Rômulo Paes: os insultos que matam

Para o ex-secretário executivo do ministério de Desenvolvimento Social, Rômulo Paes, com "as ameaças do novo governo", que retirou de Cuba do programa "Mais Médicos", "o novo presidente, Jair Bolsonaro, ainda não aprendeu a diferença entre insultar como deputado e provocar desastres administrativos como presidente eleito"; "Para a sorte do Brasil, seria melhor que ele aprendesse depressa", afirma Paes

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Rômulo Paes: os insultos que matam


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Por Rômulo Paes - Cuba decidiu se retirar do Programa Mais Médicos. Uma ação provocada pelas ameaças do novo governo em alterar os termos contratuais entre os dois países e a Organização Pan-Americana da Saúde. A crise trouxe de volta o debate sobre o salário dos médicos cubanos.

A tributação sobre os salários diretos varia por país segundo o grau de retorno que o contribuinte recebe em politicas públicas e o quinhão que lhe cabe na distribuição da riqueza de um país. Por exemplo, um médico sueco bem endinheirado chega a pagar quase 62% de imposto direto, enquanto um hondurenho paga menos que 13%. Países que garantem alto nível de proteção social são incrivelmente intrusivos na vida de seus cidadãos.

Por exemplo, um cidadão sueco para registrar o nome de seu filho ou filha, deve submete-lo com três meses de antecedência a uma agência especializada por conceder autorização para os registros. Isto visa a proteger a criança de eventuais nomes ofensivos ao seu desenvolvimento.

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Ainda que a Suécia garanta níveis excepcionais de proteção social para seus cidadãos e seja muito intrusiva, a presença do estado sueco na vida de seus cidadãos não é comparável com um dos remanescentes regimes socialistas no mundo, como é o cubano. Os brasileiros conhecem pouco sobre a Suécia e menos ainda sobre Cuba. Este desconhecimento leva a um grande estranhamento sobre a forma como são tributados os médicos cubanos.

Lembrei-me de uma história saborosa que me foi contada pelo antropólogo Pierre Sanchis (que nos deixou em maio deste ano), que me serve para ilustrar este tipo de desentendimento. Pierre fez pós-graduação na Universidade de Paris nos fervilhantes anos da década de 70. Lá, foi aluno do filósofo marxista Nicos Poulantzas, cujas aulas eram concorridíssimas e assistidas pelos alunos com devoção. Durante uma exposição do filosofo grego sobre a necessidade de atualização do conceito de classes socais. Pierre atreveu-se a fazer uma pergunta um tanto surpreendente para o brilhante professor. Poulantzas fez uma pausa e perguntou: o senhor é marxista? O que foi negado de pronto por Pierre. O professor calmamente reagiu: bem, então, o senhor não vai entender. Continuou a aula, ignorando a pergunta.

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Segundo os artigos publicados nos jornais, um médico cubano recebe mensalmente por seu trabalho em seu próprio país o equivalente a 64 dólares. Em missão no Brasil, ele recebe 3 mil Reais por mês (25% de 11,5 mil Reais que o Brasil paga por cada médico), que aos valores de hoje correspondem 810 dólares - portanto mais de 12 vezes do que ganhariam em Cuba. Além disso, grande parte das despesas do dia a dia no Brasil são bancadas pelas prefeituras. Dessa forma, é fácil concluir que, ao final de 4 anos de contrato, um médico possa retornar ao seu país com uma poupança de mais de 20 mil dólares. O bastante para comprar muita coisa em uma economia ainda muito fechada como a cubana. Logo, o que surpreende não é o fato de se ter mais de 50 mil cubanos espalhados por mais de 60 países prestando serviços diversos, sobretudo de saúde. O que surpreende é que seja possível se viver em Cuba com um salário de 64 dólares por mês? É aí que entra a resposta que Poulantzas deu (ou deixou de dar) ao meu velho amigo e professor Pierre.

Embora com a economia em frangalhos, decorrente de uma longa decadência, Cuba vai equilibrando sua economia com exportação de serviços, turismo e produtos agrícolas. A ajuda externa também é fundamental para sobrevivência do país. O pais tem aumentado a sua proximidade com a China e busca uma transição do seu modelo econômico para o heterodoxo e bem-sucedido modelo chinês. O embargo imposto pelos EUA atrapalha muito a vida do país. Conta também o fato do país ter um sistema político muito restritivo. A transição é lentíssima e cheia de conflitos internos. Mesmo assim, os cubanos têm acesso a vários serviços públicos de qualidade e mesmo alimentos (ainda que em permanente racionamento). Tocam a vida enquanto esperam as reformas econômicas. É uma lógica incompreensível para quem vive em um país como o nosso.

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A formação dos profissionais de saúde cubanos tem como ênfase a atenção primária. Todos os médicos que vão para as missões internacionais possuem residência em medicina geral e comunitária. A deserção é relativamente baixa e muitos fazem varias missões. Sua presença foi decisiva para o sucesso do Programa Mais Médicos. Este Programa foi responsável por reduzir já em 2014 o déficit de médicos no Brasil em 54%, como constaram Leonor Pacheco Santos, Ana Maria Costa e Sábado Girardi em uma pesquisa publicada em 2015, diminuindo desta forma a desigualdade no acesso aos serviços de saúde sobretudo no Norte e Nordeste do Brasil. Davide Rasella está concluindo um estudo que indica o efeito devastador na mortalidade por causas evitáveis, caso o Programa Mais Médicos seja encerrado.

Os jornais indicam que os cubanos sairão todos até o dia 25 de dezembro deste ano. Certamente, encontrarão outros clientes já que estão presentes em países tão diversos como África do Sul, Portugal e Rússia. Já o nosso Programa Mais Médicos vai custar a se reerguer já que os profissionais brasileiros não vão e não irão para as áreas mais pobres.

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O novo presidente ainda não aprendeu a diferença entre insultar como deputado e provocar desastres administrativos como presidente eleito. Ambos os casos se referem a narrativas políticas, do manejo das palavras. Contudo, convertem-se em ações de naturezas distintas. No primeiro caso, gera mídia espontânea e nada mais. No segundo, doença e morte. Para a sorte do Brasil, seria melhor que ele aprendesse depressa.
Por fim, deveria terminar este texto, como o fez certa vez padre Antônio Vieira, pedindo desculpas por esta longa "missiva", é que não tive tempo de ser breve.

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