O “impeachment” e a questão do ódio aos nordestinos

O ódio que se forma nas regiões mais desenvolvidas do país por verem frustradas suas vontades democráticas contra os "nordestinos" não é algo que se revele minimamente defensável para se tolerar

O ódio que se forma nas regiões mais desenvolvidas do país por verem frustradas suas vontades democráticas contra os "nordestinos" não é algo que se revele minimamente defensável para se tolerar
O ódio que se forma nas regiões mais desenvolvidas do país por verem frustradas suas vontades democráticas contra os "nordestinos" não é algo que se revele minimamente defensável para se tolerar (Foto: Leonardo Sarmento)


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O presente artigo será dividido em duas proposições que passam a ser aventadas pós-reeleição da Presidente Dilma Rousseff. Primeiramente trataremos do "direito de secessão" que toca diretamente na questão do sentimento de ódio aos nordestinos surgido principalmente nas redes sociais, e posteriormente da possibilidade (legalidade versus legitimidade) de um processo de "impeachment".

Estes dois momentos refletem-se como consectários lógicos dos resultados das urnas consequenciais de um país notadamente dividido, sem uma unidade fática representativa da unidade de direito constitucionalmente estabelecida. São nestes temos que discorreremos brevemente.

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Iniciaremos com o que intitula "direito de secessão". As eleições presidenciais de 2014 deflagraram um país de duas verdades, duas culturas, duas percepções, duas escolhas. De um lado um Estado de um IDH mais desenvolvido em todos os seus aspectos, do outro um Estado extremamente precário, de absoluta desnutrição social, econômica, cultural e de infraestrutura. Dessas diversidades abissais surgem interesses antagônicos e por vezes egoístico-separatistas naturais. Sentimentos xenofóbicos entre nacionais de realidades de tamanha disparidade podem surgir quando se percebe que formamos um país onde uma maioria de menor compreensão dos fatos possui democraticamente o direito de fazer valer a sua vontade segundo o princípio Majoritário.

O Brasil, nos lindes da Constituição Republicana de 1988, adotou o modelo de um Estado federal descentralizado, ainda que um tanto exótico ao receber os municípios formando um federalismo tridimensional.

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Estado federal apresenta algumas características que o identificam:

1. Os membros da federação são entes autônomos para determinados fins estipulados na constituição.
2. A autoridade da federação tanto se verifica em negócios internos como em negócios externos.
3. Seus cidadãos são possuidores de uma mesma nacionalidade decorrente do Estado federal.
4. Os estados estão unidos por um pacto federativo de direito constitucional e não com um simples tratado como na confederação.
5. As decisões da União (poder central) são obrigatórias para todos os Estados membros.
6. O poder central divide-se em Legislativo, Executivo e Judiciário.
7. Os Estados membros não guardam o poder de secessão como na Confederação.
8. Sua unidade é perpétua.

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Interessam-nos, em especial, os itens 4, 7 e 8. São estes que combinados fundamentam o art. 1º, caput da Constituição Republicana, protegido pelo Constituinte de 1988 como cláusula pétrea, na forma do art. 60, parágrafo 4º, I.

Quer a combinação destes dois dispositivos constitucionais nos dizer que a forma federativa de Estado não pode ser objeto nem de proposta de emenda (PEC) tendente a aboli-la, formando uma união indissolúvel entre seus entes. Assim que, no item 7 supra,encontra-se peremptoriamente vedado o chamado "direito de secessão" de nossa federação, nos termos de nossa Constituição, com base em uma pacto federativo "cooperativo".

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Contudo, para além de sua enunciação, a força normativa desse princípio depende de uma série de fatores, que vão desde a forma política do Estado e seu papel, passa pelo conjunto de regras constitucionais que o concretizam e também pela construção jurisprudencial de seu conteúdo.

Daí porque é preciso, antes, compreender os fundamentos do federalismo, não apenas enquanto teoria, mas também como um processo dinâmico em que a estrutura estatal vai ganhando novos arranjos na medida em que as condições sociais, políticas e econômicas exijam.

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Deve ser considerada, também, a dimensão propriamente sociológica que faz com que a organização política da Nação se desenvolva de modo a diminuir as desigualdades regionais (artigo 3º, inciso III, CF/88) sem admitir a desintegração da estrutura institucional estabelecida.

O ódio que se forma nas regiões mais desenvolvidas do país por verem frustradas suas vontades democráticas contra os "nordestinos" não é algo que se revele minimamente defensável para se tolerar. Em uma democracia cada cidadão tem direito de expressar-se nas urnas nos termos de seu maior ou menor discernimento da realidade e deve ser respeitada a inteligência de sua escolha, seja ela fruto de uma percepção mais ou menos apurada da realidade.

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Passemos neste momento a analisar as possibilidade de "impeachment" da recém eleita presidente Dilma Rousseff.

Fora deflagrada pela imprensa que os nomes do ex-presidente Lula e da atual mandatária e candidata a reeleição, Dilma Rousseff, teriam completo conhecimento do bilionário desvio de dinheiro público do caso Petrobrás, apelidado de "Petrolão", a partir do depoimento do doleiro Youssef prestado ao Ministério Público Federal. Afirmou ter provas não apenas do envolvimento de Lula e Dilma como possibilidades de chegar às contas secretas do Partido dos Trabalhadores no exterior.

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Já houvera afirmado, em outras palavras, que o chamado "mensalão", que ocasionou a condenação dos caciques do partido do Governo seria um jogo de bingo de uma família que preencheria os requisitos para o bolsa família, se comparado ao escândalo descoberto pela operação Lava Jato da Polícia Federal, este no porte dos maiores cassinos de Las Vegas...

Confirmada esta miserabilidade moral através da prática de crimes de responsabilidade, a presidente Dilma, reeleita, poderia sofrer processo de "impeachment"?

O Artigo 86 da Constituição Republicana divide o processo de "Impeachment" em duas fases:

Na primeira a Câmara dos Deputados, após admitida a acusação feita por qualquer cidadão, limita-se, pela maioria de 2/3 de seus membros, a receber ou não a acusação.

Esse ato de recebimento ou não da acusação, decisão que não julga mérito do processo de "impeachment", limita-se a fazer o denominado pela doutrina como juízo de admissibilidade. Esta pronuncia realizada pela Câmara dos Deputados implica tão somente na processabilidade do Presidente da Republica pelo crime de responsabilidade e conexos.

Conexão significa nexo, vínculo, relação, liame, ou seja, a ideia de que a coisa esta ligada a outra, e o artigo 76 do Código Processual Penal, que trata do assunto determina a reunião dos crimes conexos em um só processo diante da existência desse vinculo.

Essa decisão de pronúncia pela Câmara dos Deputados não equivale a um pré-julgamento do acusado, não adentra ao mérito propriamente dito, não significa um juízo condenatório. Indica entrementes, que a Câmara dos Deputados considerou haver indícios razoáveis, provas do ato imputável ao acusado e, levando-se em conta a natureza do crime de responsabilidade perpetrado pelo Presidente da Republica, naquele momento não encontrou razões de monta que justifique seu arquivamento, pronunciando.

A Câmara dos Deputados para formalizar ou não a acusação como objeto de deliberação deve apreciar a gravidade dos fatos alegados e o valor probatório das provas e indícios. O ato de declaração de pronúncia ou arquivamento da acusação é iminentemente discricionário, sendo certo que se não houver a pronúncia pela Câmara o pedido de "impeachment" restará arquivado. Ato discricionário é aquele em que o julgamento deverá pautar-se pela conveniência e pela oportunidade. A rigor, a discricionariedade não se manifesta no ato em si, mas sim no poder de a administração pratica-lo pela maneira e nas condições que repute mais conveniente e oportuno ao Poder publico dentro das opções fornecidas pela lei.

O parágrafo 1° do Artigo 86 da Carta Maior afirma que, o Presidente da Republica ficará suspenso de suas funções com a instauração do processo pelo Senado pelo interregno de 180 dias.

Inicia-se então, a fase da submissão do Presidente da Republica ao "veredicto" do Senado Federal, caso reste pronunciado pela Câmara, não cabendo, entende o STF, novo juízo de admissibilidade por parte do Senado Federal, que estará obrigado a julgar o Presidente pela acusação de Crimes de Responsabilidade. No Senado o julgamento será presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Se o delito praticado pelo Chefe da Nação for comum (não for de responsabilidade), será ele julgado pelo Supremo Tribunal Federal, mas em qualquer dos casos, a decisão deverá advir dentro de 180 dias contados a partir de seu afastamento e da consequente pronúncia da acusação.

Prossegue o processo, nos termos legais, ofertando oportunidade ao Chefe do Executivo do Direito de ampla defesa e contraditório, nos termos do "due processo of Law" (devido processo legal).

O julgamento proferido pelo Senado Federal poderá resultar absolutório, com o arquivamento do processo; condenatório, se assim entendido pela maioria de 2/3 do voto do Senado Federal, limitando-se a perda do cargo com inabilitação por oito anos, para o exercício de função publica, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis, conforme o Artigo 52 parágrafo único da Constituição Federal.

A Lei 1070/50, que foi recepcionada pela Constituição Republicana de 1988 rege os crimes de responsabilidade que dão azo ao processo de "impeachment". O art. 4º assim dispõe:

Art. 4º São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal, e, especialmente, contra:

(...)

V - A probidade na administração;

(...)

VII - A guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos.

Já o art. 9º da lei em comento assim deflui:

Art. 9º São crimes de responsabilidade contra a probidade na administração:

(...)

3 - não tornar efetiva a responsabilidade dos seus subordinados, quando manifesta em delitos funcionais ou na prática de atos contrários à Constituição;

(...)

7 - proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo.

Já o art. 11 infere:

Art. 11. São crimes contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos:

1 - ordenar despesas não autorizadas por lei ou sem observância das prescrições legais relativas às mesmas;

(...)

5 - negligenciar a arrecadação das rendas impostos e taxas, bem como a conservação do patrimônio nacional.

Curioso que, após o partido da Presidente Dilma sofrer com a condenação da justiça no emblemático caso "mensalão", a sociedade já parecia, segundo as pesquisas de intenções de voto, não ligar para os desvios funcionais ao arrepio do interesse público ou por não compreender, ou por ter um juízo moral demasiadamente fluido. Assuntos econômicos de crise também pareciam não importar à população pelos mesmos fundamentos, se o país quebrar, enquanto tiver feijão...

O resultado final confirmou nossa percepção, quando Rio de Janeiro e Minas Gerais foram as maiores exceções da divisão político-regional que se extraiu do escrutínio, talvez por terem adquirido uma maior maleabilidade moral, já que não se explica unicamente pelo déficit educacional nem pelo aprisionamento às políticas de populismo-assistencialista que se empreende ao longo de 12 anos.

Assim que, vale a reflexão se de fato um processo de "impeachment" seria legítimo, já que trata-se de um processo de forte viés político, muito embora tenha que preencher requisitos dispostos em lei. Lembremos que nosso sistema democrático eleitoral para escolha do Presidente é o majoritário, portanto se a maioria prefere um governo desviado de suas finalidades públicas, que se locupleta do dinheiro que pertence à todos, coloco em cheque a legitimidade de um futuro processo de "impeachment" por estas razões, e, salvo melhor juízo, entendo que legitimam-se os crimes de responsabilidade praticados pelos agentes políticos de poder, muito embora ainda considerados ilícitos passíveis de sanção.

Reeleita a presidente Dilma, passo a defender uma espécie de "imunidade tácita" aos políticos eleitos pelo sistema majoritário que recebem o aval da maioria do povo para a prática dos crimes de responsabilidade. O povo tem demonstrado ao longo dos anos aprovar mandatários desviados da legalidade. O ex-presidente Fernando Collor, que restou destituído de seu poder após processo de "impeachment", sua renúncia foi escapismo político, acaba de ser reeleito ao Senado Federal que no sistema majoritário, recebeu uma quantidade expressiva de votos. Em verdade, os exemplos são muitos, que se coadunam com a minha tese, que em um primeiro momento transparece absurda até mesmo para mim, mas consentânea com o princípio democrático.

Esta elucubrarão certamente jamais virá positivada em nosso ordenamento, mas arrisco-me a dizer que não contaremos mais com a políticas dos freios e contrapesos nem no Legislativo nem no Judiciário (leia-se STF) e este vale-tudo político em um Estado cada vez mais aparelhado beneficiará sobremaneira os agentes políticos contumazes praticantes dos crimes de responsabilidade. Vale lembrar que a Presidente reeleita poderá indicar neste próximo ano (2015) pelo menos mais dois ministros ao Supremo Tribunal Federal, que para decisões políticas já possui hoje uma linha majoritária ideológico-partidária bem definida.

Partamos para a política do liberou geral sem constrangimentos, até que a sociedade forme uma maioria que consiga discernir e escolher com consciência. Sofremos com o déficit educacional, mas respeitemos nossas escolhas democráticas. Não é demais lembrar que, a Câmara que pronuncia e o Senado que julga nos crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente são legítimos representantes do povo, e é o povo que lhes outorga poderes, e, legitimados pela manifestação de vontade popular através do escrutínio ocorrido em 2014, devem procurar atuar nos termos desta vontade.

Um processo de "impeachment" ao se conformar o escândalo do petrolão neste momento acabaria por denotar que a lei já não está mais de acordo com a realidade que o povo aprova e espera, portanto representaria o enfrentamento da legalidade versos a sua legitimidade democrática do voto. Poderíamos falar de um processo de mutação constitucional que mexeria no caráter dinâmico das disposições constitucionais relativas ao crime de responsabilidade? Lembra-se que lei que trata do crime de responsabilidade é de 1950, talvez o tempo tenha feito mais maleável a rigidez moral de parcela maior da sociedade, ou, de fato, a desnutrição cultural que abate a maioria seja o fator de estranhamento de nossa democracia, que em última "ratio" deve ser respeitada.

Desta forma sustento que deva prevalecer a forma de democracia direta do voto no embate em relação a decisão política de "impeachment" tomada pelos representantes (indiretos) do povo. Quanto a questão dos nordestinos abordada, reafirma-se a necessidade de investimentos maciços em educação, um déficit histórico que deve ser superado em nome da igualdade de condições que o povo nordestino merece como um dos grandes responsáveis pela construção do nosso país. Secessão, como aduzido, é algo impalatável e imponderável, inclusive sob o aspecto jurídico.

Por último, vale lembrar, que nosso sistema presidencialista não admite "impeachment" (deposição do cargo político) por incompetência.

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