazista que exterminou com requintes de crueldade estimados 6 milhões de judeus nos terríveis anos de 1939-1945, onde se travou a devastadora carnificina humana conhecida como II Guerra Mundial.

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Minha admiração e respeito pelo povo judaico é tanta que concedemos a minha filha o nome hebraico de Jordana – "aquela que desce do Céu".

Cidadão brasileiro, não posso deixar de demonstrar orgulho por saber que foi um compatriota meu, o chanceler Oswaldo Aranha que, ao presidir a Assembléia-Geral das Nações Unidas, na tarde do dia 29 de novembro de 1947, aprovou histórica resolução que dividiu a então Palestina Britânica em dois estados, um judeu e outro árabe, 'e que deveriam formar uma união econômica e aduaneira'. E assim, na certidão de nascimento de seu país encontram-se todas as impressões digitais do povo brasileiro.

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Admirar e respeitar o povo judeu não me impede, em absoluto, de levantar minha voz em defesa de seus vizinhos, notadamente aqueles milhares de seres humanos que residem e tocam a suas vidas na Faixa de Gaza. São os palestinos. E como povo, têm também o mesmo sagrado direito de sonhar com a felicidade.

Nos últimos anos, senhor Bibi, venho nutrindo especial medida de preocupação pelos palestinos. São seus vizinhos, recebem toda carga de preconceitos, têm que conviver com esse novíssimo muro da vergonha a separar, qual perversa cicatriza, suas duas nações. São manipulados por facções belicosas de seu próprio povo que, muitas vezes, o toma como vistosos escudos humanos. Vivem os palestinos como se estivessem em extensa, precária e pouco usual prisão a céu aberto.

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Minha admiração e respeito pelo povo palestino é tanta que concedemos a minha segunda filha o nome árabe de Anísa – "a árvore da Vida".

Entendo que Israel tem tanto direito à sua autodefesa quando a Palestina tem direito a ser um Estado próprio e autônomo. É verdade que desde 1948 até os dias atuais, as terras destinadas à criação do estado palestino foram minguando radicalmente, sendo hoje não mais que magras faixas de terra, resultado de muitas décadas de guerras e conflitos. Essa situação caótica vem se perpetuando porque tem sido dada primazia ao uso da força para resolução de conflitos. E sempre que a força toma o espaço da palavra temos o funcionamento ininterrupto dessa fábricas de cemitérios.

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Sim, senhor Bibi, guerras só produzem mais guerras e prolongam a dor e o sofrimento humanos às raias do insuportável. A mesma insuportabilidade que seus antepassados sofreram nos campos da II Guerra, vivendo como povo sem pátria, tentando sobreviver pela ideia de um dia todos se reunirem à sombra da cidade sagrada de Jerusalém.

Todo o capital de solidariedade humana que o povo judeu acumulou ao longo do século XX começa a ser dilapidado rapidamente com os bombardeios que Israel lança sobre os palestinos a pretexto de revidar o lançamento de foguetes por parte de extremistas impiedosos do lado palestino. E cada vez fica mais difícil deixar de ver no atual conflito bélico, neste julho de 2014, as sombras do extermínio judeu conduzido pela Alemanha nazista há pouco mais de 60 anos.

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É o momento de escrever a narrativa de uma paz duradoura entre judeus e palestinos. É tempo de se interromper essa velha história de ódios que, acumulados, transbordam de geração a geração. A manter o conflito do sangue que se lava com sangue e de foguetes lançados por palestinos revidados com bombardeios lançados por Israel, em poucos dias já temos estatísticas pavorosas - 768 vítimas fatais palestinas e 36 vítimas fatais israelenses. Mas o ódio que passa a ser cultuado, quase como profissão de fé, por quem tem as vidas de seus familiares interrompidas, essas ultrapassam os números e são como semeaduras de ódio a lavrar o seu futuro comum.

Algumas nações, inclusive o Brasil, denunciaram a desproporcionalidade entre os ataques palestinos e os revides israelenses. O Brasil julgou por bem chamar seu embaixador em Tel Aviv para dar explicações ao seu governo em Brasília. É esse um ato legítimo e é a forma como um país faz conhecer sua posição em meio a guerra envolvendo dois ou mais povos.

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Senhor Bibi, a reação de sua diplomacia à decisão soberana do governo brasileiro, foi sobretudo, desproporcional. É desolador ver que este país que tanto fez para que o seu povo tivesse um país-estado tenha sido arrogantemente chamado de "irrelevante", "anão da diplomacia" e que um assunto sério e doloroso em que centenas de vidas humanas foram exterminadas seja tratado por sua chancelaria com aquele tipo de chacota irresponsável que, longe de solucionar um conflito, cria condições para criar novos e inesperados conflitos. Não entendo como um simples jogo de futebol em que o Brasil foi goleado por 7 x 1 pela Alemanha, justamente na Copa do Mundo que realizou no Brasil, possa ser relacionado à terrível escalada de violência que cai sobre a Faixa de Gaza.

Nesse caso, senhor Bibi, temos escancarada a percepção que um país em guerra deixa de ver a floresta em sua totalidade, concentrando-se seu olhar apenas sobre o punhado de árvores que consegue ver. O Brasil pode até ser motivo de bullying de Israel em outras áreas, mas nunca na diplomacia: está entre os 11 países do mundo que mantém relações diplomáticas com a totalidade dos países-membros das Nações Unidas, há mais de 200 anos o Brasil não tem estado em guerra com qualquer outro país, é um dos formuladores do Grupo G-20 e do Grupo BRICS, e recentemente esteve na ponta de frente de uns poucos que buscam solução duradoura para o conflito com viés nuclear que envolve o Irã e o Ocidente. Como, então, ser chamado de anão diplomático? Como, então, ser considerado "país irrelevante" na seara diplomática? E, poderia perguntar, mas sem qualquer intuito de lhe ofender, se o Brasil é um anão e é irrelevante, como então deveríamos considerar o Estado de Israel?

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Bem, a conversa está boa e é bom concluí-la antes que deixe de estar boa.

Aproveito para formular votos para que seu governo, a parte-forte do conflito israelo-palestino, interrompa essa insana escalada de violência, convoque uma conferência de paz e lance as bases para a construção de uma narrativa que comece por ver a humanidade como sendo folhas e ramos, folhas e frutos de uma só e única árvore.

Tenhamos, senhor Bibi, a compreensão que queiramos ou não, temos um mesmo destino comum a partilhar.

Atenciosamente,

Washington Araújo

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