Quem se beneficiaria com o “colapso” do petismo na eleição?

Não adianta argumentar que o oligopólio da mídia não dá espaço às esquerdas. Nunca deu. Apostar no "quanto pior melhor" é, para dizer o mínimo, inconsequente



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A acirrada disputa eleitoral entre Dilma (PT) e Aécio (PSDB) revela o confronto entre diferentes projetos de sociedade. Considerando as trajetórias petista e tucana, assim como pronunciamentos dos candidatos presidenciais e dos seus assessores, o povo brasileiro depara-se com alternativas conflitantes e distintos potenciais horizontes futuros. Contudo, em que pese a obviedade, ambos os projetos estão assentados no regime civilizatório capitalista.

De um lado, o PT, com Dilma, denota uma orientação política apoiada em um capitalismo concebido pela necessidade de algum ativismo social e econômico do Estado, indicando o uso de mecanismos de regulação da "besta" capitalista. Demonstra tímida inspiração em Keynes, pois o PT sequer acena com a tributação progressiva. O "cara", para Lula, é Henry Ford (Carta Capital, 15/10/2014, p.26): produção e lucros em grandes escalas, baseados na ampliação do emprego e do consumo dos trabalhadores.

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Assinalando a defesa dos direitos trabalhistas, o projeto petista contrapõe-se ao de Aécio, no sentido em que o candidato tucano filia-se a um explícito capitalismo neoliberal, demasiadamente danoso às classes trabalhadoras, populares e médias. Seu assessor Armínio Fraga pregou aos quatro cantos que o salário mínimo encontra-se elevado e o próprio Aécio já repercutiu a cantilena empresarial sobre a flexibilização das leis trabalhistas. Vale considerar que o histórico do PSDB é profundamente refratário a uma política de elevação salarial e de geração de empregos.

Do ponto de vista da política externa, a contradição entre os dois projetos é bastante clara. De um lado, uma percepção petista mais soberana do país na cena internacional, privilegiando o multilateralismo e a integração sul-americana. De outro, o tucanato vem apresentando rugidos grotescos contra alguns países vizinhos. Acentua ainda uma ênfase nas relações com os EUA e a Europa. Simplificando um pouco, vê-se um confronto entre a soberania e a subserviência externa.

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Faço essas ponderações, que não deixam de ser ociosas para muitos, por conta do posicionamento manifestado por setores das esquerdas. PCB e PSTU resolveram expressar neutralidade no 2º turno, alegando inexistência de diferenças entre Dilma e Aécio, basicamente por representarem o modelo de sociedade capitalista e os privilégios burgueses. A Executiva Nacional do Psol, igualmente, colocou-se na neutralidade. Não poucos eleitores apartidários de esquerda pregam o voto nulo.

Todavia, expressivas lideranças do Psol, como Marcelo Freixo, Milton Temer e Jean Wyllys, prontamente colocaram-se a favor de Dilma, mesmo com oportunas críticas. O brasileiro Theotonio dos Santos e o argentino Atílio Borón, dois consagrados pensadores sociais marxistas, publicaram nos últimos dias instigantes artigos que destacam os riscos implicados, com uma eventual vitória tucana, para o Brasil e a América Latina. Chamam a atenção para os possíveis retrocessos nas políticas sociais e exterior brasileira, com potenciais consequências nocivas ao processo de construção de maior autonomia dos povos da região (1).

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Borón revela grande preocupação com a neutralidade eleitoral preconizada pelas esquerdas anticapitalistas no 2º turno. Guardadas as devidas proporções e a distância no tempo, o cientista político considera um equívoco de natureza similar ao apresentado pela 3ª Internacional, liderada pelos comunistas soviéticos. A linha adotada no início dos anos 1930, ante o perigo da ascensão fascista na Europa, foi a recusa a qualquer apoio à social-democracia, classificando a esquerda moderada como "social-fascismo". Deu no que deu (2).

O PT merece múltiplas críticas das esquerdas. É inadmissível, por exemplo, que Dilma, cujo partido detém hegemonia na principal central sindical do país, a CUT, não apresente qualquer proposta de renovação das leis trabalhistas a favor dos trabalhadores. A redução da jornada de trabalho para 40h, de sorte a elevar o emprego, oferecer maior tempo livre aos trabalhadores e socializar os elevados lucros burgueses, sequer foi mencionada no curso da campanha. Diga-se: uma proposta defendida pela própria CUT.

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Igualmente, Dilma não apresenta qualquer proposta sobre o tema tributação progressiva. Vale recordar que a primeira faixa de rendimentos tributados pelo Imposto de Renda é extremamente baixa no país. Começa em torno de R$ 1700,00. A Argentina inicia a tributação direta em cerca de R$ 4000,00. A burguesia rentista e voltada à produção de bens paga muito pouco imposto no Brasil, comparado à classe trabalhadora. Os salários são infinitamente mais tributados do que a renda e o lucro. Sejam por meio de impostos diretos, sejam os indiretos.

Outros tantos pontos críticos dos sucessivos governos petistas poderiam ser mencionados. Todavia, alegar que o PT é igual ao PSDB, por se adequar aos contornos da civilização capitalista, é no mínimo infrutífero. A construção de um modelo civilizatório distinto do capitalismo não decorre de mera vontade de um governo, em que pese a decisiva importância de esforços naquele sentido.

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Em sociedades como a boliviana e a venezuelana, em que várias e ousadas mudanças progressistas têm ocorrido (não poucas de cunho socialista), os contornos gerais permanecem capitalistas. Uso de mecanismos sintonizados com a democracia participativa – ao lado das tradicionais instituições representativas –, apoio e ativismo político dos movimentos sociais e nacionalizações de empresas, são algumas medidas praticadas nos países "bolivarianos". Porém, não estão desligadas dos regimes do trabalho assalariado e da expropriação capitalista. A própria Cuba, sujeita ao criminoso boicote estadunidense, também tem adotado ações que favorecem a acumulação do capital, sobretudo no ramo turístico. Importa recordar velho ensinamento marxista: o capitalismo é um modo de produção e de civilização mundial. Não se supera apenas por mero voluntarismo nacional.

As substantivas limitações dos governos Lula/Dilma não impedem observar iniciativas de extrema relevância para o exercício da soberania nos países tradicionalmente submetidos ao jugo imperialista, como os de "nuestra América". O peso diplomático brasileiro consiste em fator importante, que tem colaborado. A recente criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS representa uma importante alternativa creditícia internacional em construção. O PT, na condição de chefia do governo brasileiro, desempenha papel de relevo. O banco visa possibilitar a superação da dependência, dos países outrora chamados de "3º Mundo", em relação aos organismos financeiros internacionais.

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FMI e Banco Mundial, com suas condicionalidades privatizantes e outras que exigem o sacrifício dos trabalhadores, são órgãos que sempre inibiram o desenvolvimento social e econômico, bem como o exercício da soberania por nossa região. Difícil imaginar qualquer possibilidade de construção civilizatória socialista, em meio a um cenário internacional sem fissuras no estrangulamento imperialista. Não gratuitamente, o gênio de Lenin sublinhava a importância da autodeterminação dos povos oprimidos pelo imperialismo, de modo a quebrar os elos da cadeia capitalista.

Quem se beneficiaria com uma vitória tucana e o "colapso" do petismo? As esquerdas anticapitalistas? Faz-se necessário um mínimo de humildade para reconhecer a debilidade das esquerdas, do ponto de vista eleitoral e socialmente valorativo. A perspectiva socialista, historicamente, já teve considerável expressão política no país. Exemplos de proa foram o comunismo prestista e o trabalhismo nacionalista radical de Brizola. Talvez mesmo o próprio viés socialista democrático abandonado pelo PT.

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Não adianta argumentar que o oligopólio da mídia não dá espaço às esquerdas. Nunca deu. Apostar no "quanto pior melhor" é, para dizer o mínimo, inconsequente. Após o golpe de 1964, o sociólogo Octávio Ianni argumentava, em seus estudos sobre o "populismo", que o significado maior do golpe seria a abertura de horizontes políticos favoráveis às classes trabalhadoras. Estas, segundo Ianni, poderiam alcançar uma consciência mais nítida dos seus interesses, abandonando acordos interclassistas. O "colapso do populismo" poderia promover uma orientação política mais clara aos trabalhadores em torno de uma opção socialista revolucionária.

Após o golpe e décadas a fio as imprescindíveis reformas de base não foram feitas. Sequer são discutidas em nossos dias. O "colapso" do pretenso "populismo" não gestou cenário favorável às mudanças socialistas, que muitos integrantes das esquerdas intelectuais e políticas mais radicalizadas dos anos 1960 esperavam. Guardadas as devidas proporções, dificilmente um eventual "colapso" do petismo, na atual eleição, proveria um cenário favorável aos trabalhadores do Brasil.

Os únicos beneficiários de um eventual "colapso" do petismo seriam as forças sociais reacionárias, nada afeitas ao diálogo com os movimentos sociais, ao respeito para com os direitos coletivos e ao exercício da soberania nacional. Conjunto de forças na expectativa de se desfazer da acanhada, mas incômoda, barreira aos seus interesses egoístas e antisociais. Uma barreira, sem muita consistência, representada pelo PT.

(1) Theotonio dos Santos, "Para frente ou para trás", 16/10/2014. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?%2FEditoria%2FPolitica%2FPara-frente-ou-para-tras%2F4%2F32013

(2) Atílio Borón, "A esquerda e o segundo turno das eleições no Brasil", 20/10/2014. Disponível em: http://www.opalheiro.com.br/a-esquerda-e-o-segundo-turno-das-eleicoes-no-brasil/

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