Samba: a voz do morro sou eu mesmo sim senhor

É incrustada no senso comum a ideia de que existe música boa e música ruim. Gostos musicais à parte, esta é uma polêmica que esconde muito da segregação social em que vivemos



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Neste momento de carnaval, quando a cultura popular brasileira consegue superar as barreiras geográficas e sociais e sai das periferias e subúrbios para ocupar o lugar central na mídia, temos a oportunidade de resgatar um pouco do debate sobre sua história e sobre nossa música.

É incrustada no senso comum a ideia de que existe música boa e música ruim. Gostos musicais à parte, pois todos temos direito às nossas preferências musicais adaptadas ao momento emocional ou ao momento em que se escuta determinada canção, esta é uma polêmica que esconde muito da segregação social em que vivemos.

Digo isso, pois o mais popular dos gêneros musicais brasileiros, o samba, nasceu na periferia e enfrentou uma dura resistência das elites e seus prepostos de classe média até alcançar a aceitação mais ampla.

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O samba, em suas diversas apresentações e intérpretes conseguiu superar a quase marginalidade do Estácio no Rio para animar os desfiles de carnaval em todo o país.

Em seus primórdios, o samba sofria o preconceito reservado aos negros e sua cultura pela burguesia como bem retratou Jorge Amado em Tenda dos Milagres:

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"As gazetas protestavam contra o 'modo por que se tem africanizado, entre nós, a festa do carnaval, essa grande festa de civilização'. [...] A autoridade deveria proibir esses batuques e candomblés, que, em grande quantidade, alastram as ruas nesses dias, produzindo essa enorme barulhada, sem tom nem som, [...] entoando o abominável samba, pois que tudo isso é incompatível com o nosso estado de civilização [...]. A polícia finalmente agiu em defesa da civilização [...]: proibiu os afoxés, o batuque, o samba, a exibição de clubes de costumes africanos' " (Amado, 1989, p. 78-80, 232-33).

Sim, contra o samba utilizava-se a polícia.

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Não tão virulenta, mas igualmente rancorosa foi a recepção da classe média carioca ao estilo nordestino de Luiz Gonzaga exposto no programa Calouros em Desfile de Ary Barroso. Até hoje, boa parte da zona sul carioca e suas cópias espalhadas pelas capitais brasileiras do centro-sul torçem o nariz para o forró, exceto nas festas juninas onde os aspirantes a elite sentem-se democráticos e as ouvem.

A força da cultura popular ainda se manifesta através do pagode, do sertanejo, do axé, tecnobrega, hip-hop e outros gêneros.

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Há alguns anos, enfrentei uma discussão sobre a construção de uma lista dos gêneros musicais que divulgaríamos em uma rádio online. Foi surpreendente assistir a ferocidade dos ataques aos mais diversos gêneros musicais por militantes engajados na luta popular.

O debate gerou até um inesquecível "temos que tocar só músicas boas para educar nosso povo".

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Não adiantava argumentar que todas as manifestações são legítimas ou que nossa percepção pessoal não poderia influenciar neste debate. A tentativa de domar, de dominar a cultura popular permanece até os dias de hoje, inclusive dentro das fileiras da luta popular.

Em Brasília, estamos assistindo este profundo e arraigado preconceito de classe assumir novas proporções com as restrições ao Carnaval. Antes que você, prezado leitor, olhe para os lados e se pergunte se Brasília tem carnaval, temos sim e é comemorado por milhares de pessoas nas ruas.

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Acantonados na pseudodefesa dos interesses de idosos e crianças, os moradores das Asas Norte e Sul, áreas nobres da capital federal, têm se mobilizado contra os blocos que arrastam multidões às ruas e praças de Brasília.

Para eles, a multidão ocupando o espaço público é uma ameaça ao seu status e sua tranquilidade.
Além, é claro, do preconceito subterrâneo contra o samba e a diversidade liberta durante os dias de folia.

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Muito além da manipulação e apropriação de nossa cultura pelo capital, o carnaval é uma explosão de alegria e força de nosso povo.

A luta de classes no Brasil manifesta-se de várias formas e em vários momentos. É a luta do trabalho contra o capital, a luta dos nordestinos contra o preconceito, a luta da periferia contra os bairros abastados, da cultura popular contra a adoração à cultura americana/européia, da liberdade contra a repressão social e religiosa.

Durante 4 dias a vitória inequívoca é do trabalho, do nordeste, da periferia, da cultura popular e da liberdade.

No Carnaval, a vitória é do povo.

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