“Tenho certeza que não teremos impeachment”

O maestro João Carlos Martins foi incitado pelo jornalista Alex Solnik a organizar um Concerto pela Paz, em plena Praça dos Três Poderes, com lideranças do PT, PSDB, PMDB presentes. O pianista respondeu que Villa Lobos tinha tido exatamente a mesma ideia no tempo de Getúlio, mas não conseguiu realizar. "Se eu tiver forças vou levantar essa bandeira", disse; em entrevista exclusiva ao 247, ele se posicionou contra o impeachment e a favor da presidente: "Tenho certeza que ela não colocou um tostão no bolso. Eu torço por ela, acho que está na hora de todo mundo se compor e pensar no Brasil"

O maestro João Carlos Martins foi incitado pelo jornalista Alex Solnik a organizar um Concerto pela Paz, em plena Praça dos Três Poderes, com lideranças do PT, PSDB, PMDB presentes. O pianista respondeu que Villa Lobos tinha tido exatamente a mesma ideia no tempo de Getúlio, mas não conseguiu realizar. "Se eu tiver forças vou levantar essa bandeira", disse; em entrevista exclusiva ao 247, ele se posicionou contra o impeachment e a favor da presidente: "Tenho certeza que ela não colocou um tostão no bolso. Eu torço por ela, acho que está na hora de todo mundo se compor e pensar no Brasil"
O maestro João Carlos Martins foi incitado pelo jornalista Alex Solnik a organizar um Concerto pela Paz, em plena Praça dos Três Poderes, com lideranças do PT, PSDB, PMDB presentes. O pianista respondeu que Villa Lobos tinha tido exatamente a mesma ideia no tempo de Getúlio, mas não conseguiu realizar. "Se eu tiver forças vou levantar essa bandeira", disse; em entrevista exclusiva ao 247, ele se posicionou contra o impeachment e a favor da presidente: "Tenho certeza que ela não colocou um tostão no bolso. Eu torço por ela, acho que está na hora de todo mundo se compor e pensar no Brasil" (Foto: Gisele Federicce)


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Por Alex Solnik - Eu procurei o João Carlos Martins com outra intenção além da entrevista propriamente dita. Como eu já o conheço há muitos anos, apresentados que fomos pelo nosso amigo comum Edwaldo Pacote de vez em quando me atrevo a propor algum espetáculo a ele. Dessa vez o incitei a organizar um Concerto pela Paz no Brasil, em plena Praça dos Três Poderes, ao ar livre, com as lideranças do PT, PSDB, PMDB presentes, uma grande confraternização.

Ele me disse que Villa Lobos tinha tido exatamente a mesma ideia no tempo de Getúlio, mas não conseguiu realizar. "Se eu tiver forças vou levantar essa bandeira", disse o atual maestro, que já foi um dos maiores pianistas do mundo e até hoje o único a tocar 21 notas por segundo, nessa entrevista exclusiva a 247 em que se posicionou contra o impeachment e a favor da presidente.

"Tenho certeza que ela não colocou um tostão no bolso. Eu torço por ela, acho que está na hora de todo mundo se compor e pensar no Brasil". A ideia do Concerto da Paz pode dar ou não dar certo, mas a semente foi lançada. Como disse, um dia, Roberto Campos, "às vezes as intenções são melhores que os resultados e outras vezes os resultados são melhores que as intenções".

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Você que é um caixeiro viajante da música... o que as pessoas falam aí pelo Brasil a respeito do Brasil?

Infelizmente está tudo radicalizado. Eu não vejo gente no meio termo. Ou gente falando muito mal e alguns falando bem. Mas eu não estou vendo a voz do bom senso. O que está faltando é a voz do bom senso.

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O que está acontecendo? Por que tanto ódio?

Eu, na minha vida, como pessoa física eu atravessei canais tortuosos, mas o que venceu foi a trajetória da esperança. Eu acho que o Brasil passa por canais tortuosos, mas eu continuo acreditando na trajetória da esperança.

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Não te preocupa esse clima de divisão que o país vive desde o começo do ano mais acentuadamente?

Por isso é que eu acho que a régua do mundo é a música. Porque a música é baseada numa palavra chamada harmonia. E o que está faltando no Brasil é a palavra harmonia.

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Sabe por que eu queria conversar com você? Por esse motivo. Nós estamos vivendo num clima muito exacerbado e que os políticos não conseguem resolver. Aliás, eles sempre exacerbam mais. A música precisa ajudar nisso, você não acha? Porque a música une, a música não divide.

Não... não só. Qualquer país do mundo o símbolo do país é a bandeira e o hino. Ou seja: estão lá a música que é o hino e as artes plásticas que é o desenho da bandeira. O Villa Lobos tinha uma frase: não é o público inculto que vai julgar as artes, são as artes que mostram a cultura de um povo. Então, eu acredito que, como no país a bandeira e o hino são os símbolos essas duas coisas trazem a palavra harmonia. Se a harmonia imperar, não só na relação da sociedade civil com os políticos, com o governo... eu acho que hoje o conflito é muito grande entre a sociedade civil e o governo. São períodos de esperanças e períodos de decepções. E eu acredito sempre no período da esperança e nós vamos chegar lá ainda.

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Você não acha que os artistas têm um papel nisso? Como já tiveram em outras épocas. Por isso te faço uma proposta: realizar um Concerto pela Paz no Brasil. Você é a pessoa mais indicada desde que se tornou um verdadeiro missionário da música...

Para você ter uma ideia eu já atingi quase 12 milhões de pessoas ao vivo. Então, eu acho, por exemplo que eventos como os Jogos Paraolímpicos são oportunidades em que a música pode mostrar não só como pessoas podem crescer por meio dela...a música já ultrapassou, em países asiáticos, o esporte na inclusão social. Então, eu acho que concertos que possam mostrar não só a inclusão social, mas também a solução na vida de pessoas que tiveram deficiências físicas e encontraram na música o seu destino são imprescindíveis. Era um grande sonho de Villa Lobos realizar grandes Concertos pela Paz no Brasil.

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Olha só...

Mas, naquela época, achavam que ele estava agindo em função da ditadura de Getúlio Vargas. Quando Villa Lobos jamais se envolveu em política. Eu acho que o artista tem que dar a opinião dele, mas não participar do processo político, ou seja, não aceitar cargos. Isso eu digo por mim mesmo.

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Por que? O que aconteceu?

Fiz a besteira de ir para a política e sei o que eu passei. Fui com o sonho de ser um secretário da Cultura por quatro anos, mas realmente fui para a política com um político que na hora que deu a encrenca cada um seguiu o seu caminho, eu não tive mais ligação com ele, mas pela imagem dele com a imprensa eu fiquei um cara estigmatizado aqui no Brasil. Então, aquilo que eu acho que fiz pela música não teve 10% de reconhecimento no Brasil como teve no exterior.

Você está falando do caso Pau Brasil?

A Pau Brasil era uma firma séria que eu montei, não era de sacanagem! Começou com seis funcionários e em três anos estava com 600.

Construindo prédios?

Não! Fazia manutenção de altos fornos da Cosipa (Companhia Siderúrgica Paulista). Eu morava no Guarujá e trabalhava em Cubatão. Aí, chega um cara que se chama Paulo Maluf e fala: "você não pode fazer a minha campanha? Porque você conhece todo mundo, eu já perdi três eleições". Eu falei: faço. Naquela época, o Collor lançou um negócio que acabava com título ao portador. Todo mundo fez as campanhas com notas fiscais, eu também fiz. Acabou, falaram "pode queimar tudo, ele foi eleito". E aí denunciaram a Pau Brasil.

E aí?

Em dois meses, eu passei de herói a crápula. Pediram a minha prisão, tudo. E a coisa estava muito difícil. Até que meu advogado falou: "se nós tivéssemos um documento"... Eu achei que tinham sido queimados, mas a minha secretária falou: "eu não queimei, está tudo guardado em Cubatão". Trouxemos os 17 mil documentos de volta, e dois anos depois eu ganhei por nove a zero no Supremo Tribunal Federal. Mas o meu nome estava queimado. Nunca me livrei. E resolvi tudo sozinho, porque nunca mais eu vi o Paulo Maluf. Vi uma vez na vida num velório, nunca mais...

Para você, política nunca mais?

O artista tem que mostrar o seu posicionamento, como faz uma Fernanda Montenegro, por exemplo. Mas somente mostrar o seu posicionamento. Uma palavra da Fernanda Montenegro na televisão vale mais do que trinta ou cinquenta políticos falando.

O artista tem muito mais empatia com o público do que o político...

Exatamente.

É confiável. Tem credibilidade. Eduardo Cunha não tem credibilidade.

Não tem nenhuma.

É por isso que eu te conclamo a organizar um concerto pela paz em Brasília, na Praça dos Três Poderes e chamar a turma do Lula, do Fernando Henrique, a turma do Michel Temer, para mostrar que o Brasil é um só. Você não acha que poderia levantar essa bandeira?

Se eu tiver força suficiente para levantar essa bandeira tenha certeza que eu me envolveria totalmente para esse Concerto da Paz. Eu me envolveria totalmente. Não é fácil conseguir. Nos 40 anos da morte de Vladimir Herzog eu fiz questão que fosse um concerto suprapartidário, por isso o secretário da Cultura do Estado de São Paulo falou e o ministro da Cultura falou. E a Fernanda Montenegro falou para complementar tudo. Então, na hora em que eu tive uma pessoa representando a Cultura de São Paulo, que é do PSDB, uma pessoa representando a Cultura do Brasil que é do PT e uma artista representando os artistas brasileiros eu consegui dentro da Sala São Paulo unir aquilo que você pensa que teria que fazer em grande escala, na Praça dos Três Poderes. Mas foi o que eu fiz nos 40 anos da morte de Vladimir Herzog há dois meses.

Esse é o espírito. As pessoas têm que perceber que não adianta nada um chamar ao outro de ladrão, deixa para Justiça resolver.

Lógico. Por isso é que tem três poderes.

Nós não temos acesso aos documentos para dizer o que está certo ou errado. Se a pessoa mentiu ou não mentiu. Quem sabe é a Justiça.

Eu, pessoalmente, não prejulgo ninguém na minha vida. Eu acho que o dever da Justiça é julgar. Eu simplesmente gostaria de realizar aquilo que realizei na Sala São Paulo em âmbito nacional, na Praça dos Três Poderes: o Concerto da Harmonia.

É isso. Harmonia. Porque qualquer ruptura, a essa altura, será danosa ao país, seja impeachment ou renúncia.

Claro.

Qualquer ruptura é trágica. Imagina você interromper uma sinfonia no meio, a repercussão disso na plateia, nos músicos...

Eu, por exemplo, sou contra o impeachment. Eu sou a favor de... Se uma pessoa abotoou o colete com o botão para cima não adianta querer consertar pela metade, tem que desabotoar o colete inteiro e abotoar de novo. E nós estamos numa situação de desabotoar o colete e abotoar ele todinho de novo. Aproveitando as coisas boas que existem. O grande segredo na vida eu acho que é aprimorar as qualidades e reconhecer os defeitos. Todos os governos tiveram qualidade e defeitos.

Criticar o governo é direito de todo cidadão. Agora, pretender derrubar o governo?

Não, eu sou contra o impeachment. Eu sou contra. Eu acho que... Por isso que eu acredito na esperança.

Mesmo essa proposta do Fernando Henrique de ela renunciar... qualquer ruptura é imprevisível, ninguém sabe o que pode acontecer depois. É terrível para o país, você não acha?

Eu errei na vida e eu consertei meus erros. Acho que se teve falhas no governo da Dilma é ela que tem que consertar. Eu acho que ela é uma pessoa honesta. Não acredito que a Dilma coloque a mão num tostão. Tenho certeza que não. Nenhum empresário teria coragem de chegar para ela e propor um negócio. Eu torço por ela, acho que está na hora de todo mundo se compor e pensar no Brasil.

Mesmo porque esse foi um ano...

Perdido!

Ficamos nessa discussão estéril de impeachment que foi puxada pelo Aécio...

Um ano perdido, um ano perdido... Mas eu acredito muito no Joaquim Levy. Muito.

Conhece pessoalmente?

Não, não conheço. Mas acredito nele. O Roberto Campos tinha uma frase muito boa: muitas vezes as intenções são melhores que os resultados e muitas vezes os resultados melhores que as intenções.

O que atrapalhou o país nesses dez meses? Foi o Cunha? Foi o Aécio?

Eu acho que o que atrapalhou foi a falta de espiritualidade em todos os políticos. Porque no momento em que a pessoa tem um fundamento espiritual na vida dela a sua relação com o outro muda. Eu não peço para Deus me ajudar em nenhum concerto, agradeço a Deus a determinação que ele me deu. Então, eu acho que é a hora de todo mundo botar a mão no peito um pouco, falar mea culpa, mea culpa, imbuir-se de um sentimento de espiritualidade a favor do Brasil e nessa hora todos podem se unir. Não adianta ficar falando que o governo errou no ano passado... que nas eleições falou uma coisa... Eleição, desde o tempo de Pedro Álvares Cabral, que eu saiba, ninguém fala muito a verdade na campanha. Depois da campanha a pessoa começa, no dia seguinte, a falar exatamente a verdade. Eu me lembro da frase de um cara que falou que campanha é a forma de conseguir dinheiro dos ricos para conseguir o voto dos pobres. Não sei quem falou essa frase, uma vez eu li no jornal. Mas, na campanha, o cara que está pedindo dinheiro para o rico geralmente está prometendo algo que não vai poder cumprir e aquele que está conseguindo o voto do pobre também certamente não vai conseguir cumprir algo que está prometendo. Então, eu acho que o perfil político de um candidato - pode demorar cinco, dez anos - mas vai mudar muito no Brasil. O Brasil vai à cata de estadistas.

Você acha que o Michel Temer está entre os políticos que têm bom senso? Ele é conciliador ou conspirador?

Ele eu acho que está procurando... eu detesto dar uma opinião sobre políticos... mas ele está procurando dar um aspecto de uma pessoa que pensa duas vezes antes de falar. Não é uma pessoa que pega e sai falando. E depois se arrepende do que falou. Tudo o que ele fala ele pensa duas vezes.

E o Aécio, também está sendo ponderado? Eu acho que toda essa agitação foi ele quem começou, ao reclamar da derrota.

Eu acho que quando você perde você tem que demonstrar compreensão. E quando você ganha tem que demonstrar humildade.

Você imaginou no começo do ano que o dólar chegaria a 4 no fim do ano? Afetou você em alguma coisa?

Claro. Por exemplo: nós contratamos artistas no começo do ano, o maior violinista do mundo, na hora de pagar, mandar pelo Banco Central o cachê dele era o dobro daquilo que a gente contratou. O Aécio eu acho que teve muitas qualidades. Concorreu, competiu, teve a chance de ganhar, mas eu gosto de uma oposição que constrói. O avô dele sabia fazer isso. Eu acho que se ele ler mais as coisas do avô ele vai entender porque o avô dele chegou à presidência do Brasil.

Quase, né. A história seria outra se ele realmente tivesse chegado.

O Aécio é um cara que realizou muitas coisas boas no estado de Minas e que na corrida presidencial perdeu. Não adianta. Perdeu. E agora... Nunca ninguém vai provar nada porque eu tenho certeza que não existe nada da Dilma ter colocado a mão em um só tostão. Não tenho dúvida. Então, tenho certeza que não teremos impeachment. Pode ter argumentos contra a competência, se ela foi competente ou não... o negócio das pedaladas... Ela, pessoa física... é como se eu tivesse a coragem de assinar em branco que essa mulher jamais fez alguma coisa imoral sob o ponto de vista financeiro.

E as pessoas estão descobrindo isso. Tem gente que pedia impeachment e agora não quer mais.

É o caminho da harmonia. Então, esse concerto, se tiver condições, pode estar certo que eu lidero na classe musical.

Outro dia eu encontrei o Bruno Barreto. Ele me contou que vocês não vão mais fazer o filme juntos e que você foi marcado por um acontecimento trágico na infância que eu desconhecia.

Exato...

Você tinha uma namoradinha...

Isso...Eu tinha o meu pescoço aberto por causa de uma operação e os meninos da escola faziam bullying. E essa menina conversava comigo e falava: "não dá bola para isso"! E eu fiquei muito... eu tinha oito anos de idade... eu fiquei muito agradecido no fundo. Um dia ela não foi à escola. Quando estou chegando em casa, ela era nossa vizinha, estava saindo o caixão dela e da mãe, que a mãe se suicidou e matou ela também. Ligou o gás na casa.

Isso é Nelson Rodrigues!

É!

O que essa cena provocou em você?

Uma sensação de perda de uma pessoa que me ajudava. Mas um ano depois eu fiz a operação e fiquei com o pescoço bom. Mas foi uma cena que me marcou profundamente na vida.

Você mergulhou no piano para esquecer o episódio?

Foi uma espécie de encontrar no piano a sensação de perda que eu tinha nos intervalos da escola. Foi isso e o próprio bullying que eu sofria na escola. Então essa é a origem da minha história no piano.

Isso vai entrar no teu filme?

Vai. A minha saga começa com meu pai. Porque meu pai era ajudante de barbeiro com dez anos, em Portugal e trabalhava numa gráfica de noite. No caminho para a gráfica ele passava por uma casa onde uma professora de piano dava aula. E ele um dia foi pedir para ela, porque ele também gostaria de aprender piano. Ela falou que daria aula de graça para ele. Ele ficou tão emocionado que, de noite, quando ele botou a mão na máquina da gráfica, a máquina – pimba! – decepou uma parte da mão dele. E ele nunca pôde realizar o sonho de ser pianista. Cinquenta anos depois, 40 anos depois, eu estou com sete anos, eu tinha feito uma operação no pescoço, meu pescoço ficou aberto durante dois anos, eu estava meio recluso porque tinha havido aquela tragédia com minha namoradinha, meu pai botou um piano em casa. E os quatro filhos começaram a estudar. Então, a saga começa em 1908, com meu pai. Aí, eu comecei a estudar com oito anos e seis meses depois, sete para oito, eu ganhei o concurso Bach.

Quantas horas por dia você tocava?

Dez... oito... cinco... eu sempre fui muito disciplinado. Eu sou aquele músico que tinha a disciplina de um militar e a liberdade de um poeta. Isso fui eu na música. Então, eu acho que a disciplina militar me levava à precisão. Todo o meu Bach é muito preciso. E o lirismo de um poeta me levava a como nos dias de hoje a sonhar que eu ainda estou tocando, sem poder tocar. Então, essas duas coisas sempre estiveram totalmente presentes na minha vida. E essa é a razão pela qual as duas vezes em que eu abandonei o piano por sete anos, que eu não pude ficar em nada ligado com a música me frustrei. A primeira vez, eu fui ser empresário de boxe...

O que tem a ver boxe com piano?

Eu não queria nunca mais ouvir falar em música!

Por quê?

Em 1967, a Portuguesa de Desportos, no intervalo de uma turnê em que eu estava nos Estados Unidos, foi jogar em Nova York, e faltava um jogador nos treinos. Eu, como sempre jogava futebol no Central Park, fui treinar com a Portuguesa. Levei um tombo numa jogada e entrou uma pedra que perfurou o nervo do meu braço. Naquele dia, acabou a minha carreira. Oficialmente, acabou o meu piano ali. Nunca mais eu poderia tocar. Fiz fisioterapia, toquei com bracelete de ferro... e finalmente consegui tocar de novo.

E a crítica recebeu bem você de volta?

Depois de um concerto em Nova York, pela primeira vez o New York Times meteu o pau em mim. O crítico falou que a minha concentração não era a mesma. E eu falei: isso é verdade. Telefonei para o meu empresário e falei: está tudo cancelado, eu vou embora para o Brasil e não vou tocar nunca mais.

Quando foi isso?

Em 1970. Eu tinha 30 anos. Cheguei ao Brasil e parei o piano por sete anos. Fui trabalhar na Bolsa de Valores, acabei sendo corretor e tudo e resolvi ser empresário de boxe...Eu fui o empresário do Eder Jofre para reconquistar o título mundial. Eu juntei o Abraão Katznelson com o Marcos Lázaro e eu fui o promotor da luta. E o Eder ganhou o título.

E por que você não continuou no boxe?

Em 77, eu vi um pianista tocando na televisão e falei: mas está vazia a minha vida, eu tenho que voltar a tocar, eu acho que posso tocar melhor que esse cara – era um bom pianista. Comecei a estudar dez horas por dia, quando senti que estava no mesmo nível, telefonei ao meu empresário e falei: marca o Carnegie Hall, que eu vou tocar aí.

Quer dizer que você tinha um público fiel?

No dia em que eu cheguei no Carnegie Hall para o concerto de noite ele me levou lá em cima para eu ver o público. Tinha 2 mil e 800 pessoas e mais 300 cadeiras extras que tiveram que botar no palco. O concerto foi um negócio, assim, maravilhoso, e o que aconteceu? Resolvi gravar a obra inteira de Bach e voltar a dar concertos.

Você tocava 21 notas por segundo, é verdade?

Sim, é verdade. Só que na minha volta, sem eu perceber, eu tinha tomado uma postura diferente na mão. Porque eu me adaptei. Tinha a mesma velocidade, fazia as mesmas 21 notas por segundo, tudo aquilo, mas sete anos depois eu estava com o mal de L.E.R. Por isso tive que parar com o piano, me meti com a política e me dei mal, como já disse. Até mau pianista virei. Um crítico escreveu no Estadão que, como pianista, eu também não prestava. E aí me falaram: "você tem que responder". Eu falei: "não vou responder, eu não quero é ser preso". No dia seguinte, eu abro o Estadão, meu pai que tinha de 96 para 97 anos fez uma carta de página inteira respondendo por mim. Aí, eu fui na casa dele e falei: "pai, eu vou te orgulhar como pianista"! Com mal de L.E.R. e tudo, estudei, voltei à mesma forma, telefonei para Nova York e falei: "vou terminar a obra completa de Bach". Eu já tinha gravado dez CDs em Los Angeles, faltavam 11.

E deu tudo certo?

Escuta só. Em maio de 1995 estou saindo à meia-noite de um ensaio na Bulgária, sou assaltado, levo uma barra de ferro na cabeça, ganho um hematoma cerebral, fiquei paralisado do lado direito.

Você reagiu ao assalto?

Reagi ao assalto. Eu dei um pontapé no saco de um bandido... eu nunca briguei na minha vida, mas como eu joguei muito futebol, o pessoal lá fora não está acostumado com negócio de pontapé no saco. Eu dei, comecei a correr, o outro me acertou, eu fiquei cinco horas desacordado...

Eram dois?

Dois. No dia seguinte estou fazendo reprogramação cerebral no Jackson Memorial Hospital em Miami. O maior centro de reprogramação cerebral do mundo. Fiquei oito meses, oito horas por dia em frente ao computador, todo ligado, parecia um cyborg. Oito meses depois estou eu novamente na mesma forma. Carnegie Hall novamente, lotado...

É verdade que de tão envolvido com a música você nem se preocupava com mulheres até uma certa idade?

Minha primeira relação sexual foi em Cartagena, aos 20 anos, aonde eu acabei morando num bordel por quatro ou cinco dias. Porque eu era uma pessoa que a música para mim era tudo. É como disse um crítico do New York Times: "Mr. Martins precisava de um prelúdio de Bach de manhã com muito mais intensidade do que precisava de sua comida"...

O que aconteceu em Cartagena?

Eu estava num táxi ao descer no aeroporto. E disse para o chofer que queria conhecer algumas amigas. Ele falou: "no, usted quiere las putas". E me deixou em frente a uma casa. Duas horas depois eu voltei e peguei as malas: vou ficar aqui mesmo. E fui ficando.

E elas gostaram de você?

As meninas do bordel viram no jornal uma reportagem de página inteira e quiseram assistir meu concerto. Eu fui ao ensaio e recomendei na bilheteria que reservassem ingressos para parentes meus que eu tinha na cidade. Quando eu entrei no palco, ouvi uns gritos: "Juanito! Juanito"! Eram elas. Eu queria que todas as luzes se apagassem, era melhor tocar no escuro! Foi um dos maiores vexames da cidade de Cartagena! Mas o concerto foi um grande sucesso. Elas assistiram ao concerto ao lado do bispo e do prefeito.

O piano atrai as mulheres? O pianista fascina as mulheres?

Sem dúvida...

Você viveu alguma situação em que uma mulher atraída por teu piano...te...te...

Fascinou?

Te fascinou...

Várias...várias...várias vezes. Centenas de vezes. Centenas de vezes. Eu sempre que ia dar um concerto em qualquer lugar do mundo, eu entrava no palco, eu olhava para uma pessoa que me inspirasse. Para aquela pessoa eu dava o concerto. Muitas vezes acabava aquela pessoa me cumprimentando atrás do palco e... eu ficava fascinado... então, eu era uma espécie de nômade do amor...

Você conheceu gente muito excêntrica?

Salvador Dali assistiu um concerto meu em Nova York no final dos anos 60 e depois num jantar, no Regent Room, ele falou para mim: "Vou te dar um conselho: diga para todo mundo que você é o maior intérprete de Bach do mundo; pode demorar 30, 40 anos, um dia vão acreditar". E aí ele continuou: "Eu faço isso há 30 anos, e já tem muita gente que acha que eu sou o maior pintor do mundo". Então, quando me convidaram para ser o presidente do júri do Concurso Bach, em Leipzig, na Alemanha e pela primeira vez eles convidaram um estrangeiro para ser o presidente, eu me lembrei da frase do Dali e pensei: puxa, se aqui na Alemanha estão me convidando para presidir o Concurso Bach, que é realizado de quatro em quatro anos, é uma espécie de Copa do Mundo, acho que é porque eu andei espalhando por aí que eu toco Bach direitinho...

Quem estava mais naquele jantar no Regent Room?

Estava a Mia Farrow... que tinha acabado de se separar do Frank Sinatra... Ela estava num estado bem depressivo, dava para ver...

Você ganhou muito dinheiro com o piano?

Se eu não tivesse parado as duas vezes que eu parei eu hoje poderia estar rico...

Por que o filme demorou tanto?

A história é muito comprida. O George Barry, que é o dono da Faberger, assistiu um concerto meu em Nova York e resolveu fazer um filme, ele ia botar do bolso dele 12 milhões de dólares, não era uma produção muito cara e mais 12 ou 13, com 25 milhões ele achava que ia fazer o filme. Ia ter que pegar um ator de uns 30 anos, que poderia fazer imagens de uma pessoa de 20 anos e de uma pessoa aos 60 anos. Ele fez o script, dividiu em 50 episódios. O Milos Forman ia dirigir. O George Barry falava que tinha 72 anos, mas na verdade tinha 92. Atribuía o aspecto físico a uma doença que teve. E acabou morrendo no meio do projeto. Agora, de três anos para cá fechei com o Luiz Carlos Barreto, produção brasileira. Não foi fácil. Eu nunca aceitava o roteiro. Eu achava que era um roteiro que podia ser de um pintor...Eu não queria uma biografia, mas achava que ... eu mostrei uma frase para o Barretão do New York Times que dizia que nenhum novelista conseguiria escrever uma história tão implausível como a minha que foi criada pela própria vida. Durante três anos eu não aceitava o roteiro. Eu queria um roteiro que fosse a realidade. Sem vergonha de comentar o meu problema Paulo Maluf do passado, sem nada. É a minha vida. O que aconteceu de bom e de ruim na minha vida.

Quanto tempo você consegue ficar longe do piano? Quinze minutos? Meia hora? O piano é um ímã para você.

Eu vou lá, dou um tapa, mas vejo que não consigo tocar. E, quando eu durmo eu sonho dando concerto! Eu sonho que eu estou tocando! Eu ouço tudo na hora que eu durmo. Vejo tudo em cores, de uma forma maravilhosa!

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