Maziar Bahari: Nem tudo são águas de rosas

A luta pelos direitos humanos cabe no espaço de um único dia: aquele dia em que percebemos que como espécie humana, temos todos nós, um mesmo destino comum a partilhar

A luta pelos direitos humanos cabe no espaço de um único dia: aquele dia em que percebemos que como espécie humana, temos todos nós, um mesmo destino comum a partilhar
A luta pelos direitos humanos cabe no espaço de um único dia: aquele dia em que percebemos que como espécie humana, temos todos nós, um mesmo destino comum a partilhar (Foto: Washington Araújo)


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Há poucos dias assisti ao excelente filme de Jon Stewwart  “118 dias”. É um filme emocionante e inteligente. O título original evoca uma característica da refinada cultura persa: Água de Rosas (Rosewater).

País de cultura milenar, berço de grandes estadistas e poetas, profetas e visionários, boa parte das cidades iranianas marcam a paisagem tanto por sua bem delineada arquitetura quanto pela exuberância de suas rosas e flores.

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É difícil não se encantar pela topografia iraniana, com suas muitas cordilheiras, platôs, planícies e vales, mas e acima de tudo, com a festejada hospitalidade do povo persa, hospitalidade bem marcada por sabores e aromas que partindo de suas cozinhas inunda a casa com aquele clima de bem-estar e aconchego que tanto nos remete ao prosaico odor de pães fresquinhos saídos do forno de nossa memória olfativa.

Sim, estamos falando do Irã, o mesmo Irã tantas vezes polêmico, controverso e combatido por suas repetidas guinadas rumo a uma Idade Média mesmo que tardia, como a ensandecida perseguição movida pelo Estado Iraniano aos seguidores da religião bahá´í, não por acaso, sua maior minoria religiosa. Pesa contra o Irã seu perigoso intento de levar a ferro e fogo interpretações ligeiras e literais do que estipula seu livro mais sagrado – o Alcorão e, também, em meio a esses conflitos seculares, a tortuosa luta do país persa para fabricar armamentos nucleares e, na mesma levada, emitir declarações ameaçadoras quanto à sobrevivência do Estado de Israel.

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O filme de Stewart, que além de diretor estreante, assina também o roteiro, tem como pano de fundo e retrato fiel o livro do jornalista iraniano Maziar Bahari, “Then They Came For Me: A family’s story of love, captivity and survival' (Então eles vieram me buscar: uma história familiar de amor, cativeiro e sobrevivência). Maziar Bahari, bem interpretado pelo mexicano Gael García Bernal, trabalha para a revista americana Newsweek e vive em Londres, ao lado da esposa grávida.

O início de seus infortúnios tem início quando é enviado para cobrir as eleições presidenciais no Irã em 2009, onde o atual presidente Mahmoud Ahmadinejad corre o risco de não se reeleger. Ocorre que, para surpresa geral não apenas no Irã, mas também em todo o mundo, Ahmadinejad consegue não apenas se reeleger, mas contabiliza uma vitória impressionantemente folgada.

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Isso é suficiente para que rumores de que a eleição teria sido fraudada provoquem diversas manifestações populares, sempre levando multidões a encher praças e ruas de Teerã, Isfahán, Shiráz. Algumas das manifestações são repelidas com violência pela polícia local. E aqui entra Bahari: ele consegue filmar um destes ataques e transmite o material para ser divulgado mundo afora, o que o transforma em alvo do governo iraniano. Resultado: é preso por tempo indeterminado e passa a ser torturado para que confesse que estava agindo em nome de uma conspiração ocidental para derrubar o presidente iraniano.

Logo nas primeiras imagens de “118 dias”, o espectador participa do clima de pré-eleição, onde Bahari acompanha estudantes que apoiam Mousavi, mas seu verdadeiro companheiro é uma câmera digital. E nada passa despercebido pelas lentes do jornalista, os protestos e a violência fazem parte de sua cobertura. Melhor: é o coração de sua cobertura.

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Assim como Maziar Bahari, Stewart também luta para encontrar seu caminho. A câmara tateia na casa em que nasceu e a primeira parte da narrativa desenrola-se em flashback, com Bahari chegando a Teerã, envolvendo-se com jovens iranianos contrários ao regime em vigor, até as manifestações que tomaram as ruas da capital após o pleito. É patético observar o grau de subversão dos jovens iranianos – dezenas de antenas parabólicas ligeiramente escondidas no teto das casas é a prova cabal da chamada subversão.

A segunda parte da narrativa torna-se mais pessoal. Bahari já está confinado na prisão de Evin, a mesma prisão onde se encontram há mais de seis anos sete bahá´ís presos pelo crime de terem sua própria religião, suas próprias crenças. Em Evín, o jornalista não tem contato algum com o mundo externo. Sua única relação é com seu algoz, um homem de quem não sabe o nome. Reconhece-o apenas pelo cheiro de água de rosas (Rosewater no inglês, título original do filme).

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O que poucos sabem é que Maziar Bahari tem produzido diversos documentários sobre o Irã, além de reportagens para emissoras de todo o mundo, incluindo a BBC, Channel4, HBO e Discovery. E, já no próximo dia 17 de março, no Balaio Café (201 Norte),  será lançado no Brasil seu filme “To Light a Candle”.

O documentário de Bahari integra a campanha Educação não é crime, cujo objetivo é chamar atenção para a situação dos bahá'ís no Irã, além de contribuir com a campanha mundial para que o Irã cumpra com os compromissos assumidos junto ao Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2010. Nas próximas semanas, o Irã será alvo de novas recomendações de seus pares em Genebra, e a preocupação geral é que nenhuma das promessas feitas até o momento foram cumpridas, em especial as que têm relação com os bahá’ís.

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É pouco usual que um cineasta que denuncia violação dos direitos humanos tenha sido ele próprio vítima de tais violações. E chama a atenção para a resistência dos bahá’ís iranianos que enfrentam sistemáticas tentativas do governo para impedí-los de ter acesso à educação superior. E, a resposta dos bahá´ís foi a criação do Instituto Bahá’í de Educação Superior (BIHE, do inglês).

A próxima campanha de Bahari será dedicada à liberdade de expressão e de imprensa no Irã. "Esse tipo de evento internacional, com foco em alguns dos principais temas levantados pelo documentário, são não apenas instrumentais para chamar atenção para o sofrimento enfrentado pelos bahá'ís ao longo de muitas décadas, mas também um estímulo para mudanças positivas. Enquanto os bahá'ís continuarem a enfrentar injustiças, e enquanto as autoridades iranianas os tratarem como cidadãos de segunda categoria, ainda haverá muito a ser feito", afirmou recentemente Maziar Bahari, que estará no Brasil em abril desse ano.

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Poucos filmes me impressionaram mais que este “118 dias”. Ainda não vi "To Light a Candle", mas percebo no pensamento de Bahari que muitas vezes podemos encurtar - seja como indivíduo, seja como Nação - a distância entre intenção e gesto, entre vida e arte.

A luta pelos direitos humanos cabe no espaço de um único dia: aquele dia em que percebemos que como espécie humana, temos todos nós, um mesmo destino comum a partilhar.

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