O conto da ilha desconhecida: ‘curto, mas profundo’

Nobel de literatura José Saramago oferece um "texto curto, porém profundo e reflexivo", opina João Paulo Cunha, em nova resenha publicada em seu blog; "Vale a pena ler, pois em suas poucas páginas ele provoca um mergulho na alma humana", diz

Nobel de literatura José Saramago oferece um "texto curto, porém profundo e reflexivo", opina João Paulo Cunha, em nova resenha publicada em seu blog; "Vale a pena ler, pois em suas poucas páginas ele provoca um mergulho na alma humana", diz
Nobel de literatura José Saramago oferece um "texto curto, porém profundo e reflexivo", opina João Paulo Cunha, em nova resenha publicada em seu blog; "Vale a pena ler, pois em suas poucas páginas ele provoca um mergulho na alma humana", diz (Foto: Gisele Federicce)


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247 – Em nova resenha publicada em seu blog, o ex-deputado João Paulo Cunha opina sobre a obra do escritor português José Saramago "O conto da ilha desconhecida". Trata-se de um texto curto, "porém profundo e reflexivo", diz. "Vale a pena ler, pois em suas poucas páginas ele provoca um mergulho na alma humana", sugere.

Eis um trecho: "A vida é comumente e metaforicamente comparada ao mar. Os homens vão tocando o barco! O mar, cercado de temores desconhecidos, impinge ao homem o medo. Esses preferem, em regra, a comodidade daquilo que conhecem".

Leia aqui e abaixo a íntegra da resenha:

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A Ilha Desconhecida

22 de outubro de 2014

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Contém Spoiler

A vida é comumente e metaforicamente comparada ao mar. Os homens vão tocando o barco! O mar, cercado de temores desconhecidos, impinge ao homem o medo. Esses preferem, em regra, a comodidade daquilo que conhecem.

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A ilha, como figura, serve para atender o homem em duas condições: quando quer a solidão "todo homem é uma ilha" ou quando precisa justificar suas relações sociais "nenhum homem é uma ilha". Para ambas as definições há sempre ilhas desconhecidas.

O poder no exercício absoluto despreza o povo. O plantonista poderoso está sempre pronto para receber mais agrados e coisas do que responder às necessidades de quem precisa.

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O grande escritor português, recebedor do Nobel de literatura, José Saramago, toma esses assuntos, e oferece num texto curto, porém profundo e reflexivo, o livro que se chama "O conto da ilha desconhecida", publicado pela Companhia das Letras. Vale a pena ler, pois em suas poucas páginas ele provoca um mergulho na alma humana.

O homem bate à porta do Rei. No castelo há varias portas. Numa se pede ("petições") noutra se recebe ("obséquios"). O Rei adora ficar na porta dos obséquios recebendo mimos e afagos. Da pouca atenção para a porta dos pedidos e determina uma longa fila de burocratas ("o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário, este chamava o terceiro, que mandava o primeiro-ajudante que por sua vez mandava o segundo...") para atender, ou não, os pedidos apresentados que, ao final será sempre respondido pela faxineira.

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O homem pede um barco. Quer ir ao encontro do inexplorado. Encontrar a Ilha Desconhecida. Ela pode ser aquela porção de terra cercada de água por todos os lados ou pode ser a angústia de não suportar mais a rotina e a repetição de movimentos arrastando as horas duma vida muitas vezes sem razão. Descobrir essa Ilha implica em navegar: para dentro e para frente.

E para encontrar o desconhecido o timoneiro não pode ter carta de navegação, senão ele segue rastros já pisados e chega aos lugares já revelados. Seu desejo é conhecer aquilo que ele nunca viu ou viveu. A tentação da Ilha Desconhecida é a busca do novo, do desafio, da aventura.

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Na vida se você quer mudar e enfrentar o desconhecido é preciso se despir das amarras do presente para encarar os caminhos, que nem sempre você escolhe, mas que as circunstâncias impõem.

O Rei premido pela determinação do homem e pressionado pelos inúmeros súditos em frente à sua casa resolve atender seu pedido. Mas antes resolve passar um pito no súdito para reafirmar seu poder. "Sou o Rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me todos", mas o homem sem temer o poderoso lhe diz: "Mais lhe pertencerás tu a eles do que eles a ti". O Rei surpreso pela ousadia pergunta: "Que queres dizer?". O homem de forma singela responde: "Que tu, sem eles, és nada, e que eles, sem ti, poderão sempre navegar". O Rei resignado finaliza a conversa e passa-lhe um bilhete para entregar ao Capitão, autorizando-o a pegar um barco e seguir seu rumo. O homem corre para o cais com o bilhete do Rei para encontrar o barco.

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O Capitão intrigado com a decisão do homem em procurar a ilha desconhecida tenta convencê-lo de que "já não há ilhas desconhecidas". O resoluto sujeito do povo foi firme: "É estranho que tu, sendo homem do mar, me digas isso, que já não há ilhas desconhecidas, homem da terra sou eu, e não ignoro que todas as ilhas, mesmo as conhecidas, são desconhecidas enquanto não desembarcamos nelas". Sem prolongar o papo, o capitão do reino indica o barco que "navegue bem e seja seguro" e que poderá levar o homem ao seu destino.

Caminhando na direção do barco o homem encontra a mulher da limpeza que o recebeu quando ele foi apresentar seu pedido ao Rei. Ela havia abandonado seu posto e estava determinada a seguir com o homem na busca da Ilha Desconhecida. Ao decidir rumar ao ignorado à mulher da limpeza (que também cosia) se mostra duplamente corajosa. Larga o emprego e uma situação estável por um sonho que foi despertado pela ousadia do homem, que como uma faísca, incendiou o seu interior e despertou o desejo de conhecer um novo mundo. Segura, ela vaticina: "Saí do palácio pela porta das decisões" e agora é partir. Ato contínuo iniciou a limpeza do barco enquanto o homem ia à cidade procurar tripulantes para a aventura.

Para encontrar a Ilha desconhecida (na geografia ou na alma) o ideal é arrumar uma companhia que sonhe o mesmo sonho e que se disponha a viver a aventura dos passos da surpresa e que tenha coragem de enfrentar o mar, muitas vezes bravio, para atracar a embarcação num porto de amurada pintada com prazer.

O homem volta "sozinho e cabisbaixo" com um "embrulho na mão". Antes que ela perguntasse qualquer coisa, foi logo falando: "Trago aqui comida para os dois". "E os marinheiros", perguntou ela. "Não veio nenhum... Disseram-me que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos de areia para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível". Repetindo o Rei e o Capitão, os trabalhadores estavam acomodados e sem disposição para aventurarem no descobrimento de outras realidades e não queriam outros desafios para a vida. Ainda mais na companhia de um "louco"!

No interior do barco a sós e com o cair da noite surge à mulher com um coto de vela para iluminar os passos no interior do barco. Com a chama iluminando seu rosto, pôde o homem ver e pensar: "É bonita". E imediatamente refletir: "como as pessoas se enganam nos sentidos do olhar, sobretudo ao princípio". Um foi a estibordo e outro a bombordo carregando os pensamentos e se despedindo com um boa noite.

O homem sonha intensamente e acorda nos braços da mulher da limpeza "confundidos os corpos" e sem localizar se era estibordo ou bombordo. Olhando o sol nascer e no balanço do mar eles descobrem que acabaram de encontrar a ilha desconhecida e assim descem do barco e munidos de uma lata de tinta pintam na proa do barco com "letras brancas" o nome da embarcação: "A ilha Desconhecida".

Assim o homem confirmara sua profecia. "Quero encontrar a Ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver". E indagado pela mulher: "não o sabes?". Ele suspirou e definiu: "Se não sais de ti, não chegas a saber quem és". Ele tinha se encontrado!

De forma excepcional numa escrita ligeira, com parágrafos longos e diálogos entrecortados por vírgulas, José Saramago faz a pena correr e as ideias se formarem como uma pintura. Um belo conto de um grande escritor!

João Paulo Cunha
Julho/2014

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