O mundo mineiro de Bartolomeu Campos de Queirós

João Paulo Cunha discorre sobre cinco livros do escritor mineiro de Papagaios, formando um "mundo próprio e diferente", como diz; "São poesias proseadas, amarradas pelo coração e pelo olhar de um menino", descreve o ex-deputado, em mais um de seus textos literários; leia a íntegra

João Paulo Cunha discorre sobre cinco livros do escritor mineiro de Papagaios, formando um "mundo próprio e diferente", como diz; "São poesias proseadas, amarradas pelo coração e pelo olhar de um menino", descreve o ex-deputado, em mais um de seus textos literários; leia a íntegra
João Paulo Cunha discorre sobre cinco livros do escritor mineiro de Papagaios, formando um "mundo próprio e diferente", como diz; "São poesias proseadas, amarradas pelo coração e pelo olhar de um menino", descreve o ex-deputado, em mais um de seus textos literários; leia a íntegra (Foto: Gisele Federicce)


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247 – Em nova resenha, o ex-deputado João Paulo Cunha escreve não apenas de um, mas sobre cinco livros. Foi uma forma de falar sobre Bartolomeu Campos de Queirós (1944-2012) e seu "mundo mineiro".

"Coisas aparentemente triviais adquirem com a tinta de Bartolomeu uma força impressionante. Às vezes de forma singela, mas com profundidade bíblica", observa João Paulo. "Bartolomeu Campos de Queirós faz parte da melhor escola de Minas. Aquela que cria mundos, dialetos, realidades fantásticas e faz das coisas simples um prazer".

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O mundo mineiro de Bartolomeu Campos de Queirós

7 de novembro de 2014
As estrelas, quando muitas, formam uma constelação. Nuvem é coletivo de gafanhotos. Os instrumentistas quando se juntam viram uma orquestra. Borboletas voando em bando é panapaná. Uma biblioteca é um conjunto de livros. Agora, quando se juntam vários livros de Bartolomeu Campos de Queirós (1944-2012), você forma um mundo próprio e diferente. Ele é traçado aqui a partir de cinco de seus livros. Mas esse mundo pode ser maior. Mineiro de Papagaios, Bartolomeu tem uma vastíssima obra. São mais de sessenta livros publicados. Ganhou vários prêmios e muito reconhecimento. Quase todos são autobiográficos e invariavelmente a origem é sua infância.

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São poesias proseadas, amarradas pelo coração e pelo olhar de um menino. O tempo é sua matéria prima: ele "atravessa tudo". Suas reminiscências são combustíveis para ele mostrar de onde veio e o mundo que o circundou. Parece sempre tomado de dor, mas há faíscas de esperança.

Trabalha com palavras que ganham vida e que "feitas de pedaços,... cabe à gente juntá-los". Essas palavras são dispostas com sensibilidade. Palavras que saem das bocas, que miram em algo estático aos nossos olhos e agitado ao nosso coração. Filosofa: "Mas para tomar da palavra é necessário sentir o incomodo de vivê-la. Todas as coisas existem, mesmo ausentes de nós".

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Descobre o que fazer com as palavras. "Escrever é impedir o esquecimento". Então, ele lembra e escreve. Da infância ele trás um mundo que todos nós conhecemos. "Menino aprende muito mais. Menino tem olhos novos e coração descansado".

Ao revisitar sua casa encontra o amor da mãe que tinha uma força enorme. Esse amor "chegava num pedaço de doce a mais, num olhar mais prolongado acariciando o coração, num "vai com Deus" na saída para a escola". Reencontra também o amor do pai que era diferente. "O vazio de sua ausência trancava nossas bocas de maneira desmedida. A urgência de seu retorno ocupava os dias e tornava as tardes mais longas".

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A professora era uma vida a ser observada. Ela "gostava de vestido branco, como os anjos de maio. Ninguém tinha maior paciência, melhor sabedoria, mais encanto. Um cheiro de limpeza coloria o ar quando ela passava". Na escola aprendeu a ler. Rapidamente percebeu que "dentro das palavras moram histórias". E escola, professora, caderno, lápis e dever de casa passaram a formar um pedaço de sua história.

Na sua particular geografia descobriu que em seu mundo tinha um quintal que era "longo e se espichava até o córrego... plantado inteiro de laranjas e mexericas" e sua cidade, com suas ruas e suas personagens, era "pequena e plana" e vivia "cansada de tanta paz". Sua cidade "dormia cedo e acordava com o canto dos galos". Tinha "um rio com destino ao mar que dividia a vila ao meio". E o mar era "belo por ser grande demais. Tudo cabe dentro de sua imensidão: viagens, sonhos, partidas, chegadas, mergulhos e afogamentos".

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Bartolomeu conta uma história de um coração que habitava o interior de um castelo [Livro: Coração não toma Sol, da Editora FTD, com desenhos de Mario Cafiero]. Narra o trabalho incansável desse coração. Sua interação com o amor, as belezas que granjeava as dificuldades inerentes ao seu ofício. Caminhava por um chão de plumas e outro de pedras. Mas sempre firme. Contudo, com o tempo e as decepções encontradas, o coração cansa e pede ao castelo para ver o mundo por fora de seus muros. Não quer mais só sentir.

Então o castelo resolve presentear o coração com um pedaço do sol. "Ele sabia que o coração jamais havia provado a luz". Ele (o castelo) amava o sol "e se tinha ternura pela noite, era por provar nela a saudade do sol". O coração estava dividido em cinco partes: a infância no fundo; alguns fatos ao lado direito, outros ao esquerdo, "o apenas imaginado - palavras nunca faladas - quietava-se nas bordas de cima" e "ao centro as ocorrências" gerais.

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E, tomando as partes do coração, o castelo resolveu pendurá-las no varal. Quando o castelo pendurou o primeiro pedaço todo mundo se identificou, pois via ali as alegrias e os desalentos de todo homem. O castelo seguiu em frente e continuou pendurando os outros pedaços. E assim ele procedeu até formar o coração inteiro no varal. Todos transpareciam com aquela peça ao sol. Ou seja: o coração exposto era uma forma de todos se revelarem. O castelo "se enganou ao supor que o coração estava tomando sol. Ele tomou foi amor". Percebeu assim que seu papel era definitivamente ser coração e reassumiu seu posto.

Coisas aparentemente triviais adquirem com a tinta de Bartolomeu uma força impressionante. Às vezes de forma singela, mas com profundidade bíblica. Veja o silêncio: ele "não dorme. Seu sono é leve e tudo lhe acorda: o brilho da estrela, o mormaço do sol, o frio da lua, a música das águas, o destino pela felicidade. Só o coração que bate não perturba seu sossego" [Livro: Para ler em silêncio, da Editora Moderna]. Fala de um silêncio barulhento que, de vez em quando, sufoca o coração e deixa completamente lotado o espírito. Mas o autor dá uma saída para desafogar o coração e esvaziar a alma: escrever. Assim, o homem fica livre para receber o universo que "tem o tamanho da fantasia" que cada um sonha e escreve.

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Bartolomeu Campos de Queirós resolve, quando a saudade aperta, continuar visitando seu tempo de menino que "órfão de explicações" e sentado à beira do caminho em que ele daria os primeiros passos indaga: "Quem despertou o desejo do açúcar no coração da formiga? Em qual escola ensinaram a abelha fabricar o mel? Quem imprimiu o arco-íris nas asas da borboleta? Quem é o professor de canto dos pássaros?". Quem foi criança e passou pela fase dos porquês e não quis o pai por perto para ajudar a responder essas indagações?

Ainda menino o autor repara que as pessoas começam a perceber sua presença. Ele olha de volta para além das pessoas. Descobre que "escrever era fugir da solidão. Escrever para dizer dos meus sustos àqueles que longe de mim pisavam o mesmo chão." A escrita passa a ser uma saída para ele continuar vivendo ali com gente perto, mas às vezes se sentindo só. Refletia: "Nem sempre estar perto é estar acompanhado". No entanto, resiste à solidão e descobre que "como os homens, também a escrita não suporta a solidão".

Ao descobrir a escrita, Bartolomeu quer encontrar a palavra não pronunciada, nem escrita. Procura dentro de si e recebe como resposta: "Eu lhe dou o depois da lua, tudo lá é sem nome". Ir para depois da lua é como mergulhar de forma vertical para dentro de sua própria alma e avistar que "escrever é desfazer dos medos". Nasce o escritor!

Bartolomeu vai mais longe com suas metáforas e as combinações de sua própria vida e sua experiência. Cuida de reparar no olho de vidro do seu avô [Livro: O olho de vidro do meu avô, da Editora Moderna]. Esse fato, que poderia passar despercebido por qualquer pessoa, para o autor vira um mundo de reflexões. Com um olho o avô enxergava o que estava ao seu alcance. Com o de vidro ele era transportado para a fantasia e a imaginação. "Para sonhar não se precisa de olhos".

Era efetivamente um avô especial. Às vezes, saia de casa e deixava o olho de vidro de prontidão sobre a mesa da cozinha, guardando a casa e o quintal. Ainda com fôlego, o autor coloca seus leitores na boleia do caminhão dirigido pelo pai do menino para, metaforicamente, devanear sobre os olhares. Ligado na estrada e olhando para frente via o futuro; olhando as laterais, o presente e fixando no retrovisor via o que passou. O pai, pensava o menino, tem muitos olhares. Diferente do avô que só tinha um olhar. O outro era morto. Era de vidro. Mas como enxergava o avô! "Com um olho você vê o raso e com o outro mergulha o fundo".

Mas que mistério haveria por detrás daquele olho de vidro do avô? Um dia ele sai e não volta mais. E o passar das horas angustia! "Os dias venciam a esperança". Tempos depois acharam, jogadas num terreno baldio, as roupas cheirosas de meu avô junto com o seu olho de vidro que, encostado num canto do terreno, observava o mundo ao seu redor. E essa foi a única herança deixada pelo avô.

Bartolomeu estampa em um dos livros [Livro: Ler, escrever e fazer conta de cabeça, da Editora Miguilim] uma foto que remete imediatamente ao curso primário de priscas eras. Certamente muitos meninos daquela geração têm fotos iguais a esta. O aluno sentado na mesa da professora, um mapa como pano de fundo, o riso quase saindo e a camisa branca de fustão. Como um diário do passado, o autor mostra a descoberta da escola, a roupa limpa, o respeito nos lábios e o encontro com a professora. Era um prazer "abrir o caderno limpo e batizar as folhas com a sabedoria da professora".

Não satisfeito em cavoucar sua memória e dar vida a palavras, preenchendo-as de grandes significados, Bartolomeu olha para o público infantojuvenil e trás a tona [Livro: Onde tem bruxa tem fada..., da Editora Moderna] o debate sobre o significado de fadas e bruxas no mundo contemporâneo. A partir de uma ideia, que se transforma em fada, o autor solta-a no mundo para interagir com as crianças, escutando seus sonhos e recebendo seus pedidos. Surpreendentemente, a fada descobre que os meninos de hoje não apresentam mais pedidos, pois suas relações são estabelecidas pelo dinheiro ("quanto custa, quanto?"). Para tristeza da fada, as relações mercantis suplantaram os desejos. O consumismo desenfreado e a visão individualista prescindem de sonhos e fadas. E as bruxas andam soltas. Elas atendem pelo nome de mágicos. E vivem em agências de publicidade, despertando o desejo de consumo nos jovens do mundo.

Entretanto, "a fada não desanimava. Ela sabia que menino tem tanto desejo adormecido!" E é preciso acreditar nos sonhos e lutar para torná-los realidades. As bruxas querem estabelecer que "na terra não se pode aprender nada pelo coração". As fadas querem que "seus encantamentos" sejam coisas para "alegrar o coração".

Bartolomeu Campos de Queirós faz parte da melhor escola de Minas. Aquela que cria mundos, dialetos, realidades fantásticas e faz das coisas simples um prazer. De tão real, não há dúvida nas suas histórias: foi menino o homem que escreveu essas prosas com jeito de poesia. Sua linguagem, destinada ao público infantojuvenil, gera reflexões profundas nos adultos.

Ninguém carrega um passado dessa forma impunemente. Ou se escreve ou se deita no divã. Às vezes, os dois! Bartolomeu resolveu escrever. Esse é o mineiro Bartolomeu! Sonha, pensa, fala e escreve.

João Paulo Cunha
Junho/Julho - 2014

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