PSDB: reavaliar ideias e reorientar o comportamento

O PSDB, há muito, está terceirizando o papel educativo para o oligopólio midiático e se alimentando da pauta delineada pelo noticiário do mesmo oligopólio

O PSDB, há muito, está terceirizando o papel educativo para o oligopólio midiático e se alimentando da pauta delineada pelo noticiário do mesmo oligopólio
O PSDB, há muito, está terceirizando o papel educativo para o oligopólio midiático e se alimentando da pauta delineada pelo noticiário do mesmo oligopólio (Foto: Roberto Bitencourt da Silva)


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A candidatura de Aécio Neves claramente representou certo perfil do eleitorado tucano. O deboche, a violência verbal e o tom desrespeitoso para com a adversária figuraram como artifícios frequentes em sua retórica nos debates televisivos, bem como na propaganda eleitoral. Recursos utilizados nas ruas e nas redes sociais por segmentos conservadores do público, sintonizados com a mensagem tucana. Representante e representados guardaram fortes semelhanças.

Contudo, não se pode atribuir os votos recebidos por Aécio exclusivamente a essa parcela do eleitorado. Doze anos na Presidência têm promovido desgastes à imagem do PT. Insatisfações públicas são moeda corrente para qualquer governo. A cantilena diária da corrupção, diretamente associada ao PT pelo oligopólio da mídia, também propicia erosão da imagem petista e do governo Dilma. Adicione-se o processo de diluição da identidade esquerdista do PT, que tem retirado empolgação de fatias do eleitorado. Sob a lógica plebiscitária do segundo turno, fatores que contribuíram para canalizar votos ao candidato tucano.

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A pequena margem de votos que separou Aécio da vitória pode dar a impressão de que o caminho trilhado é o mais adequado. Em um voo panorâmico talvez a impressão não esteja equivocada. Entretanto, existem algumas variáveis que demandam reflexão ao PSDB: o PT venceu a 4ª eleição consecutiva, em que pese a diuturna campanha fiscalizadora e difamatória empreendida pelos conglomerados midiáticos. Registre-se que por pouco Aécio não foi para o 2º turno, concentrando cerca de 1/3 dos seus votos no estado de São Paulo ainda no 1º turno.

Encerrada a eleição presidencial, o PSDB precisa reorientar o seu comportamento. Necessita, sobretudo, ser contemporâneo do nosso tempo e compreender o Brasil. Em meio às névoas programáticas e aos trovões acusatórios, o que tem o PSDB a oferecer? A campanha de Aécio buscou centrar a atenção da população apenas nos combates à corrupção e à inflação. A toada anticorrupção foi explorada ao extremo. Com o telhado de vidro que tem, o PSDB beira a hipocrisia na exploração do assunto.

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O controle da inflação é um tema que tem como pano de fundo, principalmente, os interesses da burguesia financista. Um viés anticomunista, com as grotescas menções ao "porto em Cuba", e um lacerdismo indisfarçável – com o renitente "mar de lama" – também caracterizaram a campanha tucana. De resto, afirmava que iria "aperfeiçoar" os programas sociais existentes. Praticamente nada a oferecer à grossa parte da população.

Os partidos, como ensina Angelo Panebianco, são forçados a lidar com duas dimensões políticas: a adaptação pragmática ao meio social, em busca de votos, e o ativismo pedagógico, particularmente em seu terreno eleitoral. O PSDB tem dado atenção apenas ao pragmatismo eleitoral, colocando para escanteio qualquer papel educativo sobre as suas bases eleitorais. Não é gratuita a ruminação de tanto ódio classista, racial e geográfico que tem marcado as atitudes de segmentos do eleitorado aecista. Por tabela, uma vociferação anti-PT. Sem esforço, os ecos da mídia hegemônica são identificáveis. Infelizmente, o PSDB representou esse estado de coisas.

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O PSDB, há muito, está terceirizando o papel educativo para o oligopólio midiático e se alimentando da pauta delineada pelo noticiário do mesmo oligopólio. Assim, o partido revela baixa contribuição para a formação da opinião pública. Fica apenas a reboque do que os seus poderosos aliados jornalísticos propõem e (des)valorizam, deixando de oferecer colaborações à reflexão pública.

O Bolsa Família, no cotidiano, é tratado por expressivas frações conservadoras do eleitorado de Aécio como uma "esmola", uma "compra de consciências". O próprio Instituto Teotônio Vilela, organismo de reflexão intelectual do PSDB, já teceu considerações similares (1). Desse modo, não adiantava Aécio defender o Bolsa Família e, no dia a dia, frações dos seus partidários afirmarem o contrário. Isso tudo em que pese ser, originalmente, uma política neoliberal de compensação ao desemprego, gestado por privatizações, incorporação de novas tecnologias no mundo do trabalho e abertura comercial. Em que pese o seu orçamento corresponder a um mirrado 0,5% do PIB. A despeito de ser funcional para o padrão dependente e subdesenvolvido do capitalismo brasileiro, preconizado pelo partido, aquecendo o comércio e a indústria. Mesmo que de forma tímida, um programa introduzido no próprio governo FHC. Com efeito, do ângulo ideológico, há necessidade de o PSDB dar tanta margem aos preconceitos de parcelas da população? Não poderia, diuturnamente, tratar o Bolsa Família de modo distinto?

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Aécio mobilizou o tema do tráfico de drogas sempre com um sentido policialesco. No entanto, FHC repetidas vezes manifestou-se favorável à descriminalização do consumo da maconha.Por que Aécio abordou o tema apenas à moda americana da "guerra às drogas"? Está aí um tema tipicamente liberal, que diz respeito à esfera dos direitos civis e que guarda estreita relação com a segurança pública. Para uma legenda que preconiza o liberalismo econômico, por que não adotar o liberalismo sob o ângulo político? Por que a descriminalização do consumo da maconha precisa ficar, basicamente, restrita às esquerdas? Por mera adaptação ao universo moral de setores retrógrados do país, com vistas a obter votos a todo custo, o partido reforça o amesquinhamento da política e do debate público.

Se o PSDB é tão contrário à corrupção, por que não apoia o fim do financiamento empresarial das campanhas eleitorais? Eis uma fonte inesgotável de corrupção, nessa nociva transação entre o público e o privado, em que a democracia tende a ser capturada pelo poder econômico. A reeleita presidente Dilma Rousseff anunciou a reforma política como prioridade. O PSDB vai apoiar aquele tópico reformista? Dificilmente.

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Para o PSDB e boa parte dos seus aderentes a preocupação com a corrupção é seletiva. A corrupção que interessa não é a do desvio dos recursos públicos. Essa importa se envolver exclusivamente ao PT. De fato, o que consideram corruptas são as tentativas de superação da ordem social do tempo colonial. A tradição – vez e outra abalada em nossa história – do silêncio e da exclusão das classes trabalhadoras do mundo do consumo e da esfera dos direitos.

Há alguns anos o professor Wanderley Guilherme dos Santos argumentava a respeito da pobreza dos partidos conservadores no Brasil. Em meio a grotescas desigualdades sociais, partidos que, como o PSDB, agiam como avestruzes e desconsideravam a concentração de riqueza e rendimentos no país. Isso não mudou. Mesmo com a animadora retirada do país do mapa da fome, o nosso IDH, no ranking da qualidade de vida mundial, fica em 79º. O Brasil é o 7º no ranking internacional do PIB. Como desconsiderar realidade profundamente desigual? Como desprezar a questão distributiva? Como alegar que "o salário mínimo está muito alto"? A despeito do que pensam setores do eleitorado tucano e o próprio FHC, não foi por "ignorância" que o PT, uma vez mais, alcançou êxito eleitoral. Foi por uma acanhada, mas importante política distributiva.

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De acordo com Norberto Bobbio, esquerda e direita são posições relacionais. Quanto maior a atenção dada à igualdade econômica e social, mais à esquerda encontram-se os agentes políticos. Com a prática do veto a tudo que combata as desigualdades sociais no país, Aécio, PSDB e seus eleitores mais empedernidos apenas contribuem para um bloqueio reacionário da agenda pública. Por outro lado, vale assinalar que o comprometimento das direitas com ideias que não são produzidas por elas, em geral nascidas ou repercutidas no estuário das esquerdas, marcou o processo civilizatório de alguns países europeus. Um requisito elementar da democracia eleitoral.

Na contramão, o PSDB cada vez mais tem se assemelhado à velha UDN. Na retórica e na cosmovisão elitista sobre o Brasil. Não é difícil atribuir-lhe a pecha de "partido dos ricos". Acentuados laivos fascistas têm reverberado em suas hostes. A seguir tal trajetória, o seu estreito programa não tem capacidade de sensibilizar amplas faixas do eleitorado. Só lhe restariam apelos golpistas, como alguns eleitores tucanos histericamente andam fazendo. É esse lastimável destino que o partido quer reservar para si? Convenhamos, um partido conservador não precisa se apoiar na barbárie social e no grotesco político.

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Aécio falou muito em mudança. Seria oportuno que ele, o seu partido e demais forças conservadoras começassem a mudar a si próprios e a entender melhor o Brasil. A maior mudança que o PSDB poderia fazer seria converter-se em um partido de fato, com propostas e antenado com o que se passa no país, em vez de caminhar na esteira da agenda despolitizante, reacionária e sensacionalista dos conglomerados da mídia. Seria saudável à democracia brasileira.

(1) Ver: http://www.psdb.org.br/o-fim-do-bolsa-familia-e-so-o-comeco-analise-do-instituto-teotonio-vilela/ ; http://www.psdb.org.br/nao-de-esmola-de-futuro/ .

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