Cunha sobre ‘Mar profundo’: “narrativa vibrante”

Livro trata dos prazeres do mar "num ambiente de revolta e disputa que envolve as etnias milenares (Tâmil e Cingaleses) naquele pedaço de paraíso, encravado ao sul da Índia, chamado Sri Lanka", escreve João Paulo Cunha; em nova resenha, ex-deputado diz que obra tem "narrativa vibrante, como o mar, e envolvente, como a comida", além "dos cenários que fascina o leitor"

Livro trata dos prazeres do mar "num ambiente de revolta e disputa que envolve as etnias milenares (Tâmil e Cingaleses) naquele pedaço de paraíso, encravado ao sul da Índia, chamado Sri Lanka", escreve João Paulo Cunha; em nova resenha, ex-deputado diz que obra tem "narrativa vibrante, como o mar, e envolvente, como a comida", além "dos cenários que fascina o leitor"
Livro trata dos prazeres do mar "num ambiente de revolta e disputa que envolve as etnias milenares (Tâmil e Cingaleses) naquele pedaço de paraíso, encravado ao sul da Índia, chamado Sri Lanka", escreve João Paulo Cunha; em nova resenha, ex-deputado diz que obra tem "narrativa vibrante, como o mar, e envolvente, como a comida", além "dos cenários que fascina o leitor" (Foto: Gisele Federicce)


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247 – Um livro de "narrativa vibrante, como o mar, e envolvente, como a comida", além "dos cenários que fascina o leitor". Esse é "Mar profundo", do escritor Romesh Gunesekera, segundo a opinião de João Paulo Cunha. Em nova resenha publicada em seu blog, ele diz que a obra trata dos prazeres do mar "num ambiente de revolta e disputa que envolve as etnias milenares (Tâmil e Cingaleses) naquele pedaço de paraíso, encravado ao sul da Índia, chamado Sri Lanka". Leia abaixo a íntegra:

Mar Profundo

1 de outubro de 2014

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O homem se apraz com o mar e com comidas. O mar carrega seus mistérios, suas dimensões superlativas e um chamado constante para conhecê-lo. A comida espalha o cheiro, suas cores, texturas e o paladar que lambe a alma. De frente para o mar o homem acalma. À mesa, com a comida disposta a sua frente, o espírito exulta e o corpo agradece. O livro de Romesh Gunesekera, Mar Profundo, LPM Editores, trata desses prazeres num ambiente de revolta e disputa que envolve as etnias milenares (Tâmil e Cingaleses) naquele pedaço de paraíso, encravado ao sul da Índia, chamado Sri Lanka.

Mar Profundo fala também do amor e seus laços; de separações e perdas; das angústias de um homem e da descoberta de um menino. Numa linguagem cristalina, a história começa num ato fortuito ("Tentei falar em sinhala, mas ele sacudiu a cabeça. Língua errada. – Tâmil, tâmil...") no presente que remete ao passado lembrado por alguém, agora adulto, que viveu sob intenso aprendizado da juventude: "Nós somos apenas aquilo de que nos lembramos e nada mais... tudo o que temos é a memória do que fizemos e do que não fizemos".

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Ranjan Salgado é um homem estudioso, devotado ao silêncio e que se movimenta com o cuidado de quem protege os corais vulneráveis no fundo do mar (um de seus objetos de estudo). Tem uma vida estruturada e poucos amigos. Recebe um menino, Tritton, para viver com ele em sua casa e cuidar dos afazeres domésticos. Rapidamente esse menino enxerga em Salgado o exemplo de homem ("A única coisa que preciso fazer é observa-lo, senhor. Observar o que o senhor faz. Assim eu posso aprender de verdade"), talvez um pai que ele não teve. E sente que ali ele pode se desenvolver profissionalmente. "Com o meu senhor Salgado eu achava que poderia descobrir algo mais, algo que pudesse mesmo transformar o mundo e fazer nossa vida valer a pena"

Tritton, com sua disposição ao trabalho e ao conhecimento resolve "polir as peças de latão, cobre e prata; lubrificar as dobradiças, as fechaduras, as roldanas das persianas..." Cuida dos cristais, varre a casa, o quintal, observa os quartos, mas olha mesmo é para a cozinha e para a mesa, sonhando em ser um cozinheiro.

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E Tritton se entrega a esse ofício. Inicia singelamente com "Bolinho de coco (Kavum), sanduíches de ovo, sanduíches de presunto, sanduíches de pepino, até bolo de amor...". Prepara o Natal com expectativa: "meu peru seria o melhor que ele jamais comera" e passa pela preparação de um belo "arroz amarelo com curry de frango" que serviria para acompanhar o jogo de baralho do senhor Salgado com os amigos. Sua maior felicidade é quando alguém pergunta sobre as comidas e o senhor Salgado responde: "Foi o Tritton quem fez".

O menino constrói seu mundo a partir da casa do senhor Salgado e estabelece suas relações com o fogão, as pratarias, os cristais, tapetes e as poucas pessoas que frequentavam ali. Uma dessas pessoas é Nili, namorada do senhor Salgado, que com o tempo passa a habitar o mesmo teto.

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Tritton transforma então o ato de cozinhar numa lança a alcançar o coração do homem que ele aprendeu a admirar e de sua amada que, como a única mulher que ele conhece, desperta também sentimentos de paixão juvenil que permite a Tritton olhar Nili com prazer: "Estava completamente nua. Virou a cabeça para o lado e colocou o cabelo atrás da orelha. Dava para ver os mamilos dela; os peitos eram como marcas de anéis quase apagadas. Dava para ver suas costelas, a barriga pequena arredondada". Assim, em momentos de devaneios, sonhou que poderia possuí-la. Entretanto, posto o sentimento no lugar, começou a descobrir a mulher.

"Nunca tinha percebido que as mulheres tinham tantas coisas para colocar e tirar. E todas elas tinham um cheiro diferente. Da pele? Do perfume? De dentro dela?".

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Mergulhando nas profundezas do mar da vida encontra na culinária seu prazer. Cozinha admirando os outros devorarem suas iguarias e descobre assim que "O sabor não é produto da boca: localiza-se inteiramente na cabeça".

Do lado de fora da casa a luta política é intensa e traz elementos de reflexão sobre as mudanças que as sociedades buscam. Em Wijetunga, empregado do senhor Salgado em sua casa de praia, floresce a beleza da descoberta da consciência de que os homens são separados por classes. Diz Wijetunga: "Sabe, irmão, este país na verdade precisa de uma limpeza radical. Não existe outra alternativa. Precisamos destruir para poder criar. Entendeu? Igual o mar. Tudo que ele destrói é usado para formar algo melhor". Ele estava falando "da crise do capitalismo, a história dos movimentos sociais e a configuração futura da revolução cingalesa". Os conflitos sociais dizem mais à natureza humana do que ao natural ambiente. No livro, as praias e o barulho do mar, em determinado momento, se confundem com um campo de guerra e o barulho de tiros.

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A convivência do menino, agora já crescido, com seu modelo de homem e seus conflitos pessoais; misturado com a disputa política inspirou Tritton a refletir: "... a história humana é sempre a história da diáspora de alguém: uma luta entre os que expulsam, repelem ou retaliam –possuem, dividem e governam- e os que mantém a chama viva noite após noite, boca após boca, ampliando o mundo com cada movimento ligeiro da língua." Até aqui ele não imaginava uma separação do senhor Salgado e sua linda Nili.

Com a separação, o senhor Salgado aumentou seu silêncio, agora quase sorumbático. Agrava quando os conflitos na ilha alcançam seu amigo que aparece morto na praia. Aspirando solidão e saudade ("Não vai embora nunca; o que aconteceu, aconteceu. Fica pendurado nas vestes da alma"), resolve partir para a Inglaterra e chama Tritton para acompanhá-lo.

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Ao abandonar a ilha, deixa um amontoado de lembranças, estudos e paixões e no rancor duma partida quase forçada resigna-se: "que tipo de mundo construiriam sobre os nossos restos?".

Chegando em Londres e descobrindo juntos esse novo mundo, o patrão que recebeu o menino em sua casa e ensinou com silêncio, dedicação e conhecimento o ofício de cozinheiro e as durezas da vida, despeja-o sozinho na multidão. Após receber a notícia de que sua amada, após perder tudo (inclusive a saúde) nos conflitos sociais da ilha, e que fora "internada no sanatório perto de Galle Road" e "estava sozinha", resolve voltar à ilha para reencontrá-la e lembrar do tempo que o Mar e seu barulho e a comida e seus cheiros davam muito prazer. Talvez para cumprir sua própria profecia: "o mar seria o fim de todos nós".

Além de ser uma narrativa vibrante, como o mar, e envolvente, como a comida, e dos cenários que fascina o leitor, Mar Profundo é um mergulho na alma humana que, hipnotizada pelo outro, sabe que o passado será carregado para sempre: "Todo mês de maio eu tirava dos armários nossas roupas de verão com as etiquetas do passado".

João Paulo Cunha
Março - 2014

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