Utopia de hoje pode ser a realidade de amanhã

Voz das ruas dá grito de igualdade; estudantes vocalizam trabalhadores de todos os segmentos ao protestarem, no eixo São Paulo-Rio e em grandes capitais, contra sistema de ônibus caro, ruim e insuficiente; criminalizado nas ações brutalmente repressivas da PM dos governadores Geraldo Alckmin e Sergio Cabral, Movimento Passe Livre resgata vocação dos jovens em mudar e acelerar agenda conservadora; erro está em reclamar ou na barração ao diálogo para se encontrar soluções sobre problema crônico que envergonha o País?

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247 – Rasgando uma cortina de gás lacrimogêneo, manchada de sangue e ao custo de centenas de prisões ocorridas no principal eixo urbano do País - São Paulo-Rio de Janeiro -, a questão do transporte coletivo nos grandes centros urbanos ressurgiu. Ou melhor, literalmente explodiu.

Tiveram muito mais o som de um clamor popular do que simplesmente um ato político estudantil as manifestações dos últimos dias, ocorridas também em Porto Alegre, Goiânia e Natal, contra o aumento das passagens de ônibus. Em apuração do instituto Datafolha, 78% do público paulistano considerou serem justos os protestos contra o aumento nas tarifas e a baixa qualidade do serviço oferecido.

Em qualquer grau, a repressão policial não terá o dom de resolver esse problema. Porque se trata de uma questão real, e não inventada por um punhado de jovens de classe média interessados apenas em fazer baderna. Ao contrário. Assim como, noutra geração de estudantes, na virada das décadas de 1970 e 1980, os rapazes e garotas que foram às ruas ajudaram a conseguir a anistia e, mais tarde, sustentaram a campanha das Diretas Já, agora, outra vez, eles não estão sozinhos. Ao seu modo, eles estão forjando uma mudança na agenda conservadora, para dar a ela aceleração compatível com o novo momento do Brasil.

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DESCASO COMO REGRA - É histórico e reconhecido tanto pelo governo, como pela oposição, o descaso permanente das administrações municipais e estaduais com os serviços de ônibus, trens e metrô. Em São Paulo, há quase 50 anos prevalece o cartel das chamadas "sete irmãs", as companhias de transporte coletivo sobre rodas que dominam a grande maioria das linhas da capital paulista.

No Rio de Janeiro, a população se acostumou a ter a maior desconfiança do seu sistema de ônibus, com raras opções para se locomover além da costumeira: a de chacoalhar ainda hoje em trens da década de 1950 pela crônica falta de linhas entre os subúrbios e o centro da cidade.

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Em praticamente todas as capitais, licitações para modernização do sistema de transporte urbano têm sido raras, assim como são comuns os descalabros em torno de obras do metrô. Neste capítulo, Salvador, a capital baiana, que em dez anos construiu apenas pouco mais de um quilômetro de metrô, a preço bilionário, é o exemplo negativo mais gritante.

RENOVAÇÃO E AR CONDICIONADO - A exceção positiva está em Brasília. O Governo do Distrito Federal, depois de enfrentar boicotes do duopólio das companhias de ônibus das famílias Canhedo e Constantino, que dominam o sistema desde a fundação da cidade, em 1960, empreendeu uma licitação internacional que vai mudar, no segundo semestre, a face da atual situação.

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Em lugar de ônibus com carcaças antigas, assentos desconfortáveis, pneus carecas e sem conexão entre suas linhas, a capital do País vai ganhar coletivos novos, com ar condicionado e integração de itinerários. Uma verdadeira revolução feita pelo Governo do Distrito Federal que, espera-se, tenha repercussões em outras grandes cidades. Uma mensagem didática de que, quando quer, a administração pública pode atacar o quadro de atraso cinquentenário verificado no setor.

Mas essa repercussão positiva não será fácil de ocorrer. Predominam entre os governantes interpretações arcaicas a respeito do verdadeiro sacrifício diário a que milhões de brasileiros são submetidos, todos os dias, ao saírem de suas casas em direção a seus postos de trabalho. Em coletivos antiquados, inseguros e superlotados, cujas tarifas demandam, por caras, acordos trabalhistas específicos, de modo a aliviar o bolso dos empregados, transferindo o ônus para a iniciativa privada, a verdade é que, todos os dias, em todos os grandes centros urbanos, o povo brasileiro viaja como gado. A questão dos subsídios tem de ser enfrentada. A má qualidade do sistema já não é mais aceita.

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PERDAS DE QUATRO HORAS DIÁRIAS - Em São Paulo e no Rio chega-se a gastar duas horas de ida e outras duas horas de volta no deslocamento residência-emprego-residência. Assaltos, sequestros e até estupros viraram rotina. Quem já não ouviu relatos que afiançam esta informação? Trata-se de um dado da realidade, lançado como imutável. Não fosse assim, as primeiras reações dos governadores dos dois Estados, respectivamente Geraldo Alckmin e Sergio Cabral, não teria sido a de criminalizar o Movimento Passe Livre. O diálogo para entender as razões das entidades organizadas em torno dessa bandeira ficou, desde logo, em segundo plano. Armou-se a guerra antes de se dar uma chance à paz. O cenário para que a situação durante os protestos saísse de controle, com as cenas de violência que se seguiram, se desenhou neste momento em que as portas da negociação se mantiveram fechadas.

Da direita à esquerda, o que ressalta nas manifestações contra o aumento nas tarifas de ônibus é a sua base de sustentação. Goste-se ou não, os estudantes à frente tem, sim, justificativas históricas para reclamar em vias públicas. Não apenas porque a Constituição garante os direitos de reunião e manifestação, mas sobretudo porque apenas os hipócritas acreditam que o Brasil em algum momento de sua história tenha tido algum transporte coletivo minimamente decente. Os sistemas nacionais nunca chegaram aos pés dos existentes em nossos vizinhos, como a Argentina, de metrô buonairense datado do início do século passado, e, muito menos, dos Estado do primeiro mundo. Os trens balas que cortam o Japão, numa extrema sofisticação de um transporte coletivo bem resolvido, são ainda vistos no Brasil do século 21 como uma sonho inalcançável. No emergentes, o metrô russo é repleto de afrescos históricos. Os exemplos de soluções são muitos. Por aqui, entretanto, o que temos é pouco metrô e ônibus fortemente poluentes. Não mais.

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Por sorte sem nenhum morto, mas com dezenas de feridos e centenas de presos, as manifestações nacionais do Movimento Passe Livre parecem ter despertado as autoridades para o problema. Em São Paulo, o prefeito Fernando Haddad resolveu abrir a palavra para seus representantes, que na terça-feira próxima falarão aos integrantes do Conselho da Cidade. É pouco? Sim, mas um começo que pode desaguar, como está acontecendo em Brasília, numa ampla renovação do velho e ultrapassado sistema de ônibus. Tardiamente, mesmo assim ainda é possível ultrapassar o modelo caótico que, de tempos em tempos, provoca manifestações e protestos. Repressão está trazendo, apenas, dor, vergonha e radicalização. Nenhuma solução.

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