Governo novo, ideias novas

Embora a oposição continue no palanque, recusando-se a aceitar a derrota com tentativas de ideologizar as escolhas do governo reconduzido pelo povo, na economia agora é tudo uma questão de tempo

Embora a oposição continue no palanque, recusando-se a aceitar a derrota com tentativas de ideologizar as escolhas do governo reconduzido pelo povo, na economia agora é tudo uma questão de tempo
Embora a oposição continue no palanque, recusando-se a aceitar a derrota com tentativas de ideologizar as escolhas do governo reconduzido pelo povo, na economia agora é tudo uma questão de tempo (Foto: Moreira Franco)


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A escolha da nova equipe econômica pela presidente reeleita Dilma Rousseff suscitou um debate falacioso, traduzido de forma anedótica pelo chiste de um economista liberal comparando o convite ao futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, ao chamado de um agente da CIA para comandar a KGB. A comparação rasteira ofende Levy, o governo e a inteligência dos brasileiros. O controle da inflação não é ditado por qualquer ideologia mas pela realidade objetiva: a sociedade brasileira já se posicionou claramente contra a volta da inflação, cabendo a todos os governos tomar as medidas para evitar que isso aconteça. Resolvida esta equação com as boas escolhas da presidente, nosso desafio maior agora é enfrentar as urgências da política. Nosso sistema eleitoral e partidário emite sinais gritantes de esgotamento e de incapacidade para responder às exigências atuais da democracia.

Embora a oposição continue no palanque, recusando-se a aceitar a derrota com tentativas de ideologizar as escolhas do governo reconduzido pelo povo, na economia agora é tudo uma questão de tempo. O ajuste fiscal será feito gradualmente e outras medidas macroeconômicas serão tomadas para preservar os fundamentos essenciais que, combinados, atendem à exigência da inflação controlada, com foco no crescimento. O emprego e a renda já haviam sido preservados dos efeitos danosos da crise internacional, com resultados bem melhores que os alcançados por outros países afetados. A opção que está feita, na questão macroeconômica, não só atende à demanda da sociedade como também obedece à rigorosa lei do autoconhecimento. Freud nos ensinou que, na vida individual, é preciso conhecer o passado para decifrar seus erros e não repeti-los. Isso vale também para as sociedades e está sendo observado pelo governo da presidente Dilma. Agora, passemos aos desafios institucionais, que fazem da reforma política uma necessidade e uma urgência.

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Também nesta frente têm aflorado discursos equivocados ou mal intencionados, como o do jovem líder do DEM, Mendonça Neto que, após uma vitória do governo na Comissão de Orçamento por 23 votos a cinco, denunciou uma suposta "bolivarização" da política nacional através da hegemonia da coalizão governista, que tem o PT e o PMDB como partidos centrais. Ora, a sociedade brasileira atual é tão complexa em sua diversidade, e tem revelado tão invejável capacidade de conviver com as diferenças e com a pluralidade (seja ela cultural, regional, política ou ideológica) que não admite comparações simplistas. Falar em bolivarianismo no Brasil não é apenas uma impropriedade, chega a ser um contrassenso.

Com exceção das ditaduras, dirigidas por minorias que se apoiam no uso da força, não há regime democrático que não seja pautado pela busca da maioria. A democracia não funciona por consenso, que é utopia, mas pelo dissenso, prevalecendo a vontade da maioria e garantindos o direito de expressão da minoria. Cabe aos que obtiveram a maioria nas urnas trabalhar para fortalecer a maioria no parlamento nas instituições representativas, com vistas à estabilidade e ao funcionamento do sistema. Garantir a chamada governabilidade não é uma esperteza ou um jogo de autodefesa, é uma tarefa dos que foram majoritários na aferição da vontade popular.

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Este desafio é mais simples nos regimes políticos que, por regras próprias, estimulam o bipartidárismo, como o dos Estados Unidos. É mais complexo nos países de regimes multipartidários, como a maioria das democracias europeias, em que as coalizões partidárias são necessárias à governabilidade. Na democracia brasileira em construção, entretanto, a legislação vem constantemente favorecendo as minorias e favorecendo a pulverização partidária compromete o próprio funcionamento do sistema. A leniência com a pulverização chegou a tal ponto que candidatos a presidente por alguns pequenos partidos obtiveram menos votos que o número de assinaturas necessárias para a própria criação do partido. Isso sem falar nas distorções permitidas pela regra das coligações nas eleições legislativas, em que partidos sem representatividade conseguem eleger deputados pegando "carona" votação de um partido maior. O resultado, na eleição deste ano, foi o aumento, de 22 para 28, do número de partidos com representação na Câmara. São claros os sinais de que temos um sistema exaurido em sua capacidade de representar a pluralidade da sociedade e de garantir o bom funcionamento das instituições políticas.

A composição das bancadas na próxima legislatura tem números eloquentes a este respeito. As coalizões, seja a da maioria, para governar, seja a da oposição, para exercer o seu direito ao contraditório, podem e devem ser amplas mas precisam ter uma coluna vertebral, composta por um ou mais partidos polares, mais densos, nítidos e estruturados, que funcionem como polo de equilíbrio e organização. Esta não é uma equação matemática, mas política. A coalizão governista atual tem dois partidos centrais, o PT e o PMDB. A oposição tem o PSDB como partido aglutinador. Mas, somados, os três têm apenas 36,8% dos votos na Câmara. Em torno deles gravita uma constelação de partidos menores, o que aponta para um grave déficit de representatividade, com efeitos sobre a funcionalidade do sistema.

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Olhemos também a moeda pelos dois lados. O PT elegeu a maior bancada, que terá 69 deputados, ou 13,5% das cadeiras na Câmara. Este é o menor porcentual alcançado pelo partido do presidente da República nos anos recentes. O PSDB manteve algo em torno de 20% na era FHC e o PT variou entre 17% e 18% nos anos Lula. O PMDB foi o último partido a ter maioria absoluta (metade mais um) numa legislatura, a de 1986-1991, que foi também a da Constituinte. Caiu na eleição seguinte para uma fração de 21% e agora, mesmo elegendo a segunda maior bancada, conquistou apenas 12,8% das cadeiras. Juntos somam, portanto, 26,3% dos votos na Casa, carecendo de mais densidade para garantir a coesão da coalizão, formada por outros partidos que têm, no máximo, 7% das cadeiras cada um, como PP, PSD e PR. Estasx condições favorecem a formação de maiorias no balcão de concessões, e não pela negociação programática. No Senado a situação não é muito diferente, a não ser por uma bancada mais expressiva do PMDB, que terá 22 senadores.

Mas não é muito diferente a situação na oposição. O PSDB, como partido polar, elegeu 54 deputados ou 10,5% das cadeiras. Sua tarefa é liderar a minoria, também dispersa por um conjunto de partidos menos representativos. O PSB terá 6,6% dos votos e o DEM, 4,2%. A fragmentação da oposição também lhe dificulta a atuação como minoria e a legítima disputa pela alternância no poder.

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Este é um quadro que deveria nos alarmar e ao qual precisamos responder acelerando a reforma política, deixando de vê-la como arranjo para favorecer eleitoralmente A ou B, mas como medida sanitária em defesa do funcionamento do próprio sistema. Nenhum partido ficará no poder para sempre mas a democracia e suas instituições precisam ser construídas para serem permanentes. Elas se tornam virtuosas com o tempo e com as correções. As conjunturas passam, não devendo ser utilizadas para agredir o próprio sistema. Disso deram exemplo os Estados Unidos quando a Suprema Corte confirmou a vitória de George W. Bush, apesar das denúncias de fraudes na Flórida. Os perdedores aceitaram, em nome do sistema.

Ademais, a vida social tem vida própria. As instituições é que devem saber decifrá-la e se ajustar. A História está farta de exemplos de tentativas fracassadas de controlar o movimento social. Quando a ditadura deu sinais de exaustão, Golbery do Couto e Silva, o ideólogo, imaginou que a distensão e a reforma partidária controladas garantiriam a sobrevivência do regime. Com a Anistia os exilados voltariam e novos partidos seriam formados, minando o então MDB, que ganhava eleições desde 1974. Dele sairiam fragmentos para a formação de outros partidos de esquerda, como o PDT de Leonel Brizola. Luiz Carlos Prestes seria o líder do maior partido de oposição, o clandestino PCB. Nada disso aconteceu. Preste voltou mas perdeu o controle do PCB e este sua importância. Tancredo chegou a sair do PMDB para fundar o moderado PP mas retornou ao PMDB, apesar de conviverem como Miguel Arrais, e acabou sendo o presidente eleito para a transição.

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Voltando aos nossos dias, muito recentemente vimos surgir o PSD, o PROS e SSD. Agora já está sendo estimulada a transfiguração do PSD, que tem 7% das cadeiras na Câmara, em um novo e maior PL, supostamente para minar a influência do PMDB. Isso será mais uma agressão à formação das maiorias. Enquanto não aprendermos com a História sobre a inutilidade das tentativas de controlar a vida social, assistiremos a movimentos como o do ano passado, sem líder e sem rosto, sujeitos a infiltrações e manipulações. Isso tem acontecido em outras partes do mundo mas aqui temos agravantes diversos.

Por tudo isso e muito mais, a reforma política é para já e é tarefa de todos. Devemos enfrentá-la deixando de lado os interesses menores, as conveniências e as espertezas. Não vou defender nenhuma fórmula aqui, pois nenhuma força política poderá impor sua receita. Mas sejamos criativos, ousemos encontrar as regras mais adequadas à nossa natureza e singularidade – para o financiamento de campanhas, a cláusula de desempenho e o fim das coligações proporcionais - aposentando aquela lenda de que a única boa exclusividade brasileira é a jabuticaba.

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