A segunda crise do pensamento marxista, PT e questões incômodas

O projeto-PT cria, historicamente, uma democracia não propriamente revolucionária, mas inegavelmente popular. Este fato é bastante para mostrá-la antagônica às democracias de todos os governos anteriores no país



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Em 1967 Raymond Aron publicou a obra ‘As etapas do pensamento sociológico’. Dedica 130 páginas a um estudo profundo de Karl Marx.

Ensina ter havido nos últimos cem anos três grandes crises no pensamento marxista. A primeira, a revisão da social-democracia alemã, nos primeiros anos do século 20. A segunda, a crise do Bolchevismo, a tomada do poder na Rússia por um partido marxista e as consequências advindas daí. E a terceira a crise que se assistia na atualidade da guerra fria, perdurando até os dias de hoje, guardadas as proporções.

Um paralelo interessante no Brasil é a tomada do poder, obviamente pelo voto regular, pelo Partido dos Trabalhadores. O grau de ódio ao PT por significativa parcela da sociedade é único, sem nada parecido em nenhum outro partido. Em época de campanha política com a irresponsabilidade própria da Internet, produzindo preconceito, factoides e xingamento de toda espécie, a coisa tende a explodir.

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Tem-se o Estado brasileiro, historicamente desonesto e garantindo a impunidade de seus gestores até então vitalícios. Este foi o caldo cultural que o PT encontrou. Daí, este padrão histórico de patrimonialismo pessoal e criação de currais eleitorais para filhos e netos dos gestores, com o PT, continuou, diminuiu ou aumentou? Como ensina a Filosofia, a resposta pode ter menos importância do que o questionamento. Mas ele deve ser enfrentado.

O projeto-PT cria, historicamente, uma democracia não propriamente revolucionária, mas inegavelmente popular. Este fato é bastante para mostrá-la antagônica às democracias de todos os governos anteriores no país. Aí se insere um questionamento central da 2ª crise do pensamento marxista.

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A vitória ocorrida na revolução russa de 1917 foi considerada, por muitos, como vitória da revolução proletária, ainda que marxistas ortodoxos da II Internacional divirjam desta visão. Com a primeira vitória do PT dá-se um padrão similar, ainda que não revolucionário, mas pelo voto.

No período de 1917-1920, na Rússia, ocorreu uma disputa interna entre os vencedores que pode ser resumida assim: o poder soviético foi uma ditadura ‘do’ proletariado ou uma ditadura ‘sobre’ o proletariado? Aplique-se isso ao Brasil atual, não como tipo de ditadura, mas como democracia.

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Utilizando-se o caldo cultural brasileiro da desonestidade dos gestores públicos, há que se saber o quanto ele ‘influenciou’ a era PT. Ou seja, ter-se-ia, atualmente, uma democracia ‘do’ proletariado, ou uma ‘sobre’ o proletariado?

Se o projeto-PT conseguiu se safar desse histórico caldo cultural ladro, no sentido de seus gestores não se ‘enriquecerem’ com a tomada do poder, a democracia-PT teria sido ‘do’ proletariado, com erros e acertos computados. Já se a cultura da apropriação e eternização hereditária do poder banhou as lideranças trabalhistas, a democracia-PT teria sido ‘sobre’ o proletariado no sentido de uma continuada usurpação, diferindo apenas em rótulos.

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As implicações práticas de algumas dessas questões são grandes. Principalmente em época de campanha eleitoral. Saber que tipo de democracia o projeto-PT instalou, criou ou possibilitou é simplesmente definidor de como a sociedade deve olhar para o futuro imediato.

Na questão marxista, o racha teórico se deu entre Lênin – achava que o partido bolchevique, autoproclamado marxista e proletário, era a representação do proletariado no poder, e Karl Kautsky que defendia que a revolução num país não-industrializado, onde a classe operária era minoria, jamais podia ser uma revolução verdadeiramente socialista.

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Em termos de Brasil, não há ditadura, mas democracia e não há classe operária minoritária, mas classe minimamente intelectualizada minoritária. A contestação de Kautsky a Lênin é preocupante.

Com uma classe minimamente intelectualizada como minoritária as manobras feitas pelo poder, de forma negativa, se tornam muito mais possíveis. Como algumas manobras que se viram na Rússia, ao longo do tempo, sobre aquela minoria operária.

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Cabeças pensantes do PSDB, por exemplo, desenham uma democracia-PT de forma a mais medonha possível. Atemorizações, caos prenunciados são ouvidos profeticamente. Mas se Lula teve ‘apenas sorte’ no plano internacional e ‘tudo’ foi uma mera continuidade do plano real, já teria dado tempo para que eventual farsa se desmilinguisse, é óbvio. Renovam-se as precações, mas agora sobre Dilma. Pinta-se o monstro que será solto no segundo mandato. Mas este filme prometeico não assusta mais.

Qual ‘democracia’ o país conseguiu com o projeto-PT? Foi sobre o povo ou do povo? É fato que nunca se pensou no povo. José Sarney, por exemplo, lançou a flâmula ‘tudo pelo social’ como uma mentira-melaço. Seu projeto patrimonial de curralizar o Maranhão nunca foi estancado por ninguém, Receita, MP, Contas, nada, zero. Outros tantos curralizaram outros nacos brasileiros.

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O PT curralizou? Isso precisa ser enfrentado. Quem são os Malufs, os ACMs, os Sarneys do PT? Quem são seus coronéis? Negar isso é dizer que o projeto-PT conseguiu quebrar o velho caldo cultural de uso da máquina pública como historicamente sempre se teve. Isso é o sonho do Estado honesto.

O pensamento popular de Michael Gold, citado por Michael Denning (A cultura na era dos 3 mundos, p. 76) ‘Quando eu penso é o cortiço que pensa’ tem suas lógicas. A década-PT no plano social, afora seus erros esperados, conseguiu trazer para o debate central o proletariado de Marx, ou apenas o trabalhador da atualidade. Em uma palavra: o povo.

Nenhum partido brasileiro poderá abrir mão deste debate e mesmo dos fatores que o alimentam. Mas apenas o debate é insuficiente. Medidas passaram a ser exigidas com a legitimação popular e sua representação no poder. Dizer se a democracia é ‘do’ ou ‘sobre’ o povo pode ser questão teórica importante, mas a ação é imprescindível. Saber o que este trabalhador está comendo e podendo comprar parece ter sido o grande ganho da década-PT. Ainda que baronatos conservadores tenham perdido espaço.

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