Após ser "vira-lata", Jabor psicografa Nelson

Uma semana depois de dizer que a "pátria em chuteiras", de Nelson Rodrigues, havia se convertido em "chuteiras sem pátria", na mais clara demonstração de discurso "vira-lata" feita até aqui, o colunista Arnaldo Jabor, que faz campanha para que o Brasil sinta vergonha da Copa do Mundo, tal como pregado por Ronaldo, decide psicografar o genial dramaturgo pernambucano; no seu texto desta terça-feira, Nelson "diz" a ele que o Brasil tem hoje "a burrice no poder"

Após ser "vira-lata", Jabor psicografa Nelson
Após ser "vira-lata", Jabor psicografa Nelson


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

247 - Há uma semana, o colunista Arnaldo Jabor assumiu um discurso que, no universo do dramaturgo Nelson Rodrigues, seria rotulado como o mais acabado exemplo do "complexo de vira-latas". Jabor dizia que o Brasil havia se convertido em "chuteiras sem pátria" – e não mais na "pátria de chuteiras" – e pregava que o País se sentisse envergonhado pela organização do Mundial (leia mais aqui).

Agora, depois de ser o "anti-Nelson", ele decidiu simplesmente psicografar o dramaturgo pernambucano. Numa conversa imaginária, Jabor e Nelson falam sobre temas como política, Copa e manifestações no Brasil. Nela, Nelson "diz" ao colunista que o Brasil tem hoje a "burrice" no poder. Leia abaixo:

Nelson Rodrigues ao telefone - Arnaldo Jabor

continua após o anúncio

Quando fico angustiado com as notícias brasileiras, ligo para o Nelson Rodrigues. Ele me dá bons conselhos lá do céu de papelão, entre nuvens de algodão e estrelas de papel prateado – seu paraíso é um cenário de teatro de revistas. O telefone toca como uma trombeta suave.

Ele já sabe quem é:

continua após o anúncio

– Você, hein? Só me liga quando está encalacrado.

– Estou mesmo, Nelson, mas não sei se sou eu ou o Brasil.

continua após o anúncio

– Deixa de frases, rapaz, você e o Brasil são a mesma coisa. O Brasil não é feito de florestas e cachoeiras. O Brasil é uma região dentro de nossas cabeças. Você é o Brasil. Levaram séculos para aperfeiçoar nosso atraso e você me vem com essa. Subdesenvolvimento não se improvisa – é uma obra de séculos...

– Ninguém entende mais nada... Eu nunca vi o Brasil assim...

continua após o anúncio

– Eu sempre vi assim. O Brasil não mudou nada. O problema é que você quer "entender", e o país é muito maior que seu entendimento. Não mudou nada; só está vindo a furo, como um bom furúnculo. Você está nervoso porque sempre achou que havia salvação. Não existe isso. Nunca vamos chegar a lugar nenhum, porque não há ponto final... a não ser aqui em cima, claro. O que muda mesmo não são os fatos, como querem os idiotas da objetividade. O que nos muda não são as famosas "relações de produção" não; são bobagens nas brechas dos fatos. Quais foram as grandes mudanças do país, nos últimos 50 anos? Getúlio se matou, o Jânio tomou um porre e se foi, o Tancredo morreu de nó na tripa, o Collor caiu porque não respeitava nem as cunhadas (como o meu Palhares), o Lula foi eleito por um publicitário, como uma boa margarina. É isso. O Brasil não é épico; nunca tivemos um Stalingrado, um Waterloo – nem a batalha de Itararé.

– Mas por que esta estagnação, esta zona geral?

continua após o anúncio

– O Brasil não vai para a frente com planos messiânicos ou "epopeias de Cecil B. de Mille", sejam elas epopeias "socialistas" ou liberais. O "óbvio ululante" é que os brasileiros odeiam justamente o óbvio. Bastava fazer umas reformas, não jogar dinheiro fora, amarrar os corruptos no pé da mesa, diminuir impostos, chupar a carótida dos chefes das estatais como tangerinas. Mas não; só querem apoteoses ou dilúvios de quinto ato do "Rigolleto".

– Mas o cinismo dos políticos está cada vez maior!

continua após o anúncio

– Não veja os políticos como gênios do bem ou do mal, Stalins ou Josés Bonifácios. São apenas uns sujeitinhos de cabelo pintado de preto ou acaju. Uns fingem de socialistas, outros de conservadores. Mas todos querem é o poder, as mãos dentro das cumbucas do Estado.

Esses que estão aí querem criar "sovietes", grupos corporativos como na Rússia. Já pensaram Dirceu e Genoíno dirigindo o país? Na época da ditadura ainda dava. Todos nós babávamos na gravata, imbecilizados, sem informação. O que nos salva é que eles são muito ignorantes.

continua após o anúncio

Antigamente, os cretinos se escondiam pelos cantos, babando pelos inteligentes de carteirinha. Agora estão aí, achando que vão mudar o país. Para eles, o capitalismo ainda é tratado como uma pessoa. "Hoje o capitalismo acordou de mau humor" ou "o capitalismo é muito egoísta – só pensa em lucro".

Nunca ninguém leu nada. Eu os chamava de marxistas de galinheiro. Eles me odiavam. Eu era chamado de pornográfico e depois virei o reacionário fundamental. Mas perdem sempre, pois a burrice é uma força da natureza. A burrice é a Pedra da Gávea.

– Querem controlar a imprensa...

– Querem controlar os brasileiros, fazê-los obedientes... mas esquecem que os brasileiros têm a alma de feriado. Somos incontroláveis. Tem um Brasil sob as calçadas, nas sarjetas, nos bueiros que renasce e reage. E o pior dessa turma é que eles têm certezas profundas e isso os destruirá em breve. A dúvida sempre me pareceu mais sábia, mais clarividente.

– Deus queira.

– Eu nunca vejo Deus por aqui. Parece que anda deprimido por ter inventado o "livre arbítrio" dos homens, que está gerando essa esculhambação aí embaixo. Mas se Deus me perguntasse o que eu fiz de bom na vida, eu responderia: "Senhor, eu descobri o óbvio!". Sempre vi o que ia acontecer. Essa gente é muito óbvia.

Você veja o Zé Dirceu, por exemplo, bom rapaz, era o Marlon Brando das comunistas, mas ele só amava os postes. Via um poste, subia nele e começava a falar da utopia. Os passantes ouviam e perguntavam: "Quem é essa tal de doutora Utopia? É mulher dele?". A Dilma, coitada, é uma boa senhora que amava o Brizola, amava o Lula. Ela queria ser uma dona de casa, uma mãe de família "revolucionária". Foi corajosa na juventude e hoje está aí... É uma Dilma que não existe, é uma clone de si mesma. Mas estou te achando muito pessimista, rapaz...

– Nada. Sou um otimista bem-informado...

– Não faz frase, rapaz... Não adianta se atolar em euforias brutais nem viver com complexo de vira-latas.

Um retrato bom do país é o PMDB, feliz em sua mediocridade. O Brasil é o PMDB. O Brasil não é épico, é coloquial.

– E a Copa?

– Talvez ganhemos porque estamos com medo até das manifestações. Sem medo não há vitórias. Em 50, perdemos porque estávamos mascarados... Máscara é fogo... rapaz...

– Mas, está morrendo mais gente aqui do que na Síria, Nelson...

– Vocês achavam que iam escapar? Ninguém escapa. O Brasil se achava uma ilha protegida, mas o mundo invade tudo. O Oriente, a África, o mundo quase em guerra e o Brasil numa boa? Impossível. Não há piedade na história... O Hegel e o Nietzsche vivem brigando aqui dentro. Ontem o Nietzsche disse isso: "A história não tem hora; é intempestiva! Cai feito um raio!". O Hegel não gostou nada e anda deprimido pelos cantos. Agora a história do mundo atual está nos contaminando. Mas isso é bom. Sabe por quê? Porque teremos de assumir nossa miséria, assumir a nossa lepra, que o mundo agora vai ver. Não sabemos o que fazer com o Brasil, mas ao menos estamos conhecendo nossa cara...

– É isso aí, Nelson. 

– Não se preocupe. Daqui a alguns anos, vão lembrar essa época como um "fascismo de galinheiro" disfarçado de "marxismo de galinheiro". Fascismo é a burrice no poder, rapaz...

 

 

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247