'Se Dilma cair, vai ter quebra-quebra como na morte de Getúlio'

O ator Paulo Cesar Pereio, um dos mais polêmicos do País, traçou o cenário do que ocorreria em eventual ruptura do processo democrático no Brasil, com um golpe contra a presidente Dilma; "Vai ser um quebra-quebra poderoso! Não vai ser um simples quebra-quebra...Vai ser um estoura-estoura. Detona-detona. Com as pessoas se comunicando pela internet?! Com receita de bomba?! Com bomba sendo vendida em casa de fogos Caramuru?! O que matou aquele cinegrafista no Rio? Foi fogos Caramuru, cara! Foi rojão que se vende para criança no interior do Brasil", disse ele, em entrevista ao jornalista Alex Solnik; leia a íntegra

O ator Paulo Cesar Pereio, um dos mais polêmicos do País, traçou o cenário do que ocorreria em eventual ruptura do processo democrático no Brasil, com um golpe contra a presidente Dilma; "Vai ser um quebra-quebra poderoso! Não vai ser um simples quebra-quebra...Vai ser um estoura-estoura. Detona-detona. Com as pessoas se comunicando pela internet?! Com receita de bomba?! Com bomba sendo vendida em casa de fogos Caramuru?! O que matou aquele cinegrafista no Rio? Foi fogos Caramuru, cara! Foi rojão que se vende para criança no interior do Brasil", disse ele, em entrevista ao jornalista Alex Solnik; leia a íntegra
O ator Paulo Cesar Pereio, um dos mais polêmicos do País, traçou o cenário do que ocorreria em eventual ruptura do processo democrático no Brasil, com um golpe contra a presidente Dilma; "Vai ser um quebra-quebra poderoso! Não vai ser um simples quebra-quebra...Vai ser um estoura-estoura. Detona-detona. Com as pessoas se comunicando pela internet?! Com receita de bomba?! Com bomba sendo vendida em casa de fogos Caramuru?! O que matou aquele cinegrafista no Rio? Foi fogos Caramuru, cara! Foi rojão que se vende para criança no interior do Brasil", disse ele, em entrevista ao jornalista Alex Solnik; leia a íntegra (Foto: Aline Lima)


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Por Alex Solnik

O Paulo César Pereio é um cara engraçado no dia a dia, capaz de tirar graça das situações mais insólitas, como daquela vez em que peidou dentro de um elevador lotado. Um senhor circunspecto o admoestou: “Como é que o senhor solta um pum na frente da minha mulher”? EPereio: “Desculpe... eu não sabia que era a vez dela”. Nos idos de 1969, quando o conheci, ele costumava recitar uma poesia que escreveu e que dizia mais ou menos assim: “eu era feia/ eu era a moça mais feia da aldeia”. No cinema, no entanto, seus grandes papeis foram dramáticos, como em “Os Fuzis”, “Terras em Transe”, “O bravo guerreio”, “Eu te amo”, “A dama do lotação”. Aos 74, consumidor assumido e contumaz, anuncia o adeus às drogas e às mulheres. “A temporada de caça terminou” decreta. Embora filiado ao PSB e se dizendo base aliada, diz a 247 que Dilma foi muito teimosa, cometeu erros, tem que se retratar e que alguma coisa vai acontecer com ela se não fizer tudo isso.

Hoje é 24 de agosto, você reparou?

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É o dia do cachorro louco?

O dia em que, em 1954, Getúlio saiu da vida para entrar na história...Você já era grandinho, né?

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Eu tinha treze...

Como você era em 1954?

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Em 54 eu ainda não trepava com mulher. Eu batia punheta. Nem sei se batia bem, acho que era ruim de punheta.

Tinha revistinha?

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Tinha. Cinelândia! Eu via a Gina Lollobrigida de maiô, batia uma punheta. E tinha revistinha de sacanagem. A sacanagem sempre rolou solta. Quanto maior a repressão, maior a sacanagem. Eu ficava o dia inteiro de pau duro. Batia de cinco a seis punhetas por dia. Eu parava num mictório público, batia punheta no mictório público. Via uns troços nas vitrines, via aquelas gaúchas gostosas... o tempo todo de pau duro. 

Você se lembra desse dia?

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Me lembro. Teve quebra-quebra em Porto Alegre.  Eu estava na aula, no Colégio Nossa Senhora das Dores. Colégio de padre era alternativa para escola pública. Em escola pública não era mole entrar. Os “irmãos” eram todos “fanchonas”. Comiam os menininhos. A gente sabia das coisas, não era da turma que dava para os padres, mas tinha padre que pegava na mão da gente, dizia “vamos comungar nos meus aposentos”, e a gente ia na casa do padre, onde tinha uma cama, um genuflexório, a gente chegava lá, o padre estava ajoelhado e a gente ficava ajoelhado na frente, contando os pecados e o padre às vezes pegava na mão da gente, quer dizer... Uma vez pegou, eu fiquei puto, contei para o meu pai, meu pai foi lá falar com o padre. Tinha guri que era filho da puta. Sim, que a mãe era puta. O pai era marinheiro. Tinha de tudo. Colégio de padre... A aula começava cedo. No dia 24 de agosto de 1954 tivemos uma aula ou outra e depois chegou um padre que falou com o “irmão” que estava dando aula e depois falou que não ia ter aula e era para todo mundo ir quietinho para casa.

Ele não explicou o motivo, que Getúlio tinha se matado?

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As rádios já estavam dando a notícia, mas ele não disse o que tinha acontecido. As aulas foram suspensas já prevendo que poderia ter quebra-quebra. Como teve. A recomendação era ir quietinho para casa, mas dizer “vai quietinho para casa” para um guri de 13 anos queria dizer “não vai para casa”.  O colégio ficava na rua Riachuelo, na cidade velha, perto da rua da Praia, que era um lugar de encontro de namoro todos os dias. Eu fui até um lugar conhecido como Largo da Merda onde todo mundo ia para saber as novidades. Era onde ficava a banca de jornal mais agitada da cidade, onde tinha sinucas, restaurantes, onde se almoçava e se conversava muito, se tomava cafezinho o dia inteiro. E aí teve uma coisa, que não sei se foi espontâneo ou estimulado, teve o famoso quebra-quebra. Que aconteceu também na morte da Carmen Miranda. Sempre que tinha um acontecimento retumbante pintava um quebra-quebra. Era quase como uma coisa espontânea, mas eu acho que não era espontâneo. Já tinha provocadores profissionais naquela época.  Tinha o PTB, dos getulistas e o Partido Libertador, de oposição, o PL. Meu pai era do PL. As sedes do PTB e do PL ficavam perto do Largo da Merda. E tinha muita conversa, porque não tinha telefone. O primeiro telefone da minha vida eu até me lembro o número: 3-3335. Os telefones estavam com cinco dígitos, mas ainda tinha alguns de quatro dígitos. De cada dez casas uma tinha telefone. Tinha um cartaz num bazar perto do telefone muito engraçado: “Não chamamos ninguém em casa. Favor não insistir”.

Você viu algum quebra-quebra?

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Claro que eu vi, eu estava lá.

Como eles quebravam? Com pedra? Pau?

Mas acontece o seguinte. Todos os bancos da cidade também ficavam naquela área.

Quebraram os bancos?

Não, os bancos eram os primeiros a fechar. Os bancos naquela época se pareciam com catedrais. A coisa estava mudando um pouco da igreja para grana. Aquela monumentalidade das igrejas, agora os bancos estão ficando assim... Antigamente eram as igrejas, agora são os bancos. Os bancos eram barulhentos. Porque todos ficavam escrevendo à máquina. Era mecanografia. Era muito barulhento, como redação de jornal antigamente.

Os bancos, então, eles não quebraram?
Os bancos eram o primeiro alvo. Depois os jornais, os cinemas...

Getúlio fez bem ao país?

Na revolução de 30 Getúlio caçou os nazistas. Mas ele era germanófilo. Ele só mudou quando se encontrou com Roosevelt em Natal, que era uma base americana em Natal e onde Getúlio foi beijar a mão dele.

E o Brasil recebeu em troca uma siderúrgica...

Mas, pensa um pouco, eu sou neto de alemão. O pai da minha mãe era alemão. E o pai do meu pai italiano. Imagino o que os italianos pensam quando chegam ao Brasil. Pensam em Mussolini, porra!  Que foi contemporâneo de Hitler, de Getúlio, de Roosevelt, todos grandes ditadores.

Roosevelt???

Roosevelt não deixou de ser um ditador nos Estados Unidos! Ele teve todos os poderes de um presidente em tempo de guerra. Dez anos no poder. Ditador. Eu vi o Getúlio uma vez, em Alegrete, onde nasci, escondido do meu pai. A morte do Getúlio é como a Tomada da Bastilha. É uma data como antes e depois, até ali e depois dali. Eu tenho uma versão absolutamente minha do suicídio: eu acho que ele era suicida. O filho dele, o Maneco, que eu conheci bem, era o mais simpático dos filhos do Getúlio, ele depois de velho, se matou como o pai, do mesmo jeito, com um tiro no coração. O suicídio andava por ali. O suicídio nos rondava. Tinha uns parentes que se suicidavam. Em Porto Alegre tinha um viaduto muito antigo, art decô, o Viaduto Otávio Rocha, na Rua Borges de Medeiros e toda hora uma pessoa se jogava de lá de cima. Um dia, os jornais, a Zero Hora, que era do Sirotsky e a Folha, do Breno Caldas, os Diários, do Assis Chateaubriand e algumas rádios decidiram não noticiar mais os suicídios do viaduto. E aí pararam de se matar no viaduto.

Só a Virginia Lane não aceitou o suicídio do Getúlio. Até morrer sustentou que estava lá na hora e ele foi assassinado.

É mentira dela.

Talvez fosse mitômana. Getúlio teve muitas amantes, né? O que contam dele no Sul?

Contam muitas coisas. Contam, inclusive, que ele dava a bunda para o Gregório.

O que?

Se diz tudo, cara! Naquele tempo as coisas eram mais secretas, portanto se contava mais histórias. Era uma época em que tinha produção permanente de boatos.

E se difamava à vontade.

Não era só isso. Se desviava as atenções. O boato era uma coisa impressionante. Tinha cara que inventava boatos sozinho. Tinha boateiros profissionais que viviam lançando boatos.

E essa história de “mar de lama”?

“Mar de lama” sempre vendeu jornal. “Mar de lama”... “País à beira do abismo”... Tem uma cena de uma peça do Nelson Rodrigues assim: “Ô Pardal (o dono do jornal para Pardal, que hoje seria o editor) qual é a manchete do jornal”? "Bota aí: país à beira do abismo”. Isso é a imprensa passional da época, papel e tinta radical.

Teu pai era militar, né?

Meu pai era um militar que ficava à direita do Genghis-Kan! Tenente anti-getulista. Fez a revolução de 30, botou o Getúlio no poder, depois ficou contra Getúlio. Parecia uma coisa pessoal. Era muito passional a coisa. As pessoas ficavam muito inflamadas. Meus primos quero-quero, getulistas, diziam que os do PL eram marimbondos: poucos, vermelhos e não dão mel. Era o PL, do Raul Pilla... do Mem de Sá...do Brossard...

Como você virou brizolista? Quem te levou ao Brizola?

Ninguém, cara. Minha mãe era taquígrafa na Assembleia Legislativa, na qual o Brizola era deputado. Tinha sessões que viravam madrugada e eu ia lá com ela. Os taquígrafos sabiam tudo que era dito. Eles pegavam em código, decifravam o código... porque tinha vários. Eu aprendi. Você acaba desenvolvendo um código teu. Por exemplo: “fácil” é “fil”; “difícil” é “difil”.

Como você se aproximou do Brizola?

Eu ia à Assembleia e o Brizola estava sempre lá. Ele era muito criticado lá em casa, inclusive porque era meio primitivo, assim. Ele era de Carazinho, a área das minas no Rio Grande. E o Brizola não tinha registro de nascimento. O Brizola descobriu quando entrou na faculdade, que era o grande orgulho dele – o Brizola gostava de ser chamado de engenheiro, de nenhuma outra coisa. E o nome dele era Itagiba. E ele descobriu quando estava entrando na faculdade de Engenharia que ele não tinha registro de nascimento. Quando ele nasceu não foi registrado. Então ele tirou esse nome Itagiba, que ele detestava – inclusive porque Brizola era muito machista, Itagiba termina com “a” – quando me disseram uma vez que um cara “era muito sem-vergonha”, eu pensei: “mas é homem, devia ser sem-vergonho”. Itagiba não era bem um nome de homem, né? Brizola mudou para Leonel. Leão. Ele não tinha registro de nascimento, ele se registrou.

É um personagem épico.

Parece Gandhi... ou Buda... Sidarta Gautama... E quanto mais passa o tempo ele fica mais lendário.

Como ele atuou em 1961, na campanha da legalidade, quando os militares não deixavam Jango, o vice, assumir depois da renúncia do presidente Jânio?

Naquela época ele falava todo dia pelos alto-falantes que instalou na praça da Alfândega, perto do Largo da Merda.

A radicalização da época entre getulistas e antigetulistass...

Antes eram chimangos contra maragatos... isso sempre existiu...Tinha a ver com as fronteiras. Os chimangos eram meio argentinistas, tinham a liderança do Peron, que chegava até nós. As rádios argentinas chegavam até nós com mais nitidez, na fronteira, que as rádios brasileiras.

Aquela radicalização é parecida com a de hoje?

Claro! Esse negócio de direita e de esquerda, bicho, porque tinha aquele pessoal, na França, a burguesia sentava à esquerda do rei, esses que depois passaram se chamar snobs, os sem nobreza, sine nobilitáte, snob quer dizer “s” ponto, nob, sine nobilitáte, que eram pessoas do povo que enriqueciam com o comércio enquanto o pessoal da nobreza sentava à direita. Esquerda e direita é um pouco disso aí. O segundo turno dá nisso. Sempre divide em dois. Esquerda contra direita. O próprio sistema eleitoral estimula esse confronto.

Você prefere o PT ou o PSDB?

Eu sou filiado ao PSB. Eu fui candidato a vereador em 2012.

Quantos votos?

Dois mil. Eu sou da base aliada. Estou no poder. Mas o governo cometeu erros. A Dilma tem que se retratar. Tem que pedir desculpas.

Vai ser difícil.

Ela foi teimosa, mas tão teimosa que o país caiu numa crise de autoridade... o país está acéfalo. Não tem governo. Quem é que está mandando? Quem é que está governando? Renan Calheiros?! Porra, Renan Calheiros era ministro da Justiça do Collor!

Se tiver alguma ruptura – impeachment, renúncia, algo assim – pode ter quebra-quebra como quando morreu Getúlio?

Eu acho que sim. Vai ser um quebra-quebra poderoso! Não vai ser um simples quebra-quebra...Vai ser um estoura-estoura. Detona-detona. Com as pessoas se comunicando pela internet?! Com receita de bomba?! Com bomba sendo vendida em casa de fogos Caramuru?! O que matou aquele cinegrafista no Rio? Foi fogos Caramuru, cara! Foi rojão que se vende para criança no interior do Brasil.

O que são essas pessoas que vão à rua de amarelinho aos domingos?

Acho que isso é uma coisa da internet.

Essa turma que bate panela?

Eu acho que é internet. A tal hora todo mundo bate panela. É só digitar e pronto. É um movimento sem liderança.

A Dilma vai se segurar até 2018?

Não sei se aguenta muito tempo, porque é muita incompetência. Os caras continuam gastando dinheiro, continuam torrando grana, com 39 ministérios. Ela não se tocou! Tem países com sete, oito ministérios. O Brasil tem uma corte semelhante à do Luiz XV. Tem que ter a ministra especial dos faisões e o ministro da ambrosia. Ministério do tiramissu. Não dá para segurar essa corte de Versailles no Brasil.

E o Eduardo Cunha?

Ele vai se foder, cara! Ele vai se foder, peraí! Não, não dá, o país também não é tão desavergonhado assim que vai segurar um filho da puta! Renan Calheiros?! Ele já renunciou à presidência porque estava demais! Ele já estava roubando para caralho! Ele sempre foi um cacique... câncer... coronel do Nordeste! Ele e o Sarney...

Tem perigo de retrocesso?

Não, retrocesso não. A história anda para a frente. Não temos mais condições de ter retrocesso.

Você está preocupado?    

Eu quero ver o circo pegar fogo, cara! Eu tenho filho criado! Esse apartamento está no meu nome, ninguém vai me tomar esse apartamento de merda! Não ter nada liberta você até de declarar imposto de renda. Eu não tenho nada. Nem esse apartamento é meu. É da minha filha. Eu botei no nome dela. Porque eu tenho quatro filhos com três mães diferentes. Só isso me tira qualquer possibilidade de movimentação na área financeira. É melhor ficar sem posses. O meu regime é o mais libertário que existe. Eu até pensei uma vez em instituir um negócio chamadoNothing Card. Uma espécie de partido político que a gente tem que fundar. Pela preservação dos vulcões e não democrático. Lotocrático.

O que é isso?

O poder é sorteado. Qualquer eleitor pode ser governador, deputado, presidente da República. Eleição é muito caro, então vamos fazer loteria.  E vai correr pela loteria federal, que é uma das coisas mais bem organizadas do Brasil. 

Se acontecer alguma coisa com a Dilma...

Alguma coisa vai acontecer com a Dilma! Ninguém vai aguentar tanto tempo essa incompetência absoluta e esse Palácio de Versailles no Planalto Central do país. Alguma sacudida vai ter. O perigo é que o golpismo está aí nas ruas.

Você está passando temporadas regulares no Rio agora?

Eu não estou fazendo temporada regular. A minha vida é totalmente irregular. Eu vivo de tacada. Às vezes eu tenho períodos de baixa estação e às vezes períodos de certa folga. Eu tive um período de baixa há pouco tempo... mas aí é só reduzir a carência... eu só pago IPTU e condomínio... é um condomínio baixo... e eu não tenho mais luxo... eu não uso drogas. O que é muito caro é droga. Eu falo drogas pesadas. Mas eu não bebo mais... Dizem que a maconha é que leva as pessoas para outras drogas. Não é a maconha. É o álcool. Quem leva à cocaína, por exemplo, é o álcool. E a cocaína, então, não sei se se encarrega de outras coisas, mas o que leva à cocaína é o álcool, não é a maconha.

Maconha e cocaína são opostos...

São opostos.

Quem cheira tem bronca de quem usa maconha...

Não, acho que ninguém tem bronca...

Eu quis dizer que não tolera muito.

Vamos refletir a respeito das nossas contradições e não das contradições alheias. E a bronca da cocaína e maconha é entre elas. É dentro de nós, entre elas. Quando a gente cheira cocaína a gente não quer saber de maconha. Quando a gente fuma maconha não quer saber de cocaína. Eu, entende? Não são as pessoas... Essa briga acontece entre as duas dentro de mim.

Você abandonou as drogas por que? Porque era muito caro ou porque se cansou?

Não, porque não estava agradável. Porque eu parei de beber, por exemplo, porque também não dá para beber aos setenta e tantos anos! Eu estou com 74! Chega de beber! Não é mais um prazer, entende? E aí ao beber eu queria cheirar cocaína para manter o porre! É a grande função da cocaína atualmente. E cocaína ruim... quando chega na tua mão... eu já cozinhei cocaína... cheirei da boa. Uma época foi um amigo meu... ele se hospedou na minha casa, teve problemas matrimoniais... porque o matrimônio se refere muito à convivência com outra pessoa; o patrimônio, não. O patrimônio se refere à posse, aos bens. E matrimônio é aquele negócio que começa com o padre já dando uma dica para um assassinato: até que a morte vos separe... os laços servem para enforcar um ao outro. Mas tem arranjos e combinações que dão certo. Ele então estava com problemas matrimoniais, foi para minha casa, e ele tinha encomendado, ia chegar num caminhão uma coisa lá dos cartéis. E aí chegou na minha casa: três quilos dessa pasta.

Nossa! Três quilos?!

E ele contratou um químico, nosso amigo também, para produzir a cocaína. E nós produzimos. Então, eu cheirei da boa! Porque eu vi fazer, eu participei. Participei muito pouco, participei meio como observador. Me lembro que tinha que esperar para fazer a catarse. E na hora que faz a catarse, porque é ácido clorídrico, o negócio vira cloridrato de cocaína. Tem um tipo que Freud usava que era cocaína muriática. Da Merck alemã. Muriático. O ácido muriático faz a catarse. Isso aí é dissolvido no éter, depois tem que esquentar até a ebulição, que é a 70 graus, com fotoflu, não é nem...não entrava nem fogo na história. Dava um calor com lâmpada fluorescente. Então, o cara cozinhou perto de mim. Na hora que joga o ácido clorídrico, que começa a acontecer a coisa, dá uma maresia... Era uma casa em Santa Teresa, três andares, então tudo ficava no quintal lá embaixo, a maresia dessa coisa ficava no ar, mas não chegava lá em cima, então era um lugar seguro. Não dá para fazer num apartamento, os vizinhos vão perceber que alguma coisa está acontecendo ali.

Demora para fazer?

Não, é súbito! Você dissolve no éter industrial... não é o éter de farmácia... depois coloca acetona, não sei exatamente em qual proporção... e bota assim um centímetro e meio para fazer um litro, num vasilhame de... porque tem que ser um vasilhame transparente, porque não vai no fogo, esquenta com lâmpadas de cinema, entende? Porque o éter entra em ebulição aos 70 graus, não aos 100, como a água. Num ângulo reto ferve a 90 graus. Bota contra o vidro e aí a gente percebe quando entra em ebulição porque é transparente e aí bota dois centímetros e meio de pasta...

Vem cá, você conseguia transar direito depois de cheirar?

Eu não quero falar sobre isso! Eu não quero falar sobre a minha...eu estou falando sobre a fabricação da cocaína. Sobre os efeitos em mim é impossível falar. Se quiser saber, tem que usar! Aí... Claro que dá para trepar! Esse negócio que brocha é bobagem! É besteira! É o contrário: dá para trepar e muito bem, porque você controla a sua pica muito melhor, não tem ejaculação precoce.

Para outros dá efeito contrário...

Porque a droga não tem nenhuma ética, nenhuma moral! O que ela desperta em você é muita coisa. Pode ser paudurescência ou paumolescência, é tua psiquê que determina. Tem cara que perde a fome, tem cara que come. Então, sobre isso eu não quero conversar. Não é uma coisa... agora, como fazer, a gente pode falar. Então, tem um momento que entra o ácido clorídrico e começa a acontecer uma coisa com esse líquido... começam a pintar umas bolhas que grudam no vidro, umas bolhas secas, tem que pegar aquilo e coar, já fica a mistura, não é mais uma combinação, é uma mistura, é a cocaína cristalizada que vai ali. Daquele pozinho meio branco com reflexo da luz, quem sabe, percebe e... aquilo é que é a cocaína. Agora, depois, você mistura...coloca o que se chama de malho. Tem vários tipos. Nos Estados Unidos tem para vender o malho quase igual... Na Itália se usa muito um negócio chamado manita que é um pó branco que se dá para as crianças quando têm desarranjo intestinal. Você mistura aquilo e não agride o teu organismo. Não endurece muito teus alvéolos pulmonares, é um negócio que deve dar só uma prisão de ventre... manita... Mas, nos Estados Unidos tem, em loja que vende cachimbinho, coisa para drogado, tem uns pacotinhos de malho, para o cara malhar a cocaína, com algo inócuo, inodoro...

Só para dar volume...

Uma vez eu estava cheirando em casa e senti um cheiro familiar. Fui ver. Um cara estava fazendo reforma na alvenaria da casa, e era alvenaria, porque daqui a pouco eu senti: bati com a picareta no muro e pintou o mesmo cheiro da cocaína, era o pó que eu comprava na Vai-Vai, era o reboco da parede. Tinha um cara que malhava com veneno de rato. Deu para a namorada, a namorada morreu. Malho tem histórias incríveis. E a indústria alimentícia tem os malhos lá seus tenebrosos. Dizem que o tomate tem defensivos agrícolas, inseticida, não sei o que. Imagina se o traficante vai ter algum critério para pensar na saúde dos seus clientes.

Pensa bem, ele tem que manter os clientes vivos, porque cliente morto não paga...

É melhor não matar.

É o ganha-pão dele. Escuta, como está o mercado de televisão?

Do mundo do espetáculo? Eu acho que durante um tempo, estou falando de tempos passados, a Globo absorveu todo mundo, durante muito tempo a TV Globo foi o grande mercado. As outras emissoras tentaram fazer frente. O Edir Macedo foi um cara, ele falou que tem dinheiro para operar durante... ele quer disputar o segundo lugar. O Silvio Santos produziu algumas novelas, mas o Silvio Santos é o principal artista do SBT. Ele é que dá mais audiência. O dia em que ele deixar de ser um comunicador a casa cai. Mas como programador ele interfere demais na grade de programação da rede. Ele administra aquilo como quem administra uma pensão e agora eu soube que ele teve um empréstimo muito bom do estado... lembra que ele chegou a ser pensado como eventual candidato a presidente da República? E o presidente Collor, que era candidato – sua eleição demonstrou que, como disse Edson Arantes do Nascimento, o povo brasileiro não estava preparado para votar – e não estava preparado para votar porque elegeu esse cara, depoisdeselegeu de uma maneira muito deselegante também, eu acho que para viver a democracia tem que conviver com a democracia, tem que quebrar a cara em algumas ocasiões. Atualmente existe um sentimento de insatisfação com o PT porque não está se verificando uma alternância... o Lula teve dois mandatos e conseguiu enfiar a Dilma e agora deve ter uma bala pessoal para costurar uma reeleição. Tem gente no PT querendo enfiar o Lula...porque o Lula teria mais garantia de ser eleito. Mas não sei se o Lula quer. Alguma coisa vai acontecer. Tem outros caras aí... Ninguém é de direita no Brasil. O Kassab, que me dá a impressão de estar à direita do Gengis Khan criou um partido chamado social democrata. Ninguém se diz fascista...

Onde você arrumou esses óculos, hein?

Numa ótica onde tinham chegado uns óculos coloridos.

Você fica engraçado com eles...vem cá, como é que você está em relação às mulheres hoje?

Bicho... preste bem atenção... o interesse pelas mulheres foi diminuindo... inclusive, isso representa um certo alívio. Se você quiser saber, eu ainda tenho paudurescência, o pau fica duro, mas não é tão fácil como era. Eu não sou mais escravo disso aí, eu não sou mais escravo da piroca. Agora eu penso com a minha outra cabeça. E posso cultivar hábitos muito mais serenos, muito mais equilibrados do que no tempo em que eu era escravizado pelo tesão. As mulheres estão cada vez mais interessantes. Eu tenho muitas amigas, eu me relaciono muito com as mulheres, mas a temporada de caça já está encerrada.

Também... você comeu todas as mulheres do mundo...

Eu não comi muito mais! Eu não comi a Sonia Braga! A Sonia Braga é minha colega de trabalho.

Mas se arrependeu?

Não! Naquele tempo ainda restava muita paixão pela Cissa. Ela estava me esperando na saída da filmagem. A Sonia tinha tido um romance com o Walter Clark, o Jabor... naquele filme... e tinha a Vera Fischer que estava casada com o Perry Salles e que também fazia um personagem... e tinha vinte quilos de luz em cima da gente... tem os negões passando a mão no pau, olhando... rindo de uma forma sardônica, dizendo: como é que é? Quer dizer, tem uma atmosfera não erótica numa filmagem. Dublagem é melhor... é melhor a gente trepar na dublagem... mas na filmagem, não. E a questão de se aproximar das pessoas símbolos sexuais é uma questão de dar oportunidade. É melhor até que não haja nada, para não dar encrenca. Imagina esses atores que trabalham com a Julia Roberts... mulheres muito interessantes... a Natalie Portman... John Cuzak trabalhou com um montão dessas mulheres.

Elas fazem as cenas de sexo ou são dublés?

Tem atriz que faz, tem atriz que não faz. A Julia Roberts parece que é dublê... tem atrizes que não gostam de aparecer nuas, Julia Roberts é uma. Tem atrizes que são conhecidas por toparem qualquer negócio. Kate Winslet, a menina que fez o Titanicparece que considera isso um trabalho artístico. Eu não sei... cada caso é um caso... a pornografia já está liberada nos canais Playboy... cinco ou seis canais...

E até no Multishow... o sexo virou um produto...

Não é que virou um produto... eu acho que o sexo é um produto há muito tempo. É como a fome... tem a indústria alimentícia... é como a doença... a indústria farmacêutica parece que é onde rola mais dinheiro. Quando eu era menino minha mãe achava que aveia era muito bom e só tinha aveia Quaker, era um produto importado que vinha numa latinha que depois se usava para outras coisas... e fazia parte da minha dieta. E o sexo também é um produto... o que tem de mais livre no sexo é a prostituta, não se pode dizer que a boceta seja um produto.

Como estilo de vida o que você prefere: namorada, mulher ou prostituta?

Eu nunca fui dado a esse comércio... eu sempre trabalhei muito com o coração... esse comércio é um comércio frio... gelado... é um comércio onde os sentimentos não entram. Eu sempre apostei muito mais no coração e tal. Agora, você é que abordou a questão de ser um produto. O sexo é um produto. Eu acho que é uma maneira de vender muitos produtos...

Eu disse que sexo é um produto para a televisão...

Bicho, a televisão é um veículo de propaganda! Nas novelas tem merchandising para caralho! Tudo o que aparece na televisão está á venda! Inclusive os atores como símbolos sexuais. O John Lennon disse o seguinte: “nós nos vendemos como símbolos sexuais”. Eu acho que é muito mais barato a prostituição do que a vida familiar. A Ivana Trump por exemplo tomou do Donald Trump uma nota muito maior do que se ele tivesse dado uma bimbada com uma prostituta. A prostituição é delivery. A prostituição é fast food. É rapidinho. Uma prostituta você telefona, o gerente geralmente é um veado, você pergunta quanto é ou ela vai na tua casa se tiver confiança ou você vai lá no hotel, paga o hotel, paga a moça e vai embora. Agora... uma moça de família, se você beliscar, você está fodido! Alguns bens você já vai dividindo por dois de cara!

Quantos casamentos?

Quer dizer, casamento mesmo só um, de papel passado. Depois eu não pude mais casar, porque no Brasil não existia divórcio. Eu me casei com 19 anos. Meu estado civil é “separado”. O divórcio veio depois. Eu passei a ser divorciado formalmente porque eu já tinha sido desquitado. Quanto dura hoje em dia uma relação que vai além do “ficar”? Uma grande paixão, um amor tenebroso dá uns quatro anos.  

O teu durou quanto?

Teve um que durou 14 anos. Com a Cissa Guimarães. Não sei se foi um casamento que deu certo ou uma separação que não deu certo. Eu sei que durou 14 anos de idas e vindas. Mas teve quatro anos pelo menos inteiros... eu tenho dois filhos com a Cissa, a diferença entre os dois é de cinco anos..,. a gente supõe que se tivesse muito deteriorado não teria tido o segundo...mas eu não sei mais exatamente o que que é um casamento. Conviver com pessoas do mesmo sexo é muito mais tranquilo, mesmo que não haja penetração... mesmo que não haja o aspecto recreativo... como a maconha, que agora tem uso medicinal e uso recreativo...

Certa vez, eu estava na casa do Gustavo Dhal...

Eu sei o exemplo que você vai dar! Historinha engraçadinha. Aí o Gustavo Dahl chegou pra Fernanda Montenegro que disse pra Odete Lara...

Não... não... eu estava na casa do Gustavo Dahl...

Era uma outra história...

Chega o Hugo Carvana com um pacote que parecia de café... e nós então fumamos... às 9 da manhã... eu, Carvana, o Gustavo e a mãe doGustavo, uma alemã filósofa, de 70 anos que ficava encantada com as sementinhas estourando...foi em 70, por aí.

A mãe do Gustavo morreu queimada... incêndio no quarto...

Caiu um cigarro aceso no colchão, não foi isso?

Sim, queimou tudo.

E o Glauber...? Terra em Transe...? Como você entrou no filme?

Terra em Transe é o seguinte: ele estava trabalhando com um ator chamado Enio Reis, um mulato alagoano que era casado com mulher, tudo certo e tudo, mas praticava também um outro esporte. E fugiu com o namorado durante a filmagem para o Ceará, sei lá... Bahia... essas terras primitivas. E o Glauber me chamou para terminar o personagem. Então o Enio Reis que era um ator galã virou um loiro de barba gaúcho. E tudo bem... o Glauber não tinha muito essas frescuras... o personagem teve outro ator...

Você fez um jornalista ou um assessor político, né?

Eu não sei. O Glauber me chamou para filmar, eu fui ao Parque Laje, fiz o texto que ele mandou... eu não sei exatamente o que eu era... porque, inclusive, como era outro ator que fazia, não houve nenhuma preparação... eu, como era da turma, me chamaram lá e eu fiz... não sei o que era.

O Glauber trabalhava com roteiro?

Ele tinha três roteiros diferentes: um que ele dava para o elenco, o outro para o produtor e outro que ele rasgava durante o filme e improvisava um outro na filmagem.

Terra em Transe era um filme com grana? Como é que era?

Não sei! A minha aproximação com o filme é essa: eu fui chamado para fazer uma locução contando a história de Porfirio Dias que era o personagem do Paulo Autran. Eu fui no estúdio da Rua México e fiz a locução. E aí, quando esse ator faltou eu entrei lá no lugar dele, eu estava com uma peça em cartaz, me telefonaram “vem filmar”, eu fui lá e filmei. Eu não tenho a mínima ideia se era uma grande produção ou não. Naquele tempo as produções modestas tinham um pouco mais de dinheiro porque o cinema brasileiro era mais oxigenado. Mas esse baixo orçamento que tem agora não tinha ainda. E tinha uma diferença: o cinema brasileiro tinha uma distribuidora, que era a Difilm. Porque o grande macete do cinema é a distribuição. Você está gravando isso aí que eu estou falando? O distribuidor é o atravessador.

Como é que o Glauber, com vinte e poucos anos fez aquela obra prima... quantos anos ele tinha no Terra em Transe? Vinte e poucos anos, não?

Mas essa geração nova que salvou Hollywood era tudo guri. Sexo, drogas e rock and roll. Coppola, Scorsese, Lucaz, Spielberg esses caras fizeram muito sucesso muito jovens. O cara começa cedo...

Você era amigo do Glauber?

Não, eu conheci Glauber, mas o Glauber era baiano e eu sou gaúcho... e a gente.... e a gente... eu sabia do Glauber porque eu era muito amigo do Luiz Carlos Maciel que mandava cartas para o Rio Grande do Sul,  a gente se reunia num café, o pessoal do teatro, e o Luiz Carlos Maciel dizia que tinha um baiano chamado Glauber Rocha... é como eu conheço Glauber...   

Agora, tem uma história engraçada do Glauber que quem contava era o Darcy Ribeiro...

Eles eram muito amigos...

Estavam no Uruguai os dois. Darcy tinha um encontro na embaixada brasileira, Glauber pediu para ir junto. O Darcy está lá, conversando com o embaixador quando começa a sentir um cheiro suspeito... era o Glauber fumando um no jardim...

São histórias da proibição!  Não da maconha em si. Agora na Califórnia já estão entregando em casa. Uma vez, o Rogério Sganzerla queria falar com o Walter Clark, negócio de um plano, na Globo, foi lá, acendeu um baseado e foi embora. A época da maconha.

E o Jabor? Como é o Jabor dirigindo?

O Jabor?

O Jabor.

Que que tem ele?

Você fez o protagonista do Eu te amo que ele dirigiu...

Faz trinta anos! Mais de trinta anos! Sonia Braga está um caco... ela era jovenzinha...

Estrela não fica velha nunca...

Você está fazendo matéria de época?

Há, há, há. História é tudo no passado, não é não? Trinta anos é pouco, do ponto de vista da história...

Falta afirmar que eu não tenho histórias! Se eu me lembrar de alguma coisa, eu falo. Mas eu não tenho um dossiê de histórias...

Não, claro... nem eu quero isso... com o Jabor você trabalhou muito tempo, não foi?

Eu fiz Toda Nudez e Eu te amo. Dois filmes.

É bom diretor ele?

É bom diretor.

Maluco?

Não, é tranquilo. Pode escrever: Jabor, tranquilo.

Mas você nunca foi da turma dele?

O Jabor é carioca, eu sou gaúcho! Não sei o que eu posso dizer!

Ele é chato... é isso?

Rebelde a favor.

Filmando ele é um chato?

Não, de uma maneira geral, quase todo diretor enche o saco. Diretor atrapalha. Então, bons diretores são aqueles que não atrapalham o ator. Principalmente o ator criativo. E eu percebo, assim, que existe uma certa... um certo ciúme do diretor com os protagonistas, que os protagonistas em geral são projeções da personalidade do diretor, digamos assim. Freud já dizia: tudo é transferência. Então, há uma tendência à manipulação, ao domínio e também um certo ciúme... então, frequentemente, isso acarreta certos distúrbios. Mas não é uma coisa notável. Existe também uma cumplicidade, uma parceria. Quando um ator vai fazer o protagonista ele tem a consciência, mesmo que isso não seja muito explícito que ele está servindo como veículo de outras personas. É um personagem do diretor. Então, naquele período de filmagem que não é muito extenso... não é como uma peça de teatro que dura às vezes dez anos... são dez semanas, então eu entro num sentimento de cumplicidade, de parceria com o diretor. Na preparação do filme é bom que eu ator fique bem relacionado com o roteirista. Durante a filmagem, com o fotógrafo, para ele me deixar bonito. E depois da filmagem, com o editor que não vai me tirar dos melhores momentos, nem vai montar as coisas em que eu não estou legal. Então, quer dizer: para o diretor não sobra tempo nenhum. Mesmo que eu possa adjetivar: fulano de tal é um chato, é um pentelho, durante a filmagem a gente segura essa encrenca.

Já houve situações de conflito entre você e um diretor por diferença de pontos de vista a respeito de interpretação?

Claro! Se há uma projeção, são muitos egos envolvidos. Os conflitos são necessários. Agora, a gente tem que desenvolver uma certa maturidade, numa empresa sempre há conflitos.

Como é que você reagia em caso de um diretor mais pentelho?

Cada caso é um caso. O Flávio Tambelini, eu fiz dois filmes com ele, às vezes dava vontade de brigar com ele, mas ao mesmo tempo era um cara sedutor, eu tinha uma certa simpatia por ele. Uma vez... ele falava durante a cena... isso o Jabor também fazia... durante o plano. Isso é um negócio horrível porque você aparece em cena obedecendo ordens. É estranho isso.

Glauber também era assim...

Sim, o Glauber também.

Você ficava puto com isso?

Não, não ficava puto. Se eu ficar puto, vai aparecer no filme que eu estou puto!

O Zé do Caixão trabalhou naquele filme do Capovilla, O Profeta da Fome, quando eu te conheci, em 1968... você chegou uma semana atrasado à filmagem, jogou uma partida de sinuca e foi embora...

Não, me atrasei algumas horas, mas alguém da terra fez o meu papel. O Jofre Soares esqueceu de me acordar, eu vinha com ele, ele tinha um karman-ghiaamarelo, depois eu tive que ir de trem.

Eu era assistente de produção. Minha tarefa diária era trazer o Zé do Caixão que ficava hospedado em Taubaté, a uns trinta quilômetros e levar de volta.

Eu dublei o Zé do Caixão. Ele é porco para caralho! É fedorento. Atrás da orelha ele tem pé de atleta. Teve uma atriz gorda que fazia O Balcão, do Jean Genet que tinha fungo no meio dos peitos. Fecha essa matéria! Já deu!

O Neville também te dirigiu, né?

Eu fiz A Dama do Lotação.

Ah, é o tal em que a Sonia andava nua no meio dos motoristas sem dar a mínima... é isso?

Não sei...

Não foi você que me contou isso uma vez?

Não.

Quem me contou que ela chegava para filmar, tirava a roupa, a cena no ponto final do ônibus e ela desfilava nua...

Deve ter sido o próprio Neville... Eu não estou nessa cena, cara. Eu sou o padrinho de casamento e depois tem uma cena de sexo entre mim e ela. No fim da linha de ônibus eu não estou, então eu não posso ter contado. O corpo feminino é uma coisa bonita, eu observo, por exemplo... tem até um filme inglês, As Moças do Calendário, que são senhoras de uma cidade do interior da Inglaterra que têm um clube literário que posam para um calendário nuas.

Tem uma lenda segundo a qual nos filmes do Saraceni o pó fazia parte do orçamento...

São histórias que se conta para sacanear, para derrubar... isso em Hollywood já aconteceu... em publicidade, não sei, eu já ouvi falar...Mas eu acho que cocaína é mais barato que almoço. Se der cocaína em vez de almoço a filmagem rende mais. Um dia de filmagem. Publicidade é um dia só. É melhor cocaína do que almoço. Porque o almoço dá moleza e a cocaína, não. Então, todo mundo produz mais. ViuO Lobo de Wall Street? Todo mundo cheira nesse filme. Lembra aquela cena? O cara começa a ficar horrível, não consegue se mexer e ele está num carro de luxo... ele vai até o carro, se arrastando e acha que chegou em casa, mas não, ele saiu à toda, destruiu o carro... chegando lá seu amigo está falando com a Suíça... os caras se drogam o tempo todo! Cheiram cocaína! O cara pega um sacão e tira de lá... o tempo todo, de cabo a rabo...

Cheirar ou não é uma opção pessoal.

Estou falando de talk about.  Tem até receita na internet de como fazer.

Tem receita até para fazer a bomba atômica. O que é muito pior.

Vão tomar no cu! Acende logo esse baseado aí. Passa a franga! Rola a franga!

Você vai fazer o que em Natal?

Um filme!

Qual?

Não sei. Se eu tivesse lido o roteiro eu saberia. Eu não recebi o roteiro, não sei nem qual é a época.

Quem é o diretor?

Não sei. Eu vou porque a minha filha fechou o contrato para mim ir e está no contrato que eu tenho que decorar o texto e eles não me mandaram o texto. Mas eu vou porque tem umas pessoas que eu conheço, atores, pessoal da produção, que eu acho que são gente boa, eu vou pela turma.

Também não sabe quem é teu personagem.

Em geral eu sei o personagem no dia do lançamento do filme. Claro que dá para mais ou menos saber se ele está na turma boa, etc, mas é como filme do Godard: tu nunca sabe como é que é. Só no dia do lançamento. Quando você está fazendo você acha que sabe? Você acha que os diretores sabem o que estão fazendo? Eles mandam o ator contar até cinco e depois dublam. Quando o ator está no filme ele não sabe o que é que é.

E a filmagem é em Natal mesmo?

Eu não sei! Eu acho que é, porque um cara vai me esperar no aeroporto, mas eu não sei onde é, não sei o que é que é, não sei nada! Minha filha me telefonou, falou pai vai chegar um contrato aí na sua casa, assina que é uma boa jogada. Falei: tá bom. Assinei o contrato e estou indo agora.  

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