João Paulo Cunha sobre ‘O drible’: “Um gol de placa”

Em sua terceira resenha nas janelas do cárcere, ex-deputado escreve sobre o livro de Sérgio Rodrigues, que tem o futebol como fio condutor, "mas não deixa de descrever os horrores da ditadura"; "Que livro bom. Aliás, muito bem escrito e com um domínio completo, não só da língua, como do roteiro", avalia João Paulo Cunha; leia a íntegra

Em sua terceira resenha nas janelas do cárcere, ex-deputado escreve sobre o livro de Sérgio Rodrigues, que tem o futebol como fio condutor, "mas não deixa de descrever os horrores da ditadura"; "Que livro bom. Aliás, muito bem escrito e com um domínio completo, não só da língua, como do roteiro", avalia João Paulo Cunha; leia a íntegra
Em sua terceira resenha nas janelas do cárcere, ex-deputado escreve sobre o livro de Sérgio Rodrigues, que tem o futebol como fio condutor, "mas não deixa de descrever os horrores da ditadura"; "Que livro bom. Aliás, muito bem escrito e com um domínio completo, não só da língua, como do roteiro", avalia João Paulo Cunha; leia a íntegra (Foto: Gisele Federicce)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

247 – Um livro sobre a difícil relação entre um pai (Murilo Filho) e um filho (Neto), tendo como fio condutor o futebol. "O drible", de Sérgio Rodrigues, é um livro "muito bem escrito e com um domínio completo, não só da língua, como do roteiro", na avaliação de João Paulo Cunha.

Em sua terceira resenha escrita da prisão, o ex-deputado define a obra como "um gol de placa", uma história que, "em certos momentos, dá-se a impressão de que é um romance real". Segundo Cunha, o futebol não é tratado por Rodrigues como "elemento alienante", já que o autor "não deixa de descrever os horrores da ditadura".

Leia abaixo a íntegra da crítica ou no blog de João Paulo Cunha:

continua após o anúncio

"O Drible": resenha nas Janelas do Cárcere

A vida pode se esvair em fração de segundos. No futebol, a distância entre a glória e a infâmia é infinitesimal. Por isso "o futebol pode espelhar a vida", mesmo que "a recíproca, por razões que ignoramos", não seja verdadeira. É disso que o livro "O Drible", de Sérgio Rodrigues, da Companhia das Letras, trata.

continua após o anúncio

O futebol conduz os dramas do filho (Neto), que já sentiu certo orgulho do pai (Murilo Filho). Mas Neto carrega a necessidade de acertar algumas contas mais fortes do que o orgulho. E, mesmo depois de vinte e seis anos sem se verem, o ódio que sente é grande (e quanto mais o pai fala do passado mais aumenta), ao ponto de desejar cometer um parricídio. Neto não esquece a surra que um dia levou, as humilhações que o pai o fez passar e o estranho suicídio da Mãe.

Murilo Filho, um famoso jornalista, o leão da crônica esportiva, mulherengo, amigo dos grandes e importantes da época (Nelson Rodrigues, Mario Filho, Millôr Fernandes), agora foge da conversa face a face com o filho. Ele utiliza o futebol para, metaforicamente, manter escondido o que nunca quis que Neto soubesse. Murilo tenta driblar o filho para não falar do drible que tomou da vida.

continua após o anúncio

O autor usa figuras da época para dar ares de realidade à bela ficção. Em certos momentos, dá-se a impressão de que é um romance real.

E começa o jogo.

continua após o anúncio

Se Pelé tivesse feito aquele gol no Uruguai, na Copa de 70 (aquele que ele passa voando pelo goleiro sem a bola, volta para pegar a bola e chuta de raspão na trave direita de Mazurkiewicz), seria "um Deus completo". Naquela época, Pelé já estava farto de "saber que era um mito, um semideus". Mas a plasticidade do balé de corpo de Pelé e do goleiro estendido no chão foi mais belo do que o gol! E ele tornou-se ainda mais mito depois dessa jogada. Essa narrativa do lance, com a imagem projetada por uma TV Telefunken, provavelmente com um Bombril na ponta da antena, é relatada de forma excepcional por Sérgio Rodrigues.

É a primeira cena na tentativa de reaproximar pai e filho. Outros encontros nos finais de semana no sítio do pai – às vezes como prorrogação - continuarão, incluindo a pescaria num lago próximo da casa que será o palco do trágico e definitivo fim da relação.

continua após o anúncio

O filho, mantendo sua vida ativa, passeia pela cultura pop da época, ouvindo Pink Floyd (ele acha que o LP da vaca é o melhor da banda. É, pode ser!) e Rick Wakeman com seus cabelos longos, louros e a parafernália daqueles múltiplos teclados. Cultiva sua própria banda, além de comer as empregadas das farmácias, supermercados e outras lojas do bairro onde mora, na Zona Sul do Rio.

O legal é que o futebol, fio condutor do livro, não é tratado como elemento alienante. O autor não deixa de descrever os horrores da ditadura. E um dos pontos críticos da relação entre pai e filho é justamente a possível colaboração de Murilo Filho com os militares.

continua após o anúncio

Neto, revisor profissional, aceita fazer (apesar dos dramas) uma parte verdadeira da história do pai. Revisar o livro de Murilo que trata do mais fenomenal jogador que apareceu por essas bandas e que poderia ter sido, com seus poderes mediúnicos, melhor do que Pelé. Este era Peralvo, um sarará, filho de uma nordestina com um Europeu, que chega no Rio e vai jogar no América. Rapidamente se torna ídolo. Perto da Copa do Mundo de 1966, o leão da crônica esportiva achava que Peralvo era uma promessa.

Mas por essas coisas da vida e do futebol, Peralvo entra como herói num jogo e, ali mesmo, acaba com sua carreira, que foi sem ter sido. Virou uma lenda convivendo com o mito que era real: Pelé.

continua após o anúncio

No sítio, preparando seu fim, Murilo Filho não para de remoer um jogo que viu passar em sua cabeça a vida toda: a relação ruim e mal resolvida com a esposa suicida e com o filho.

Lendo "O Drible" dá vontade de corrigir Jorge Luís Borges quando disse que "El fútbol es popular porque la estupidez es popular". Não mestre, o futebol não é uma estupidez. Estúpidas são as idiossincrasias da vida.

Que livro bom. Aliás, muito bem escrito e com um domínio completo, não só da língua, como do roteiro. Um gol de placa!

João Paulo Cunha
Junho/2014

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247