Pavilhão 9

Cenas que voltam com julgamento dos autores do massacre no maior pavilhão da Casa de Detenção, onde a vida fervilhava apesar de tudo



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A superlotação do Carandiru já era brutal há 37 anos, quando percorri  seu interior com o fotógrafo Amancio Chiodi. Era para documentar o problema sexual na prisão para o semanário Aqui-São Paulo, a partir de uma carta dos detentos, publicada no Jornal da Tarde, reivindicando visitas íntimas. Mas nem nos meus piores pesadelos poderia imaginar que um dia ele seria palco de uma das maiores matanças da história do Brasil. O primeiro visitei foi a cozinha:

Comida decente, um dos fatores de equilíbrio aqui dentro.  18 mil refeições por dia: 15 para os da Casa, e 3 mil que são distribuídas para todos os lugares onde há presos na Grande São Paulo, inclusive os políticos. A cozinha fica no Pavilhão 9: 2.752 presos, idade média 25 anos. São os “primários da Casa de Detenção”. Quer dizer: há entre eles os condenados a centenas de anos por vários crimes, mas é a primeira vez que são presos aqui. Alguns, embora jovens, ostentam velhas tatuagens.

Uma visita ao térreo do Pavilhão 9 é turismo. Os funcionários nos mostram a sapataria, a encadernadora, a tenda de umbanda (na Detenção funcionam todas as religiões). É o arquivo morto, onde são mostrados curiosidades: o prontuário número 1, de alguém que se chamava Biagio Buscarini, preso por furto; e os prontuários de Monteiro Lobato, Carlos Marighela, de políticos ainda vivos, de artistas que passaram por lá.

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Um elevador nos leva então ao quinto andar do Pavilhão 9, na companhia de Tito, funcionário da Casa. Como todos, anda desarmado. É um mulato forte, que se mostra simpático e cordial. Goza de respeito entre os presos, parece  que consegue levá-los “na manha”, para usar uma gíria do lugar. Nos leva direto às celas-fortes. Descendo do elevador no quinto andar, entramos à direita, ao dobrar a primeira esquina do corredor damos com uma porta de aço. Tito abre-a e, do outro lado do corredor, veem-se dez celas-fortes do Pavilhão 9. Tito abre a porta de uma delas. Aparece um mulato encostado na parede, com expressão indiferente. Está aqui há sessenta dias. Mais ou menos o tempo dos outros com quem falamos rapidamente.Aqui nas celas-fortes, ninguém – punidos ou punidores – sabia dizer quando acaba a pena suplementar.

Notamos, no Pavilhão 9, que as celas normais medem mais ou menos entre 20 e 25 metros quadrados. Dentro, tanto nesse pavilhão como nos  outros três que visitei, o que mais me marcou foram as mulheres nas paredes. Em algumas celas, vi que a mulher estava caprichosamente posta num quadro com moldura de papel e no lugar do vidro, plástico transparente, ocupando um lugar nobre, no alto. Um dos quadros, de 30 por 40 centímetros, tinha fundo vermelho e mostrava um modelo anônimo, certamente tirado de uma folhinha. Em outras celas, vi a parte interna das portas inteirinha forrada. Outros enchem as paredes de fotos, do lado de dentro dos beliches, sempre fechados por uma cortina que isola cada um dos outros companheiros de cela, o que veda a entrada de luz à noite (as luzes ficam acesas a noite inteira, em todas as celas).

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Entramos numa cela para Amancio fotografar as fotos, e um detento negro foi nos apresentando as mulheres nas paredes, grifando os nomes com um traço de autoironia: Sandra Bréa... Dina Sfat... Rosemary...”

Incrível o cuidado com que todos arrumam suas coisas, com que procuram manter a ordem nas celas. Em todo lugar parece haver um líder que “segura a barra”.  São sempre 14, 16, às vezes até 30 numa cela (nos pavilhões mais populosos, o 8 e o 9), e então aparece o “triliche” em vez do beliche, e os que ainda ficam sem cama dormem no chão, em cima dos cobertores.

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O 9 é o maior pavilhão: 2.752 presos. Percorri muitas alas, em todos os andares. Numa, encontrei  dois presos recostados no beliche, um lendo e o outro sentado a seu lado, apoiando em sua perna. O que está lendo ficou visivelmente irritado com a nossa invasão.

Cenas que voltam, 37 anos depois daquelas visitas, com o julgamento, nesta segunda-feira, dos autores do massacre dos 111 detentos do Pavilhão 9 em 2 de setembro de 1992.

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