O “ativismo judicial” constitucionalizado e necessário

Não haveria "ativismo judicial" se os direitos fundamentais restassem prestados nos termos da Constituição, pois o Judiciário só se ativa quando provocado a partir da ineficiência do Executivo



✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

É de fato, hodiernamente, um dos mais badalados assuntos, de maior rodagem entre as instituições de poder, na imprensa, e consequentemente na sociedade. Falo do que se convencionou denominar de "ativismo judicial", muito em razão da Justiça constitucional que se faz interveniente e capital em sua derradeira palavra final de dizer o direito dentro em um Estado Democrático de Direito.

Vivencia-se um período de inexorável descrédito das instituições políticas de poder do país. Com um Legislativo material e moralmente incapacitado à toda vista, representa mais a função Executiva de Estado que propriamente o povo que nosso regime constitucional elegeu como o titular do poder de um modelo de democracia representativa. O Legislativo tornou-se uma função de poder carcomida pela ausência de identidade própria que se voltasse ao interesse público, e já por manifestação volitiva do próprio Poder Constituinte fez-se iniciar um processo de espraiamento da supremacia constitucional, elegendo o Judiciário, em especial o STF, como o guardião e último efetivador da vontade constitucional.

A Constituição de 1988 adotou o modelo socialdemocrata ao talante da tendência mundial, elevando os Direitos Fundamentais ao patamar de prioridade de Estado nos termos dos Direitos Humanos incorporados à Carta Maior de quase todos os países do mundo contemporâneo. Percebe-se nítido caráter de Estado-Constituição voltado aos Direitos de 2ª Dimensão (Direitos Sociais, Econômicos e Culturais), com especial proteção ao primeiro deles.

continua após o anúncio

Um Estado Social, prestador, interveniente, não se negando por óbvio os Direitos de 1ª Dimensão, as liberdades públicas, mas indubitavelmente priorizando o modelo de um Estado intervencionista na ordem social. Com a incorporação dos Direitos Humanos a CR/88 pelo Poder Constituinte na forma de Direitos Fundamentais protegidos como Cláusulas Pétreas já se proporcionou um espaço de blindagem onde o volátil Poder Constituído (Congresso Nacional) não poderia mais manipular. Já naquele momento deu-se o "start" para um gradual processo de deslegitimação do Legislativo, que já contava com uma história pouco estimulante, e que o tempo só fez corroborar o inicial acerto do Constituinte "originário" "deslegitimador".

Ao se perpetrar uma Constituição fortemente principiológica (com abertura axiológica), repleta de mandamentos de otimização nos ensinamentos de Alexy, abriu-se espaço a um maior ativismo do Tribunal Constitucional que, como função precípua, deveria tutelar a supremacia da Constituição, efetivando-a, realizando-a, não mais como mero legislador negativo (expressão cunhada de Kelsen), mas como agente implementador último, capaz de no momento que fosse provocado a sair de seu estado de inércia pela ineficiência das demais Funções de Poder (Legislativa e Executiva) pudesse restabelecer a vontade constitucional de um Estado socialdemocrata que deve efetivamente assegurar ao cidadão os Direitos Fundamentais constitucionalizados.

continua após o anúncio

Não haveria "ativismo judicial" se os direitos fundamentais, por exemplo, restassem prestados nos termos da Constituição, pois a Função Judiciária só se ativa quando provocada a partir da ineficiência da Função Executiva em prestar os direitos fundamentais por suas políticas públicas e do legislativo, de legislar de modo a conferir eficácia aos mandamentos fundamentais.

A exclusão da Justiça Constitucional do cenário de implementação, em uma cogitação, ainda que hipoteticamente inviável, transformaria o Estado social em um Estado liberal de fato, permitir-se-ia um imponderável retrocesso que em um Estado capitalista marcado pelas desigualdades extremas jamais se compatibilizaria. O chamado "mínimo existencial" não seria mais sindicável pelo Estado-juiz, e a argumentação da "reserva do possível" passaria a ser automaticamente a tônica de um jogo de não implementação dos onerosos Direitos Fundamentais prestacionais, âmbito onde o orçamento público encarna o papel que procura deslegitimar as necessidades fundamentais dos hipossuficientes.

continua após o anúncio

Neste cenário de horror, segundo as nossas hipossuficientes realidades, o Parlamento voltaria a preponderar com suas decisões majoritárias, e as minorias seriam sumariamente esmagadas sem direito a pleito. O Estado liberal encabula a Justiça Constitucional quando chamada a fazer prevalecer Direitos sociais nas omissões materialmente imputadas ao Estado-Executor e ao Estado-Legislador.

Propostas de emendas à Constituição andam vagando tendentes a exatamente diminuir o papel de protagonismo do Judiciário em um Estado Democrático de Direito, inclusive procurando calar um Ministério Público, essencial colaborador para o funcionamento de um Judiciário eficaz. Dentro da estrutura do Judiciário, o STF tornou-se a bola da vez a partir do estouro do mensalão, onde Executivo e Legislativo praticaram crimes que tentaram chamar de política, uma rebelião de poder contra a moralidade pública e a efetiva aplicação do princípio da Supremacia da Constituição, que por obvio não pode ser tolerada.

continua após o anúncio

Argumentos toscos só admissíveis aos leigos e aos de má-fé são alçados como forma de deslegitimar algumas atuações de "ativismo judicial". Procuram incutir dentro da sociedade, que as decisões legítimas e democráticas devem ter a participação preponderante do Legislativo e/ou do Executivo, eleitos pelo povo.

A estes não custa lembrar que a Constituição é obra preponderante do Poder Constituinte, representantes do povo de maior importância na história de um Estado Constitucional, retalhada, é verdade, pelo "Poder Constituído", que também goza de legitimação popular e que a partir da criação de ambos que se construiu a atuação da Função Judiciária, que se atribuiu o papel de efetivador último das vontades do legislador constitucional, entre elas o papel de aplicador subsidiário dos Direitos Fundamentais não prestados a sociedade, de moralizador da política quando esta se torna instrumento para a perpetração criminosa, enfim o grande sustentáculo de um Estado Democrático de Direito constitucional, e por isso, com indelével carga de legitimação popular, inquestionável. Não há nada mais legítimo do que agir nos termos da Constituição.

continua após o anúncio

Deixo exemplos aclaradores capazes de diferençar um Estado social constitucional interventor, de um Judiciário preponderante, para um Estado nos mesmos moldes, mas sem a prevalência do Judiciário, comparando ainda a um Estado liberal, de defesa, onde o Estado-juiz está vocacionado basicamente para a manutenção das liberdades públicas.

Quando um hipossuficiente encontra-se necessitado de um medicamento que vai além de suas posses, e este não restou fornecido por meio de políticas públicas ineficazes, ou quando o hipossuficiente vai aos hospitais públicos e não encontra leito para se internar, é a Função Judiciária, que provocada diante da ineficiência do Estado-Administração que será capaz de obrigá-lo a pagar o remédio e a providenciar o leito, ainda que em hospital privado caso não haja realmente leitos disponíveis em hospitais públicos, para que desta forma se faça cumprir o Direito Fundamental à saúde.

continua após o anúncio

Em um Estado liberal, onde não teríamos um Estado intervencionista, não teríamos um protagonismo da Função Judiciária tendente a prestações positivas de Direitos Fundamentais, o Estado-Administração estaria livre para negar tais Direitos por não ser este o seu papel fundamental, que vale dizer, provavelmente, nem na Constituição estariam elencados esses direitos como Direitos Fundamentais, já que promover-se-ia um modelo de Estado não-prestador.

Especulando um modelo de Estado social como é o nosso, mas sem o protagonismo da Função Jurisdicional, o Estado-Administração simplesmente poderia perpetrar as ineficácias de suas políticas públicas que estaria livre de uma intervenção jurisdicional eficaz garantidora do Direito fundamental à saúde.

continua após o anúncio

O Direito fundamental a educação não fica excluído da mais completa ausência de critério no que tange a implementação de políticas públicas. Com uma política desastrada, incompetente e irresponsável, em 2010, por exemplo, o Brasil já possuía 1.240 cursos de Direito. Pasmem, o número total de cursos de Direito no restante do mundo, excluído o Brasil somava 1.100. O Brasil sozinho possuindo mais cursos de Direito autorizados que a soma dos cursos de Direito de todo o mundo, repeti pelo absurdo que representa. Os dados foram importados do portal IG, no blog Lei e Negócios.

Como resultado temos uma absurda saturação de advogados quase irreversível, onde a oferta de oportunidades de empregos é risível se comparada a necessidade de colocação de profissionais no mercado. Nem a prova da OAB, que reprova muito mais que aprova pela baixíssima qualidade do ensino é capaz de dignificar o mercado. Aos advogados sobram a quase indigna peneira dos concursos públicos, já que a mão-de-obra aproveitada no mercado na função de advogado não chega a dois dígitos em porcentagem. Sobra ainda o que a grande maioria vem optando, uma guinada profissional para bem longe da indignidade do que a área jurídica tem hoje a proporcionar aos seus profissionais. Também não chega percentualmente a dois dígitos a oferta de salários dignos, seguindo-se a lei de mercado da oferta e da procura.

Hoje a qualquer profissional de nível médio é oportunizado salário maiores que a maior parte dos profissionais do Direito, em uma inelutável inversão de valores pela incompetência das políticas públicas perpetradas. São cinco anos de curso que não se revertem em um produto hábil a gerar o retorno esperado, ao contrário, capacita os profissionais para o fracasso e a frustração.

Neste ponto, onde a jurisdicionalização da questão é de difícil cogitação, onde a discricionariedade do mérito administrativo caminha com superlativa liberdade, é a sociedade quem paga a conta da incompetência do Estado-Administração.

E contra um Legislativo ineficaz, há remédios? E quando o Legislativo não legisla, e normas constitucionais com eficácia limitada (não auto-executáveis) não conseguem cumprir seu papel pela falta de eficácia proporcionada pela omissão legislativa? Sem a preponderância do Judiciário constitucionalizada como é hoje, não haveríamos instrumentos como o Mandado de Injunção ou a Ação Direta de Inconstitucionalidade por omissão, que vale dizer, possuem uma eficiência menor que a desejável.

Digo isto, pois a tutela jurisdicional não pode ser difundida e sim prestada materialmente a quem procurou o judiciário, e este (Judiciário) não possui meios normativos para obrigar o Legislativo a cumprir o seu papel de legislador positivo. O Judiciário apenas dá ciência da mora legislativa, mas não pode obrigar a legislar em determinado prazo sobre um direito fundamental não regulamentado. Diria que, a intervenção jurisdicional neste caso é menor que a desejável no tocante ao Legislativo, já que com relação ao Executivo a política pública terá que ser implementada no prazo de 30 dias, gerando uma maior eficácia "erga omnes" do Direito material fundamental sonegado.

É nesta esteira que infirmo o quanto pífio são os argumentos de "ativismo judicial", de separação de poderes, por despidos de qualquer cognoscibilidade minimamente aferível ao caso. O princípio da separação de Poderes é fundamento do Estado Federativo e deve ser respeitado nos estritos termos da Constituição, e na forma do exposto, quis-se demonstrar que a preponderância interventiva do Judiciário é o espírito do Estado Democrático de Direito previsto na Constituição Republicana de 1988 e assim deve permanecer. Certo porém, é que tanto o Executivo como o Legislativo, omissos em seu deveres, não são sancionados por suas omissões, o que faz gerar inelutável ineficácia da tutela jurisdicional pretendida.

Para findar, faço lembrar que o princípio da Máxima Efetividade dos Direitos Fundamentais encontra-se albergado pelo legislador constituinte no art. 5º, parágrafo 1º da CF/88, sendo um dos fundamentos para que a função Jurisdicional de poder quando provocada em sua inércia intervenha, a fim de garantir na maior proporção a aplicação da máxima efetividade dos Direitos Fundamentais. Quando estando em mora prestacional o Estado-Administração ou o Estado-Legislativo, uma intervenção do Judiciário constitucionalizada se faz imperiosa a fim de se garantir a efetividade e a supremacia da Constituição.

Fugir deste modelo de preponderância da Função Judiciária é soterrar o texto constitucional e com ele o Estado Democrático de Direito, elegendo as instituições políticas como pilares do Estado. Pela teoria dos "checks in balances", dos freios e contrapesos, corolário do princípio da separação de poderes, que busca coadunar a dicotomia relevância da função X limitação do poder, há que se ter o controle e vigilância recíprocos de uma função de poder sobre a outra relativamente ao cumprimento de suas funções constitucionais. Coube a Função Judiciária a guarda da Constituição e a promoção de sua máxima efetividade, por isso não há que se falar em rompimento da harmonia e independência das funções de poder pelo "ativismo judicial", mas sim de respeito à harmonia e independência nos termos da Constituição. Esta é a exegese constitucional que deve ser feita para um Estado Democrático que não é político, mas de Direito.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247