Cristiano Zanin detalha caçada a Lula e aponta ameaça a democracia

Em palestra em Sevilha, na Espanha, o advogado Cristiano Zanin Martins detalhou o processo de "lawfare" contra o ex-presidente Lula e explicou como a judicialização da política ameaça a (ex) democracia brasileira (que já foi ferida com o golpe contra a presidente Dilma Rousseff); "Agora, esse mesmo grupo de delegados, promotores e juízes, associados, ainda que de forma tácita, a uma mídia oligopolizada existente no Brasil, querem a qualquer custo usar de diversos processos penais abertos contra Lula, apenas com acusações frívolas, para impor a ele uma condenação que seja confirmada em segundo grau. Isso bastaria para exclui-lo das eleições de 2018, segundo a lei brasileira", diz ele  

Cristiano Zanin Martins
Cristiano Zanin Martins (Foto: Leonardo Attuch)


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247 – Em palestra em Sevilha, na Espanha, o advogado Cristiano Zanin Martins detalhou o processo de "lawfare" contra o ex-presidente Lula e explicou como a judicialização da política ameaça a (ex) democracia brasileira (que já foi ferida com o golpe contra a presidente Dilma Rousseff). Leia a íntegra:

Apresentação feita em 26.01.2017 - Seminário Internacional em Sevilha – “Capitalimo Neoliberal, Democracia Sobrante” 

Tema do Painel: Quais são as estratégias da nova ordem internacional para aprisionar a democracia?

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Boa tarde a todos,

Uma forma atual de ataque à democracia consiste no uso do "lawfare". 

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A expressão "lawfare" deriva das palavras inglesas "law" (lei) e "warfare" (guerra). Essa expressão foi usada em algumas obras na década de 90 - e até antes - mas se tornou mais conhecida a partir de um texto publicado em 2001 em um jornal de Yale, por um advogado norte-americano especializado na área militar chamado Charles Dunlap. 

Para Dunlap, "lawfare" seria "a estratégia de usar - ou mal utilizar - a lei como substituto dos meios militares tradicionais para alcançar um objetivo operacional". Ele tinha, portanto, uma visão bastante vinculada à área militar, até mesmo pela sua formação na área. Tinha um foco muito claro em formas de atacar o exército norte-americano usando as leis e a opinião publica. 

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Mas o fenômeno foi aos poucos sendo objeto de estudos específicos e atualmente a expressão “lawfare” está bastante identificada com o uso das leis e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política e de eliminação do inimigo político. O "lawfare" é um instrumento para deslegitimar oponentes políticos. É uma guerra assimétrica realizada por meios jurídicos.

John Comarroff e sua esposa, Jean Comaroff, que são antropólogos jurídicos da Universidade de Harvard, escreveram livros específicos sobre o tema. No livro chamado "Law and Disorder in the Postcolony" (Lei ou Desordem no Pós Colonialismo) eles definem "lawfare" como o "processo de usar a violência e o poder inerentes ao direito para produzir resultados políticos" e observam, ainda, que "a política em si está migrando para os tribunais". 

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Concordo com os Comaroffs que o "lawfare" na contemporaneidade se desenvolve, tal como as grandes teorias de guerra, em três dimensões. A primeira é a geografia, onde são travadas as guerras. Exércitos fazem uso estratégico da cartografia, da paisagem, da geografia. O equivalente em "lawfare" é a jurisdição. Onde o processo judicial se desenvolve é fundamental para saber se você irá ganhar ou perder. É possível, ao menos, saber onde a tese jurídica pode ter mais força. A segunda dimensão da guerra é o armamento. E o armamento no "lawfare" é a escolha da lei que você irá lutar. Há uma tendência, nesse sentido, em usar leis que tratam de corrupção, pois muita coisa pode ser encaixada nessa definição. A terceira dimensão são as externalidades, ou seja, o ambiente que é criado para usar as armas legais contra as pessoas. E o clássico, nos dias atuais, é o apoio dado pela mídia quando há identidade de interesses na perseguição política. A mídia cria um ambiente de suposta legitimidade para essa perseguição. Cria uma presunção de culpabilidade que tem dois objetivos: permitir uma condenação sem provas ou, ainda, colocar a opinião pública de forma a exigir essa condenação.

No Brasil, principalmente na era da “Operação Lava Jato”, é claro que está ocorrendo o uso dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política, e particularmente, do ex-Presidente Lula, de todo o seu legado e, ainda, de seus aliados políticos. 

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Como advogado de Lula, tenho bastante clara essa situação por atuar diariamente na defesa contra as frívolas suspeitas e acusações que lhe são dirigidas por um grupo de promotores com a ajuda de setores da imprensa. Lula chegou a ser acusado por um promotor que chamou todos os veículos de imprensa para exibir um Powerpoint em rede nacional, no qual o ex-Presidente foi colocado no centro - com várias flechas apontando para ele. Foi tratado nessa ocasião como se culpado fosse. Outro promotor que participou da exibição desse mesmo Powerpoint disse que não tinha provas, mas "convicção" a respeito da acusação de que Lula seria o "comandante máximo de uma organização criminosa". 

Diante desse claro cenário de perseguição política por meio das leis, eu e minha sócia e também esposa, Valeska Martins, passamos a fazer um estudo detalhado sobre o tema e identificamos na Universidade de Harvard, principalmente, trabalhos sobre "lawfare" e suas características. 

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Na sequência, tivemos a oportunidade de debater com alguns professores de Harvard, como o já citado John Comaroff, e concluímos que Lula é vítima de "lawfare", pois querem usar de procedimentos jurídicos ilegítimos apenas para dar ares de legitimidade a um processo que tem por objetivo prejudicar sua atuação política e impedi-lo de disputar novas eleições presidenciais, principalmente em 2018. Foi neste momento em que eu e Valeska apresentamos no Brasil, com primazia, o debate sobre "lawfare". 

O caso de Lula seguramente é um dos maiores casos de "lawfare" hoje no mundo. 

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Entendemos que atualmente as principais táticas de "lawfare" são:

- manipulação do sistema legal para fins políticos;

- utilização de processos judiciais sem materialidade, com acusações frívolas;

- abuso do direito para deslegitimar um adversário;

- promoção de ações judiciais para deslegitimar um adversário; 

- utilização do direito como forma de constranger e punir o adversário; 

- tentativa de influenciar a opinião publica: utilização da lei para obter publicidade negativa;

- judicialização da politica;

- promoção de desilusão popular;

- utilização das leis como forma de empoderamento;

- deslegitimar e diminuir a soberania de Estados Democráticos.

Todas essas táticas são usadas diariamente contra Lula.

De fato, desde Março de 2016 os traços de "lawfare" contra Lula e do projeto que ele desenvolveu com a ajuda da ex-Presidente Dilma Rousseff e outros aliados políticos passaram a ficar mais claros.  

Em março, ele foi privado de sua liberdade por cerca de 6 horas - por meio de uma condução coercitiva - para prestar um depoimento que ele jamais havia se recusado a dar; teve sua casa invadida e também a de seus filhos por buscas e apreensões; teve suas conversas telefônicas particulares grampeadas - e essas conversas foram posteriormente divulgadas em rede nacional, embora a lei assegure o sigilo e defina como crime a divulgação desse material. Até mesmo nós, seus advogados, fomos grampeados - pois o principal ramal do nosso escritório passou a ser monitorado. 

Quem fez tudo isso - e muito mais? Um juiz, a pedido de um grupo de promotores. Sim, um juiz, que deveria ser o responsável por zelar pelas garantias fundamentais dos cidadãos impôs todas essas medidas drásticas em relação ao ex-Presidente Lula e seus familiares. E o pior: impôs tais medidas drásticas e ilegais sem que houvesse qualquer indício real da pratica de um crime. As hipóteses substituíram os fatos. Ele é, basicamente, acusado de ter se beneficiado de valores espúrios oriundos da Petrobras por meio de imóveis que não são e jamais foram dele. Imóveis, por exemplo, que ele foi uma única vez para verificar se tinha interesse na compra. Imóveis, por exemplo, que ele frequenta, mas que pertencem a amigos, que provaram o uso de recursos próprios na compra. 

E preciso lembrar que no momento em que ocorreram essas arbitrariedades já havia uma crise política no Brasil. E Lula, evidentemente, tinha um relevante papel para auxiliar a Presidente Dilma a resolvê-la. Essas medidas, por isso mesmo, buscavam prejudicar sua atuação politica, deslegitima-lo. 

Vejam o seguinte exemplo: uma conversa telefônica entre o ex-Presidente Lula e a ex-Presidente Dilma foi gravada pela Polícia Federal apos o encerramento da autorização de grampo em relação a Lula. Mas o juiz da Lava Jato decidiu divulgar essa conversa à imprensa. E quando ele fez isso? No dia em que Lula foi nomeado Ministro de Dilma. E qual foi o resultado disso? A mídia promoveu uma falsa encandalização e um desvirtuamento daquela conversa, fomentando protestos de rua. 

E na sequencia Lula foi impedido por um juiz do STF de ser ministro de Dilma sob o fundamento de tal cargo poderia “prejudicar a Lava Jato" - embora naquele momento ele não fosse indiciado, réu e muito menos condenado. 

O impeachment de Dilma, nesse contexto, fez parte desse processo de "lawfare". Vejam: escolheram uma jurisdição, o Congresso, onde havia algumas pessoas mal intencionadas e com desejo de recuperar o poder por meio diverso das eleições. Escolheram uma lei: a lei que define os crimes de responsabilidade de uma forma absolutamente genérica. E ocorreram as externalidades: era só ligar a televisão ou ler um jornal para verificar como o tema estava sendo tratado. Um professor aposentado da Universidade de Manchester, John Gledhill, escreveu o seguinte: "o que estamos vendo no Brasil é a forma como a aplicação seletiva do que poderia ser definido como "lawfare" esta promovendo um clima de desilusão popular em que um governo democraticamente eleito pode ser removido do poder”. 

Agora, esse mesmo grupo de delegados, promotores e juízes, associados, ainda que de forma tácita, a uma mídia oligopolizada existente no Brasil, querem a qualquer custo usar de diversos processos penais abertos contra Lula, apenas com acusações frívolas, para impor a ele uma condenação que seja confirmada em segundo grau. Isso bastaria para exclui-lo das eleições de 2018, segundo a lei brasileira.  

A despeito das sólidas defesas jurídicas que apresentamos em todos os processos não temos expectativa imediata de um recurso eficaz para paralisar essas violações contra Lula. O Tribunal que julga os recursos da "Lava Jato" decidiu que ela não precisa seguir as “regras gerais”, vale dizer, a lei. O STF, por seu turno, devolveu os processos ao juiz que cometeu as violações para que ele próprio analise a legalidade de seus atos.  

Por isso, levamos o caso em julho de 2016 ao Comitê de Direitos ONU - por acreditar que as arbitrariedades praticadas contra Lula violaram três disposições do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos acolhido pela ONU, do qual o Brasil é signatário. O governo brasileiro deverá apresentar suas informações até  o  próximo dia 26 e  depois será analisada a admissibilidade do comunicado que fizemos. 

Espero, sinceramente, que a ONU possa nos ajudar a impedir que esse terrível ataque à democracia brasileira continue, admitindo e acolhendo o comunicado que fizemos. Com isso, também irá sinalizar ao mundo a inadmissibilidade desse ataque à democracia. Mas também é importante saber que pessoas tão qualificadas como vocês agora dispõe de elementos para analisar o que está ocorrendo no Brasil em relação a Lula e, com isso, poderão participar do julgamento que também  história fará para Lula, que é um homem inocente e que realizou um governo de conquistas sociais e econômicas reconhecidos em todo o mundo. 

Muito obrigado,

Cristiano Zanin Martins

 

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