"Retrato do Artista" tem "jeito poeta de escrever prosa"

Em nova resenha, João Paulo Cunha fala sobre o livro “Retrato do Artista quando jovem Cão”, de Dylan Thomas, obra formada por dez contos; "Dylan Thomas viveu pouco, mas foi muito ativo. Repórter, registrou com documentários a segunda grande guerra. Viajou o mundo como jornalista inventariando descobertas e acontecimentos. Embriagou literalmente ao ponto de perder a guerra para o álcool. Quando abracei Dylan Thomas senti um pulsar diferente. Em seus dez contos comprimidos nesse livro ele cresce transbordando sedução poética", diz Cunha

Em nova resenha, João Paulo Cunha fala sobre o livro “Retrato do Artista quando jovem Cão”, de Dylan Thomas, obra formada por dez contos; "Dylan Thomas viveu pouco, mas foi muito ativo. Repórter, registrou com documentários a segunda grande guerra. Viajou o mundo como jornalista inventariando descobertas e acontecimentos. Embriagou literalmente ao ponto de perder a guerra para o álcool. Quando abracei Dylan Thomas senti um pulsar diferente. Em seus dez contos comprimidos nesse livro ele cresce transbordando sedução poética", diz Cunha
Em nova resenha, João Paulo Cunha fala sobre o livro “Retrato do Artista quando jovem Cão”, de Dylan Thomas, obra formada por dez contos; "Dylan Thomas viveu pouco, mas foi muito ativo. Repórter, registrou com documentários a segunda grande guerra. Viajou o mundo como jornalista inventariando descobertas e acontecimentos. Embriagou literalmente ao ponto de perder a guerra para o álcool. Quando abracei Dylan Thomas senti um pulsar diferente. Em seus dez contos comprimidos nesse livro ele cresce transbordando sedução poética", diz Cunha (Foto: Valter Lima)


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Resenha de João Paulo Cunha - Dylan Thomas só viveu a juventude. Tempo suficiente para criar um mundo. Aliás, o que é a vida além da juventude? O fastio modorrento da ideia de estabelecer? O cinismo travestido de experiência? De companheirismo? As mentiras crescentes de um dito passado jovial e altaneiro que foi intenção e vontade? Arre! Nem sempre morrer jovem é ruim.


Dylan morreu aos 39 anos (1914/1953) e completaria 100 anos em 2014. Está “como um cão vivo debaixo dos lençóis/ debaixo da camisa/ da pele”, como diria João Cabral de Melo Neto aos aventureiros dos escritos de Dylan Thomas. É um jovem de prosa infinda, celebrado pelo bom gosto de quem o descobre.

Ele nasceu no país de Gales – uma das nações que formam o Reino Unido - e despertou para a escrita ainda muito jovem. Por isso escreve num tempo primaveril, com reminiscências da infância. Arrasta sua família como personagens marcantes. E os cenários predominantes são os lugares de sua aldeia. Um pouco idílico e recheado de cenas surreais, mas sem absurdos. Ele é o próprio jovem cão (“Gosto de andar sem rumo, de ficar assim, sem ter o que fazer”... “um viciado em esquinas”). Seus contos acompanham seu crescimento.

Tropecei em sua obra por acaso e fui impactado pelo titulo “O retrato do artista quando jovem cão”. Lembrei de James Joyce (1882/1941) e seu livro “O retrato do artista quando jovem” e do poeta mato-grossense, morto recentemente, Manoel de Barros e seu poema “Retrato do artista quando coisa”. Um retrata as idiossincrasias juvenis (“Você me perguntou o que eu farei e o que eu não farei. Eu lhe direi o que farei e o que não farei. Não servirei àquilo em que não acredito...”). O outro o artista quando coisa (“A maior riqueza do homem é sua incompletude... Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas... penso renovar o homem usando borboletas.”). Os contos de Dylan são um pouco tudo isso!

Ao ler “Retrato do Artista quando jovem Cão”, da Editora José Olympio, fiquei deveras impressionado. É um conjunto de dez contos que faz as palavras dialogarem com os sons de suas pronúncias. É um jeito poeta de escrever boas prosas, quase sempre em primeira pessoa. Seus devaneios são dispostos metricamente em sentenças, num bailado singular.

Começa criança correndo “aos berros pelo vale arborizado, escalpelando amoreiras-pretas... espreitando os arbustos cerrados das margens do riacho”. É testemunha infantil da desilusão amorosa de duas mulheres (“Patrícia” e “Edith”) que amam o mesmo homem. Esse homem não fatiga e evoca precedentes: “Centenas de homens amam mais de uma mulher...”. Estranho compartilhamento para uma criança que dava os primeiros passos na vida.

Espanta também, ainda acriançado, expressar pensamentos através de seus personagens (um pouco autobiográfico) que sobejam questões da vida. “Pensei que estivesse caminhando por longos e úmidos becos a vida inteira, e subindo escadas sozinho, no escuro”. Aborda a luta com vários olhares. Ela é disputa física em que um apanha (“o menino desconhecido me acertou dois socos”) e outro bate (“achatei-lhe o nariz com um soco”). Mas é também uma peleja com a natureza, o sobrenatural que enche a cabeça de meninos; o drama das relações humanas e o sofrimento que acentua à medida que o menino cresce e adentra ao mundo dos adultos: “Por que um homem tem sempre vergonha da mãe? Talvez não tenha quando crescer.”

Dylan já desconfiava da humanidade. Suas peripécias são povoadas por vestígios religiosos: “Uma vez encontrei um monte de poemas no quarto dele. Todos escritos para moças. Ele me mostrou depois e tinha trocado o nome das moças pelo nome de Deus”. Dylan está falando de um menino, mas certamente é dele próprio que se trata. São contradições in natura. E vive uma juventude angustiada: “a vida é triste sem um lar”, mas qual lar?

Percebe a ausência: “Quem você queria que estivesse conosco”? E os mortos e doentes rapidamente emergem no texto quase como um acerto de contas. A presença do amigo é insuficiente para preencher o vazio.

Comove o enfado do avô desistindo de viver como morto num lugar insípido: “Não faz sentido jazer aqui... - E onde pensa que vai com esta mala preta? - Vou para Llangadock ser enterrado, disse o avô. - Mas você não morreu ainda. O avô refletiu por um momento. - Não tem sentido ficar morto em Llanstephan, disse. Em Llangadock o chão é mais generoso: pode-se estirar as pernas sem correr o risco de entrar no mar”. Enfrentar essa desilusão do avô inspirá-lo-ia a concluir que “cada sol uma agonia” e que “o futuro esvaiu-se com a luz”.

A parte mais desiludida do autor localiza-se nos últimos contos, onde aparentemente ele já está mais velho. E ele aprofunda: “Os homens não passam de uns enganadores”. Já “desalentado rapaz, com a tristeza vergando-lhe os ombros” ele descobre que fica “mais velho e mais sábio, mas não melhor” e num balcão de um bar qualquer, vertendo um copo de rum, resigna-se: “ninguém nos ama a não ser nós mesmos.”.

Dylan Thomas viveu pouco, mas foi muito ativo. Repórter, registrou com documentários a segunda grande guerra. Viajou o mundo como jornalista inventariando descobertas e acontecimentos. Embriagou literalmente ao ponto de perder a guerra para o álcool.

Quando abracei Dylan Thomas senti um pulsar diferente. Em seus dez contos comprimidos nesse livro ele cresce transbordando sedução poética: “Poetas vivem e andam com seus poemas; um homem com visões não requer companhia; serenidade era coisa para velhos;...”. Às vezes era tocado por Fernando Pessoa: “... sentindo a antiga vergonha e a velha piedade”; “o rapaz continuava sentado a só, com as sombras do seu fracasso ao lado”. Termina existencialissimamente: “Alguns anos antes que eu soubesse que era feliz.”.

Sua obra se completa com outro ótimo livro chamado “Poemas Reunidos”, sobre o qual escreverei oportunamente.

João Paulo Cunha
Dezembro/2014

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