A Lei Anticorrupção e suas ainda opacas verdades e conjecturas

Interessante que, junto com a lei anticorrupção, nossa Chefe de Estado venha se pronunciando no sentido de não punir as empresas que funcionam como atores protagonistas nas práticas de corrupção



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Muito já se falou e se debateu sobre a chamada Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013). Esta é indubitavelmente uma das temáticas sempre presentes nas discussões jurídicas e empresariais da atualidade. Mas, afinal, o que muda com a Lei Anticorrupção?

Evidente que essa não é a primeira lei a tratar do combate à corrupção no Brasil. A prática é repudiada e punida com base em inúmeros diplomas legais, inclusive na própria Constituição Republicana. Por outro lado, também não há dúvidas de que a nova lei possui inovações e é um instrumento prometido vendido marco no combate à corrupção no país.

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A primeira peculiaridade diz respeito ao seu foco de análise. As pessoas jurídicas e seus membros sempre estiveram sujeitos a responder por atos de corrupção. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), por exemplo, prevê uma gama imensa de atos enquadráveis como corrupção e estabelece que as pessoas jurídicas e as pessoas físicas envolvidas também respondem por esses atos (art. 3º). Entrementes, apesar de estender seus efeitos para as "pessoas privadas", a Lei de Improbidade Administrativa irradia sua luz "aos atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração" (art. 1º). Em outras palavras, o foco da mencionada lei é o agente corrompido, não o agente corruptor.

Tanto é assim que o Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que, "não é possível o ajuizamento de ação de improbidade administrativa exclusivamente em face de particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda" (REsp nº 1.171.017, Rel. Min. Sérgio Kukina, J. 25/2/2014).

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Iniciam aqui as distinções: a Lei Anticorrupção "dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira" (art. 1º), sem prejuízo da "responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito" (art. 3º). Destes dispositivos captura-se que, a apuração baseada na Lei nº 12.846/13 terá como alvo principal os particulares (corruptores), deixando em segundo plano os agentes corruptos, esta uma importante distinção que há de se salientar.

Outra particularidade da Lei Anticorrupção é a previsão de que "as pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não" (art. 2º). Quer-se dizer, não há necessidade de demonstração de qualquer elemento subjetivo para que a pessoa jurídica seja punida pelo ato de corrupção: independentemente de não ser o responsável direto pelo ato reputado corrupto (dolo) ou de ter tomado as cautelas possíveis para evitar que o ato fosse praticado (culpa), a pessoa jurídica será responsabilizada.

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Nesta toada, importante ressaltar que "a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica" (art. 7º, VIII, da Lei nº 12.846) não afasta a responsabilidade da pessoa jurídica. Por mais eficiente e eficaz que sejam os programas de compliance da empresa, isso apenas será considerado para fixação reduzida da sanção que será aplicada (art. 7º, caput, da Lei nº 12.846).

Nos escritórios de advocacia houve um sensível aumento de empresas na procura da implantação, reestruturação ou revisão, a depender das necessidades, dos serviços de compliances. A demanda surgiu porque a Lei 12.846 prevê o abrandamento de penas para empresas que demonstrarem haver implantado "mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades".

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Algumas das sanções previstas na Lei Anticorrupção também possuem peculiaridades e destoam até certo ponto das outras sanções previstas em outras legislações do gênero, em especial a previsão de fixação de multa com base no faturamento bruto da empresa (art. 6º, I), a publicação extraordinária da decisão condenatória (art. 6º, II) e a dissolução compulsória da pessoa jurídica (art. 19, III).

Há, porém, algumas previsões que são consideradas inovações, mas que, em verdade, já existiam precedências em outras legislações, como, por exemplo, os próprios atos enquadráveis como corrupção. Não é exagerado afirmar que todos os atos especificados no art. 5º da Lei Anticorrupção como passíveis de punição já estão previstos na Lei de Improbidade Administrativa ou em alguma lei penal. Da mesma forma, o acordo de leniência previsto no art. 16 da Lei Anticorrupção não é propriamente uma inovação. Embora com algumas distinções, a Lei do Cade já o previa, com a possibilidade de celebração de acordo de leniência nos casos de infrações contra a ordem econômica (arts. 86 e 87 da Lei nº 12.529/2011) e a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/1985) já admitia a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), evidenciando que todas elas já possuíam alguma espécie de ferramenta que permite ao suposto infrator colaborar com as investigações em troca de isenção ou redução de pena.

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Não é demais reafirmar pela existência de algumas inovações introduzidas pela Lei 12.846/2013, não sei se capaz de se considerar um divisor de águas no combate à corrupção no país como se tem aventado. No entanto, há que se diferençar o que ela realmente representa de inovação na ordem jurídica do que já estava previsto em outras leis e não representa propriamente qualquer novidade. Essa diferenciação é de suma importância para uma aplicação sistemática da lei e, sobretudo, para que os particulares (pessoas jurídicas e físicas) tenham real compreensão da importância e impacto em suas atividades.

Dúvidas da melhor aplicação da novel legislação persistem, principalmente no tocante ao funcionamento dos departamentos de compliances:

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– As empresas devem comunicar as autoridades assim que receberem uma denúncia ou devem apurá-la internamente antes? Qual o prazo para isso ocorrer?

– As ouvidorias já existentes servem como canal interno de denúncia de irregularidades ou é preciso criar uma estrutura nova?

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– Subsidiárias de multinacionais que já possuam códigos globais de compliance precisam criar novas estruturas ou podem continuar usando as mesmas regras?

Interessante que, junto com a lei anticorrupção, nossa Chefe de Estado venha se pronunciando no sentido de não punir as empresas que funcionam como atores protagonistas nas práticas de corrupção, quando bastaria a punição do "agente responsável" (algum boi de piranha do esquema). Já assentou, por exemplo, que o Estado continuará a contratar com as empreiteiras envolvidas na operação Lava-Jato da Petrobras apesar dos desvios bilionários que se estão apurando. Pautando-se nesta filosofia petista de administrar não haverá Lei Anticorrupção capaz de moralizar qualquer sistema para salvaguardar os incalculáveis desvios de dinheiro público e as infindáveis trocas de favores às margens dos princípios da legalidade e da moralidade administrativa.

Fica a observação final com fins reflexivos.

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