O povo merece o Legislativo que tem?

Marcada por um trabalho notoriamente despolitizante, a agenda política midiática deprecia o Poder Legislativo, explorando apenas aspectos negativos e de natureza sensacionalista

Marcada por um trabalho notoriamente despolitizante, a agenda política midiática deprecia o Poder Legislativo, explorando apenas aspectos negativos e de natureza sensacionalista
Marcada por um trabalho notoriamente despolitizante, a agenda política midiática deprecia o Poder Legislativo, explorando apenas aspectos negativos e de natureza sensacionalista (Foto: Roberto Bitencourt da Silva)


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A respeito da composição parlamentar recém-eleita para a Câmara dos Deputados, alguns fenômenos têm sido identificados pelos/as analistas políticos. Por um lado, as urnas revelaram um incremento da fragmentação partidária, subindo o número de 22 para 28 partidos com representação na Câmara. Um fato que tende a levar o próximo governo a "negociar mais para formar uma coalizão majoritária – o que não se faz sem as concessões associadas à 'velha política'", segundo Tereza Cruvinel (1). O toma lá dá cá, possivelmente, será acentuado, fazendo a felicidade dos jornalões e da televisão, que adoram escândalos de corrupção e demais comportamentos políticos reprováveis. Os índices de audiência e vendas agradecem.

Por outro lado, conforme avaliação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – Diap, a Câmara e o Senado apresentam a feição mais conservadora na história do país, desde 1964. Uma composição parlamentar que tenderá a manifestar maior oposição a temas relativos aos direitos individuais (como a legalização do casamento homoafetivo), e sociais, por conta da retração da bancada sindical (2). Se assim o for, consistirá em episódio que tende a dar sequência a um fenômeno político que atravessa mais de duas décadas.

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Alguns brasilianistas e cientistas políticos do país, que promovem a Pesquisa Legislativa Brasileira desde 1990, têm buscado mapear o alinhamento ideológico dos partidos e o pensamento dos parlamentares no Congresso Nacional (3). As pesquisas realizadas no intervalo de 1990 a 2009 informam um saliente giro conservador e liberal no Congresso Nacional.

Sob o ângulo estritamente econômico, os pesquisadores destacam, em geral, um processo de construção do consenso em torno da prevalência da empresa privada na economia, em oposição ao intervencionismo estatal. Nos estudos iniciais, as esquerdas, particularmente, defendiam em sua maioria a integralidade ou parcelas substantivas da economia sob controle estatal. Os dados de 2009, na contramão, expressam esquerdas parlamentares tímidas, tendentes a apoiar um equilíbrio entre estatais e empresas privadas.

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Não é difícil identificar as cantilenas liberais, conservadoras e entreguistas defendidas pelos meios massivos de comunicação, ressoando nesse consenso político. Segundo a pesquisa em destaque, o PSOL encontra-se mais à esquerda nas votações parlamentares, acompanhado a uma certa distância pelo PT. O distanciamento ideológico petista, em relação às direitas, tem diminuído significativamente. Em todo caso, o PSOL e o PT conformam o pólo mais substantivo das esquerdas no Congresso Nacional.

A fragmentação partidária e o conservadorismo parlamentar devem-se a variadas razões, entre as quais podem ser mencionadas: o financiamento privado das campanhas, contribuindo para dar enorme visibilidade a determinados candidatos e para desequilibrar a competição eleitoral; a prática das coligações eleitorais; e a diluição das identidades partidárias, consistindo em reforço de um certo caldeirão cultural personalista (4).

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Contudo, uma variável adicional chama atenção e incide bastante no perfil do Congresso recém-eleito. Trata-se da desqualificação cotidiana feita pelas corporações midiáticas ao parlamento federal. Quanto às arenas legislativas estaduais e municipais, para dizer o mínimo, a cobertura jornalística é sofrível.

Habitualmente as imagens que circulam sobre o Congresso Nacional giram em torno de práticas reprováveis. O tema da corrupção é explorado às náuseas. Um "antro de bandidos e vagabundos" são alguns ícones folgadamente mobilizados pelas corporações da mídia. Não quero dizer com isso que práticas políticas e moralmente inadmissíveis não existam. Ocorrem, é claro, com frequência. O problema central é outro: o Poder Legislativo não se limita a isso. Projetos e debates da mais alta relevância pública não alcançam qualquer visibilidade.

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A influência mais decisiva das mídias sobre a sociedade não é exercida pelo que elas dizem e mostram. As experiências de vida, os valores e os conhecimentos dos indivíduos, que integram diferentes estratos sociais, permitem uma depuração da informação recebida. A influência se dá, principalmente, sobre o que não se fala e não é exibido. O invisível e a voz inaudível não existem enquanto elementos que possam subsidiar a reflexão e o comportamento político. Esse é o problema maior.

Assim, cabe a indagação: o povo merece o parlamento que tem? Marcada por um trabalho notoriamente despolitizante, a agenda política midiática deprecia o Poder Legislativo, explorando apenas aspectos negativos e de natureza sensacionalista. Não é de espantar que o próprio voto para os parlamentos – nacional, estaduais e municipais – tenda a ser destituído de sentido para amplos setores da sociedade.

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O humorístico CQC, da "Band", opera frequentemente com a ironia despolitizante, em seus quadros que misturam jornalismo e humor em Brasília. Mas, está longe de ser um caso isolado. Uma miríade de jornalistas, consagrados ou não, oferecem demasiado auxílio à demonização do legislativo, na TV e no rádio. Constantemente direcionam suas ácidas críticas aos parlamentos, como se fossem um mero peso desconfortável para a população.

Em consequência, os meios massivos de comunicação saem beneficiados do amesquinhamento parlamentar, na esteira da diminuição da importância do Legislativo. Beneficiam-se com a audiência sobre o espetáculo da degradação política. Ademais, com a lacuna aberta, a mídia corporativa se coloca na condição de porta-voz da população, propondo e interferindo na formulação das políticas de Estado. Deslocam o Legislativo e os partidos políticos, buscando assumir a posição de "representantes": sem voto, sem controle, sem fiscalização pública. O melhor dos mundos para as corporações midiáticas.

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A crítica é necessária e vital para a circulação da informação e para a tomada de decisões pela população. Mas, é extremamente necessário, igualmente, dar voz e vez aos projetos, debates e legisladores envolvidos na produção parlamentar. Esse é um trabalho jornalístico de natureza educativa e cidadã que os meios massivos rejeitam abertamente. Não fossem o webjornalismo alternativo e os canais públicos de televisão, escassa informação teríamos sobre os trabalhos legislativos.

Com essa postura, os meios massivos dão suporte à despolitização e à degradação da vida política nacional. Por isso, convenhamos, o povo, em elevada medida, é a vítima, não o responsável pelas mazelas do nosso Congresso.

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Não raro, as elites intelectuais e políticas brasileiras suspiram de saudade com o Congresso Nacional de tempos idos. Afonso Arinos, Tancredo Neves, Barbosa Lima Sobrinho, Alberto Pasqualini e San Tiago Dantas, eis alguns nomes reverenciados como símbolos de uma época em que as cadeiras do Congresso Nacional estavam bem ocupadas.

Porém, é oportuno lembrar que, na mesma época, entre os anos 1950/60, jornais como o "Estado de S.Paulo", à direita, e a "Última Hora", à esquerda, reservavam privilegiado espaço, em suas páginas, para as discussões e os projetos dos parlamentares. Hoje, a grande imprensa e a televisão reservam especial atenção para futricas, falcatruas e maquiavelismo de botequim. Nesse sentido, vale a adaptação de um velho adágio cristão: diga-me como anda o jornalismo das principais empresas de comunicação, que eu te direi sobre o teu Legislativo.

(1) Blog da Tereza Cruvinel, 07/10/2014. Disponível em: http://terezacruvinel.com/2014/10/07/coligacao-de-dilma-elege-maioria-na-camara-304-deputados/

(2) Estado de S.Paulo, 06/10/2014. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,congresso-eleito-e-o-mais-conservador-desde-1964-afirma-diap,1572528

(3) Consultar POWER, Timothy J.; ZUCCO JR., Cesar (orgs.). O Congresso por ele mesmo. Belo Horizonte: UFMG, 2011.

(4) Quanto à diluição da identidade dos partidos, ver artigo sobre o modelar caso do PT em São Paulo: http://www.jornalggn.com.br/noticia/a-necessaria-renovacao-do-pt-e-o-vexame-no-estado-de-sao-paulo-por-laura-capriglione#.VDPuvtVCmdM.facebook

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