Antonio Fagundes ao 247: Cunha é que está pedalando

O ator Antonio Fagundes, um dos nomes mais importantes do teatro brasileiro, concedeu entrevista exclusiva ao jornalista Alex Solnik, em que se disse estarrecido com o atual quadro político; em relação a eventual impeachment, ele pregou cautela; "Eu tenho um pouco de medo. O impeachment é uma figura de Direito que está na constituição, mas é uma coisa muito forte. Eu acho que a gente não deveria vulgarizar essa figura", disse ele; sobre Eduardo Cunha, ele o comparou a Ricardo III, pela falta absoluta de grandiosidade; “Você vê de repente a oposição namorando com esse cara! O governo namorando com esse cara! E quem está pedalando agora é ele”; segundo ele, "a m... toda começou com o PMDB"

O ator Antonio Fagundes, um dos nomes mais importantes do teatro brasileiro, concedeu entrevista exclusiva ao jornalista Alex Solnik, em que se disse estarrecido com o atual quadro político; em relação a eventual impeachment, ele pregou cautela; "Eu tenho um pouco de medo. O impeachment é uma figura de Direito que está na constituição, mas é uma coisa muito forte. Eu acho que a gente não deveria vulgarizar essa figura", disse ele; sobre Eduardo Cunha, ele o comparou a Ricardo III, pela falta absoluta de grandiosidade; “Você vê de repente a oposição namorando com esse cara! O governo namorando com esse cara! E quem está pedalando agora é ele”; segundo ele, "a m... toda começou com o PMDB"
O ator Antonio Fagundes, um dos nomes mais importantes do teatro brasileiro, concedeu entrevista exclusiva ao jornalista Alex Solnik, em que se disse estarrecido com o atual quadro político; em relação a eventual impeachment, ele pregou cautela; "Eu tenho um pouco de medo. O impeachment é uma figura de Direito que está na constituição, mas é uma coisa muito forte. Eu acho que a gente não deveria vulgarizar essa figura", disse ele; sobre Eduardo Cunha, ele o comparou a Ricardo III, pela falta absoluta de grandiosidade; “Você vê de repente a oposição namorando com esse cara! O governo namorando com esse cara! E quem está pedalando agora é ele”; segundo ele, "a m... toda começou com o PMDB" (Foto: Leonardo Attuch)


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Por Alex Solnik 

Fui advertido que ele não falava de política, mas não levei a advertência a sério. E eu tinha razão. Nessa entrevista exclusiva a 247, que concedeu na plateia vazia do Tuca, em São Paulo, duas horas antes de entrar em cena para mais uma apresentação lotada de “Tribos” Antônio Fagundes não negou fogo. Não se recusou a falar de nenhum dos assuntos momentosos de agora, como impeachment, pós-impeachment e PMDB. Caso acontecesse o impeachment, disse ele, a primeira consequência seria o poder cair nas mãos do PMDB “que é o maior saco de gatos da história do Brasil”. Falou bastante a respeito, com muita propriedade. “Impeachment é uma coisa muito forte”. “Não podemos vulgarizar o impeachment”. “Seria ótimo para o PMDB”. “O impeachment está sendo usado politicamente para distrair a gente dos verdadeiros problemas do país”. Comparou Eduardo Cunha a Ricardo III, por não ter nenhuma grandiosidade e observou: “você vê de repente a oposição namorando com esse cara! O governo namorando com esse cara! E quem está pedalando agora é ele”.

O que está acontecendo com a classe artística que não participa mais da política como no tempo das Diretas Já?

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A gente perdeu a visão política porque a gente deixou de se reunir. Depois das Diretas em 85 quando começou a abertura a impressão que deu é que a gente achou que agora está tudo bem, então não precisamos mais conversar. Não, aí é que começaram os verdadeiros problemas do país porque até então você estava proibido de conversar e proibido de interferir. Agora a gente pode conversar e pode interferir. Nem que seja só pelo voto. Então, na minha cabeça a hora que a gente deveria começar a se reunir e discutir a realidade brasileira e levar para o palco essa discussão foi quando a gente parou. A gente falava muito – você deve lembrar disso – na época da ditadura das peças que estavam na gaveta. Não tinha nenhuma! A gente constatou isso assim que houve a primeira abertura. Era mentira que existiam peças na gaveta. Se existiam eram ruins. Que o mercado não comportaria. E aí você via, o que eu vi, o auge da minha produção foi quando eu estava fazendo a Companhia Estável de Repertório, fundada em 81, estava fazendo “Cyrano”, estava fazendo “Nostradamus”, estava fazendo grandes espetáculos lá no Cultura Artística e eu ia atrás de textos e não existiam textos brasileiros. Eu fui atrás do Plínio Marcos, eu fui atrás do Guarnieri, eu fui atrás do Queiróz, eu fui atrás do Lauro César Muniz, nenhum deles tinha texto, nenhum deles escrevia, nenhum deles quis escrever sob encomenda e eram pessoas extremamente combativas na época da ditadura que na abertura parece que ficaram paralisadas. Ou de repente, aí sim, você ia saber quem era o que, porque na ditadura era fácil: você era contra ou a favor. Agora, quando abriu, você era a favor, mas a favor do quê? Você é contra exatamente até que ponto? Você vê a nossa oposição hoje em dia, totalmente paralisada por causa disso.

Você viu acontecer alguma coisa esse ano? O ano todo foi perdido com essa conversa fiada de impeachment.

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Não, eles não estão falando só de impeachment, estão falando do que vão fazer com o poder, agora o que é que eles vão fazer com o país nós não sabemos! Quem assumiu o poder a gente não sabe o que vai fazer e eu credito isso um pouco também a culpa nossa, porque a gente só fala mal dos políticos, mas nós não nos reunimos, não trocamos ideias, não pressionamos, não fomos lá cobrar da oposição “cadê o projeto de governo”? Aquela história, é a economia, idiota. É um projeto de governo e cadê projeto? Você vê, de repente, e é uma coisa que me incomoda muito, as pessoas que só aparecem na época da eleição. Tem políticos que somem, eles ficam quietinhos e na época da eleição pa-pa-pa-pa-pa. Peraí, eu quero saber é agora o que ele está pensando! É agora que eu vou formar a minha opinião sobre ele e não no horário eleitoral.

Começa pela forma com que partidos escolhem candidatos, o presidente do partido indica...ou o Lula, ou o Alckmin... em plena democracia...

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Exatamente. A representatividade não existe, a gente sabe que não. Mas eu acho que a gente não está conversando sobre isso, nem entre nós. A gente parou de conversar. Eu tenho tentado inclusive reunir algumas pessoas para a gente falar, falar, sei lá...

Essa questão do impeachment, por exemplo, poucos artistas falam a respeito.

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Aí eu entendo um pouquinho. É difícil. Vai se manifestar sobre o que? Porque você vê que o impeachment está sendo usado politicamente para distrair a gente dos verdadeiros problemas do país. Se a classe artística quiser discutir ela teria que ter discutido antes. Teria que estar discutindo desde 85. A gente já poderia ter uma posição formada antes do que a gente quer desse país e aí, sim, me dá um espaço que eu vou lá e falo. O que a gente sente é que não existe esse consenso. Não existe essa unidade, essa identidade. Então, naturalmente, o compromisso fica difícil. Mas não é tarde. Podemos começar agora.

Inclusive porque é o momento de pacificar o país. Você não acha que essa divisão está fazendo mal?

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Está sendo forçada essa divisão.

“Você votou no PT então é um idiota”. “Votou no PSDB, é coxinha, é mau caráter”.

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O Brasil tem uma coisa, não sei se é assim no mundo inteiro, acho que não: você não é adversário, você é inimigo. Eu lembro sempre do Voltaire. Posso não concordar com uma só das suas palavras, mas defenderei até à morte o seu direito de pronunciá-las.

O que você está achando que vai dar na tua bola de cristal?

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Eu tenho um pouco de medo. O impeachment é uma figura de Direito que está na constituição, mas é uma coisa muito forte. Eu acho que a gente não deveria vulgarizar essa figura. Tem que ser usado sim, se for preciso, tem que ser usado sim, se for evidente, se houver um crime...

Como no caso do Collor...

A impressão que dá é que... aquelas coisas do Balman... as coisas são líquidas...então nós estamos vivendo numa sociedade líquida, tudo é possível porque vai se esvair. Então, eu já caso sabendo que posso separar, eu já compro um telefone sabendo que vou jogar fora daqui a duas horas, as coisas são todas descartáveis, eu acho que não deve ser assim com a presidência da República. Eu acho que deveria ter um peso um pouquinho maior nessa análise, vamos forçar para que isso seja discutido, analisado, mas que não seja só um jogo político, tanto para um lado quanto para outro.

Há uma tentativa de forçar o impeachment de qualquer jeito...

Põe lá esse cara e amanhã se não gostar dele a gente tira!

Um processo de impeachment paralisa o país durante uns seis meses, as pessoas não sabem disso.

Fora isso, nós vamos dar finalmente o poder ao PMDB! Que é o maior saco de gatos da história da República brasileira! O PMDB, a gente não analisou direitinho, mas vamos fazer uma análise do que esse partido está fazendo desde antes, desde a ditadura, quando se chamava MDB. Então, vamos ver direitinho, nós não prestamos atenção nisso e eles estão no poder ó há quanto tempo. Na verdade, eles é que estão no poder. Eles é que determinam, eles têm a maioria lá no Congresso, eles é que fazem a governabilidade, eles é que pegam os ministérios, pegam os melhores cargos, as maiores verbas, essa – com o perdão da palavra – essa merda toda acho que começou com o PMDB.

E eles não têm o povo!

Mas nem precisa. E com o impeachment vai ficar ótimo para eles.

Eu acho que não vai acontecer. Primeiro porque não tem evidência...

Eu confesso para você que não tenho competência para essa análise...

In dubio, pro reu! No tempo do Collor não havia dúvida...

Imagina, ele só roubou 1 bilhão! Agora são 70 bilhões!   

A incompetência é flagrante em alguns ministérios, mas isso não é motivo para impeachment, às vezes as pessoas pensam que é. Você viu o que o ministro da Saúde disse outro dia? “A saúde no Brasil está ruim mas vai piorar”.

(Ri) Está ruim, mas vai piorar. Junta a incompetência, com os crimes, com a malversação, com a carga tributária maior do mundo... e vai embora!

Esse Eduardo Cunha, se Shakespeare estivesse vivo...

É um Ricardo III... nenhuma grandiosidade... não tem nenhuma... eu acho que o Shakespeare criou personagens mais grandiosos...

De onde ele surgiu???

A gente sabe de onde ele surgiu, ele está aí há muitos anos... É PMDB! Ele, Renan Calheiros...estão todos aí, a gente tem a história deles. Esse é outro problema: você vê de repente a oposição namorando com esse cara! O governo namorando com esse cara! E quem está pedalando agora é ele. Tá jogando a decisão para mais tarde porque ele sabe que é melhor adiar o momento de decidir sobre ele.

É a história do Maquiavel. Ele tem poder enquanto tem a decisão, na hora em que decidir perde o poder. E não vai decidir nunca.

Vai empurrar com a barriga até surgir um fato novo. É horrível a gente estar de espectador disso. Sem participar disso. Precisamos começar a conversar. Não é só a classe artística, é a sociedade civil também, os jornalistas, a gente se afastou.

E daí deixamos espaço para o avanço do conservadorismo. Outro dia um cara chegou para mim e para minha mulher, que estava de muleta. Estendeu um papelzinho com um número e disse: “minha prima teve um problema igual, foi à minha igreja e está curada”. Não é o cúmulo da ignorância?

Eu respeito, isso não me incomoda. Se não for uma imposição eu respeito. A nossa peça fala um pouco sobre a não aceitação da diferença. O que está acontecendo no mundo um pouco eu acho é isso, a não aceitação da diferença está sendo a raíz, a causa de quase todos os problemas que a gente está enfrentando agora, tanto de um lado quanto de outro, porque eles também não nos aceitam. Se você é ateu você é infiel.

E olha que ateu não perturba ninguém! Não faz proselitismo, não quer forçar ninguém a virar ateu!

A gente fica quietinho, trabalhando...

Você quer que alguém seja ateu como você?

Não, não...

Eu não quero que alguém seja ateu!

Como dizia o Millôr, o ateísmo é uma religião em que quase ninguém acredita...

Por que quem diz que não acredita em Deus é considerado no Brasil quase um imoral, um pária, um renegado, alguém que deveria ser riscado do mapa?
Isso eu acho que é perigoso dizer em qualquer lugar, nos Estados Unidos também…

Mas por que tanto apego a essa entidade Deus, que afinal de contas foi criada por Abraão? Ele foi o primeiro a dizer que Deus era um só e que falava com ele. Naquele tempo, havia milhares de deuses. E ele começou a dizer que tem um só, e que fala com ele…
E mesmo na Bíblia ele tem diversos nomes, porque também não podia fazer um Deus só assim de cara, ele mudava os nomes de vez em quando, punha um nome, punha outro…

Não tinha jornal, não tinha TV, nada, nada e Abraão conseguiu convencer todo mundo que Deus existia e que falava com ele, transmitiu essa ideia para todo mundo.
E para outras religiões também, ele foi o fundador de três, né. Mas é engraçada essa coisa, eu não sei se as pessoas misturam uma coisa com a outra, quem não acredita em Deus não tem nenhum valor, não tem valor ético, não tem valor moral. Eu acho que é um pouco assim, porque na verdade eu trocaria a religião de muitos políticos pelos valores éticos.

Fagundes, a gente não se encontra há seis anos, desde “Restos”. Como foi sua vida de lá para cá?

Foi bem, foi bem. Depois de “Restos” nós fizemos “Vermelho”, que também foi um belo espetáculo e agora já estamos há dois anos com “Tribos”, já passamos de 200 mil espectadores. Dos três esse é o que teve mais sucesso. A gente tem uma bela história com ele, viajamos por sete cidades de Portugal, fizemos mais de 50 mil espectadores lá em Portugal em 45 dias. Passamos dos 200 mil aqui, em dois anos, voltamos para o Tuca. A gente estreou ele no Tuca, ficamos 11 meses aqui, fizemos Rio, fizemos 31 cidades no Brasil e agora estamos aí, no finzinho de temporada, a gente tinha que encerrar aqui, porque o Tuca está fazendo 50 anos...

Junto com você...

Eu, na verdade, antecipei um pouquinho os meus cinquenta anos que serão em janeiro do ano que vem, mas eu falei ah, começo a comemorar agora... cinquenta incompletos, como se fala...

E como tem história aqui no Tuca!

Nossa! Esse teatro...

Aqui e no Ruth Escobar. A “Feira Paulista de Opinião”, de que você participou...

Foi lá, foi lá...Mas esse aqui está muito bem mantido, o Ruth Escobar acho que não...é uma pena... ficou com o Estado, né? Entregou pro Estado, estragou...esse teatro é extraordinariamente bem administrado... tá atuante...

Tá vivo, tá bonito...

Com repertório... e público... então...

E o Ruth Escobar teve momentos únicos, só a montagem do “Balcão” justifica sua existência...

E o TBC? O TBC está fechado há décadas!

É um absurdo...

Você vê... entrega pro Estado...

Por que será?

Eu acho que na verdade é histórico nosso. Nenhum governo jamais se preocupou com a área cultural, nem PT, nem PSDB. A gente fala: o PT... o PSDB... não!  Nem um, nem outro! Por incrível que pareça, nossa época mais vibrante foi a da ditadura!

É o que eu estava pensando hoje. Eu, em meio à ditadura, aluguei o Teatro de Arena por três dias para um recital de poesias que eu tinha feito enquanto estive preso no DOI-Codi, em 1974, ditadura Geisel.

Olha só... pois é... a gente era mais atuante, mais vibrante...

As coisas eram mais fáceis.

(Rindo) Na ditadura era mais fácil.

É uma puta contradição, mas é verdade.

Ou não.

Claro que eu detesto a ditadura, poderia ter morrido como muitos jovens, mas sobrevivi...

Você falou “Feira Paulista de Opinião”. Era um espetáculo de resistência pura. A gente tinha sido censurado. Tinha mais de 70 cortes, inviabilizava o espetáculo, a gente peitou, a gente fez...

A gente não tinha medo!

Mas hoje em dia a censura é pior, é econômica.

Pois é, o Estado acabou controlando a cultura...

Mas esse é um dos diferenciais desse nosso espetáculo aqui.

Você conseguiu fazer sem Lei Rouanet?

Esse espetáculo não tem patrocínio. A gente optou, ideologicamente por não ter patrocínio. A gente montou uma parceria, nós somos 24 parceiros, como se fazia antigamente, eu e o Bruno colocamos um capital inicial só para detonar o projeto, para não ter que ficar recolhendo dez mil reis de cada um e a gente se pagou logo na primeira quinzena. A gente fez o espetáculo com um custo muito baixo, e estamos há dois anos em cartaz, o elenco recebendo bem, a equipe recebendo bem. Dependemos única e exclusivamente da bilheteria. E tem sido extraordinário.

É raro haver uma produção desse tipo.

Ao mesmo tempo a gente tem uma liberdade que está faltando para os outros. Você vê, os outros... sem querer a gente acaba se submetendo ao esquema e vira brinde de empresa. Eu tenho um monte de amigos que são gerentes de marketing, são grandes amigos meus, mas eles não entendem porra nenhuma de teatro...

Nem tem que entender...

Eles têm que vender produto...então, de repente, a escolha deles, de que espetáculo eles vão patroci9nar e que espetáculo não passa por esse critério aí – de vender um produto. A gente ideologicamente fugiu disso. Eu, na minha vida inteira, nesses meus cinquenta anos eu tive três patrocínios só e foram os três espetáculos antes do “Restos”. Todos os outros, eu montei mais de 30 espetáculos, sempre fui eu que produzi, nunca fui atrás de patrocínio. O “Restos” também foi assim, o “Vermelho” também foi assim... Nesse aqui a gente mudou um pouquinho a estrutura da administração do espetáculo. O “Restos” e o “Vermelho” seguiram os moldes de uma produção normal.  No “Vermelho” eu tinha um sócio, em “Restos”, não. É tão bom, porque você sabe que você montou aquele espetáculo e que vai continuar em cartaz se o público quiser e a gente estabelece uma relação de liberdade e de interação com a plateia, o que o patrocínio faz você perder.

Tem até cantor agora que é patrocinado, e o patrocinador controla a sua carreira, e veta entrevistas inclusive.

Hoje em dia tudo é patrocinado. Eu acho que isso foi uma forma de o governo ter a cultura na mão. E não fazer nada com ela. Você fica na mão deles. “Se não tiver patrocínio não vai sair”. O cinema já é assim. O Collor já mostrou isso pra gente. Acabou com a Embrafilme e nós ficamos cinco anos sem produzir um único filme. Agora voltou a ANCINE, não sei que, pa-pa-pa também, se tirarem esse patrocínio nós vamos ficar cinco, dez anos sem produzir.

O Babenco disse que no Brasil não filma mais porque a burocracia da ANCINE inviabiliza.

O que a gente vê, ao longo desses anos todos, em teatro também e é uma pena que a gente não tenha percebido isso é que nesses anos todos de patrocínio nós não fomos atrás do público. Porque a ideia é: agora que a produção está garantida vou conquistar o público para que ele fique em definitivo na minha mão e daqui a algum tempo talvez eu não precise de patrocínio, mas isso não frutificou e a gente está dependendo mesmo do patrocínio e não tem o público. O dia em que tirarem o patrocínio nós paramos. Quer dizer, nós, vírgula, os que ainda tentarem fazer como a gente está fazendo aqui talvez consigam se relacionar. Mas é um problema grave para a cultura.

É verdade que mulheres vão mais ao teatro que os homens?

Mas isso é o nosso habitual em teatro, a gente tem de agradecer sempre ao sexo feminino, porque sem elas não haveria arte, o homem realmente não se interessa muito por teatro, dança, música.

Acha que é coisa de veado?! Você não teve essa pressão?
Sabe o que é engraçado? Na minha época tinha até uns grupos de teatro homofóbicos, tinha grupo que você não entrava se você não fosse espada, como se diz hoje. O Teatro de Arena era um grupo assim, era tudo comunista.

Não tem comunista veado (risos). E você, desde pequeno embarcou nessa?
Eu comecei a fazer teatro com 12 anos, teatro estudantil, teatro amador, infantil, até me profissionalizar com 16 para 17 anos, era molequinho ainda. No “Arena Conta Tiradentes” eu tinha 17 anos.

O que o Arena montava era sucesso. Lotava toda noite.
Na década de 1960, tinha uma turma muito grande de estudantes que ia ao teatro constantemente, mas hoje eu me pergunto se eles gostavam de teatro ou se eles gostavam de política. Porque o teatro naquela década e na década seguinte, durante a repressão, foi mais política que teatro, foi um péssimo teatro e uma péssima política também, porque a gente não conseguiu mexer em nada, e não fizemos um bom teatro também naquele período.

Como é que você decora uma peça? É por trechos?
Não, você estuda tanto aquele texto ali que acaba assimilando aquelas palavras, mas o problema é exatamente esse, você assimila dentro de um determinado contexto e um espetáculo de teatro é uma obra viva, ou seja, aquele contexto não está nunca preservado.

Depende até de quem está na platéia?
Sim, eu estou aqui e tem um cara na poltrona balançando a perna, eu estou vendo o cara mexer a perna e eu penso: “será que ele vai mexer a perna a peça inteira?”. No que eu pensei “ele vai mexer a perna a peça inteira” eu já saí do contexto onde eu estava. Então, é um esforço de concentração mesmo, de voltar sempre para o contexto que você criou para desenvolver aquilo, mas ao mesmo tempo eu tenho de comunicar aquilo para uma plateia diferente a cada dia. Então você vê que decorar é o de menos, a verdadeira batalha do ator é essa união, é essa troca de energia com uma plateia cada dia diferente, e nem sempre a favor.

Mas alguém já te atrapalhou de propósito?
Um cara que fica com a perna balançando a peça inteira, ele não está prestando atenção.

Mas é só um tique nervoso, vai ver…
Tem aquele que dorme, aquele que ronca, aquele que tosse. Em “Restos” aconteceu isso, um certo dia, um cara tossiu durante 15 minutos ininterruptamente, uma tosse que eu recomendaria a ele que fosse ao hospital direto saindo do teatro. E ele ficou 15 minutos atrapalhando a peça porque ele estava atrapalhando a plateia, não ouviu nada porque se você está tossindo, você não está ouvindo nada e eu 15 minutos ali em cena, fazendo o diabo para que a plateia ficasse grudada no que eu estava falando e não ouvindo a tosse do cidadão. Depois de 15 minutos, ele se levantou e foi embora.

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