Bruno Barreto ao 247: “Ninguém questiona a reputação da Dilma”

Em entrevista ao 247, o cineasta Bruno Barreto fala sobre "Inventores do Brasil", série de 13 programas ancorados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que está finalizando para o Canal Brasil, e a respeito de outros assuntos momentosos, como a queda de braço entre PT e PSDB que, de acordo com ele, foi insuflada pela campanha do "nós contra eles" comandada por Lula, que recusa convites para dialogar emitidos por Fernando Henrique, seu vizinho de rua e mais recente amigo; diretor do thriller político "O que é isso, companheiro"? - "que Zé Dirceu adora e Franklin Martins detesta" - ele também afirmou que "não faria o filme do Lula" que seu irmão dirigiu e foi produzido por seu pai, Luiz Carlos Barreto, porque o enredo deixa a desejar: "Dirceu daria um filme muito melhor"

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SONY DSC (Foto: Gisele Federicce)


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Por Alex Solnik, para o 247 - "Inventores do Brasil" é o nome da série de 13 programas ancorados pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que o cineasta Bruno Barreto está finalizando para o Canal Brasil, com estreia programada para a primeira semana de abril de 2016.

Em São Paulo, onde mora desde que voltou dos Estados Unidos, ele falou pela primeira vez ao 247 a respeito desse e de outros assuntos momentosos, como a queda de braço entre o PT e o PSDB que, de acordo com ele, foi insuflada pela campanha do "nós contra eles" comandada por Lula, que recusa convites para dialogar emitidos por Fernando Henrique, seu vizinho de rua e mais recente amigo.

Escrita pelo ex-presidente e pelo jornalista Elio Gaspari para quem "Fernando Henrique, Dom Pedro II e Getúlio são a mesma pessoa" a série vai falar do Brasil de Dom Pedro II a Tancredo, abordando e desmistificando personalidades como Rui Barbosa, "que f... o Brasil" e Campos Salles, "que teve de consertar as c... de Prudente de Morais para Rodrigues Alves poder voar, mais ou menos como Fernando Henrique fez em relação ao Lula".

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Detentor, há 40 anos, do maior público do cinema brasileiro, com "Dona Flor e seus dois maridos", que realizou com apenas 20, e diretor do thriller político "O que é isso, companheiro"? - "que Zé Dirceu adora e Franklin Martins detesta" - ele também afirmou que "não faria o filme do Lula" que seu irmão dirigiu e foi produzido por seu pai, Luiz Carlos Barreto, porque o enredo deixa a desejar: "Dirceu daria um filme muito melhor".

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No que é que isso tudo vai dar?

Ninguém tem bola de cristal. O Brasil, como dizia Tom Jobim, não é para principiantes. Mas eu acho que tudo isso é positivo.

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O que seria melhor acontecer?

O melhor seria a Dilma renunciar, seria um ato de grandeza, eu concordo plenamente com Fernando Henrique, não porque sou amigo dele e admirador dele, mas acho que isso seria um ato de grandeza.

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Mas a essa altura isso está descartado.

Ela não quer hoje, isso não quer dizer que ela não vai querer amanhã. Todas as renúncias que aconteceram, aconteceram na última hora. Não quer, não quer, até que uma hora resolve que quer. Mesmo porque ela é uma pessoa honesta, a reputação dela ninguém questiona. O problema é que não consegue governar. A encrenca econômica não tem nada de novo, o que tem de novo é a coisa política. Todo mundo sabe como resolver a economia, não tem muito mistério. O problema é político, não é econômico. O econômico se resolve. O Brasil tem muita reserva. Não é uma situação seríssima, péssima, horrível. Os banqueiros enriquecem, mas nem é culpa dos banqueiros. Os banqueiros enriquecem por inércia. Quanto maiores os juros, maiores os lucros. Sem fazer nada. Não é culpa deles. É que o sistema acaba dando uma vantagem para eles, eles ganham por inércia. Mas isso tudo é irrelevante, o problema é político. Quando isso for resolvido, quando a coisa andar...a diferença também não é tão grande... o bolsa família não é o problema... o que se gasta com bolsa-família é irrisório...o problema é o Estado... poderia investir até mais no bolsa-família...mas o que se gasta com corrupção, com projeto de poder, não sei que... É foda! É foda! Mas, está melhorando. A Lava Jato eu acho que é uma coisa impressionante. Quando na minha vida eu achei que ia ver empreiteiros na cadeia? Então, tem uma mudança. Não estou dizendo que eles estão totalmente errados ou totalmente certos, agora a Justiça vai ver, vai ter investigação. Eu tenho uma esperança. Mas é uma coisa psicanalítica! O Brasil não acredita em si! Quando você não acredita em si você transfere para o Estado. O Estado regula, mas não pode ser o indutor. O administrador. E é o que Delfim fala: tem sistema melhor? Até agora não tem. É perfeito? Longe disso. O capitalismo não é perfeito, mas não tem um sistema melhor que se coadune com a democracia.

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Muita gente está dizendo, o último foi o bilionário Jorge Paulo Lehman que Lula e Fernando Henrique deveriam se encontrar para apaziguar os ânimos exaltados que estão se refletindo negativamente na economia...

Eu conheço Jorge de longa data...

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O que você acha disso?

É claro que eles deveriam conversar e Fernando Henrique já disse que está disposto. Mas o Lula não tem essa grandeza. Aliás, não me ocorre ninguém que teria essa grandeza no PT. É um partido de militantes e militante, já pelo nome... eu não conheço um militante com grandeza.

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Mas a conversa teria que ser entre os dois. Eles poderiam gravar um vídeo – você poderia gravar – em que cada um reconhecesse os erros do seu partido e pedisse para os simpatizantes pararem com provocações que não levam a nada e pioram ainda mais o ambiente político e econômico.

O Lula nunca vai fazer isso! O Lula é um militante, o Lula é um sindicalista, pô! Você tira o sindicalista de São Bernardo, mas não tira São Bernardo do sindicalista. Certa vez, em 2003, eu fui ao palácio exibir um filme para o Lula que eu tinha produzido em nome da L.C. Barreto, dirigido por Vicente Amorim, que foi meu assistente de direção em "Bossa Nova" e filho do ministro Celso Amorim. "Caminho das Nuvens". Minha função era proteger o Vicente do estúdio que era L.C. Barreto... Um estúdio tupiniquim... Eu estava casado com a Amy Irving na época, estava lá o Jair Meneghelli, estava o Palocci, a mulher do Palocci, muito inteligente, o Palocci também e aí lá pelas tantas, depois de ver o filme Lula falou: "Puxa, para que é que a gente precisa de cinema no Brasil? A televisão já é tão boa, né"? Até o Jair Meneghelli ficou meio assim... o Palocci então! Deu aquele branco no salão. Tudo bem que ele conheceu a Rainha da Inglaterra, tudo bem que ele visitou o mundo todo...Eu não tenho nada contra o Lula. Ele fez coisas boas, não estou dizendo que não, o primeiro governo dele foi muito bom, mas ele não tem essa grandeza. O Brasil só avançou com a conciliação. O PT é que lançou o "nós contra eles"!

Isso tem que acabar!

Isso tem que acabar no PT! Fernando Henrique está disposto a isso... o próprio PSDB, de maneira geral, está disposto. O Aécio Neves, lá atrás, dizia, e disse várias vezes que a aliança mais natural era o PT e o PSDB. O Aécio sempre pregou, quando era governador em Minas, a aliança entre os dois. O Tasso Jereissati contou para mim e para meu pai que Lula foi convidado para ser vice do Fernando Henrique em 1994, mas não aceitou. Papai é muito amigo do Tasso.

Teu pai tá com quantos anos?

Oitenta e seis.

Firmão?

Tá bem. Surdo porque não bota o aparelho, ele não se acerta com o aparelho...é o top que tem, mas... eu sei que é viável... por exemplo, o Fernando Henrique, com quem eu tenho convivido muito, estou fazendo um seriado com ele, uma série...

Ah, é?

Eu estou fazendo um projeto para o Canal Brasil – não é TV Brasil – que é da Globosat e dos produtores, do Aníbal Massaini, do papai, do Roberto Farias, 50%, 50%, mas podia ter sido até para a Globo News, teria sido até mais bem pago. Foi uma ideia minha, é baseado no livro do Fernando Henrique – "Os pensadores que inventaram o Brasil". E eu chamei o Elio Gaspari, que é meu amigo, que eu adoro, conheço desde pequeno, mas de quem me aproximei depois que vim morar em São Paulo para escrever. Então, a gente tirou umas pessoas do livro e colocou na série, mas o que predomina é o Fernando Henrique falando. Então, o Elio escreve e Fernando Henrique copidesca, a gente alinhou isso, os dois juntos, porque eu não sei nem um décimo do que eles sabem, o meu papel é fazer com que aquilo fique acessível ao telespectador, sem perder a complexidade, nem a clareza. Começa no fim de Dom Pedro II – abolição da escravatura, Joaquim Nabuco – e vem até o Tancredo. São 13 capítulos. É uma viagem totalmente fulanizada. É sobre as pessoas. Tem desde uma pessoa pouquíssimo falada que é muito interessante, que eu descobri fazendo esse programa, que é o Campos Salles, que foi um paulista empedernido...

"Governar é construir estradas"...

É... o Prudente de Morais que veio antes dele era mais conhecido, mas Campos Salles consertou as cagadas que o Prudente de Morais e o Rui Barbosa, que era o seu ministro da Fazenda, fizeram, como o encilhamento, deixaram o país fodido... fodeu o país o Rui Barbosa... e assim Campos Salles pavimentou o terreno para o Rodrigues Alves voar... um pouco como o Fernando Henrique e Lula e tal...e o Fernando Henrique é a escolha porque Fernando Henrique eu acho que é, como disse o Elio, a única pessoa que poderia fazer isso, além de ser um cara que tem uma atitude na maioria das vezes, sobretudo agora, suprapartidária, como intelectual, pensando o Brasil... ele também já esteve lá, quer dizer, ele tem a visão de dentro e de fora. Elio Gaspari diz que Fernando Henrique, Dom Pedro II e Getúlio são a mesma pessoa. Por isso ele chamava o Fernando Henrique, quando era presidente, de monarca. Não por ele ser monarquista, autoritário; é o oposto. É essa atitude elevada, de saber ouvir, de não querer ser autoritário. Dom Pedro II era o antiautoritário, inclusive ele tinha vergonha de ser imperador. Ele assinava Pedro Alcântara. Ele na maioria das vezes estava vestido de preto. Só quando ele tinha que se paramentar ele se paramentava. Então, isso dá uma dinâmica ao programa... não fica uma visão só intelectual...O Fernando Henrique também conta que Getúlio, apesar de ser tido defensor de um estado forte queria a Petrobrás meio a meio, capital privado e estatal, mas a UDN insistiu para que fosse estatal. Está ficando muito bacana, é inspirado no formato daquela série da BBC chamada "A idade da incerteza", com John Kenneth Galbraith, uma série dos anos 70. E também tem o "Civilization", com Kenneth Loarck, que é outra série parecida...é uma viagem... Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque e aí vai no tenentismo. Eu estou falando isso porque o Fernando Henrique tem um aparelhinho e escuta tudo... então, o papai não deve estar conseguindo ajustar o aparelho.

E D. Pedro II não daria um grande filme?

O Nelson Pereira dos Santos vai fazer. Fernando Henrique diz que Dom Pedro II tinha tudo para dar errado e deu certo. Porque a mãe morreu quando ele tinha, sei lá, dois anos, o pai foi embora e ele deu certo. Era engraçado o jeito que ele lidava com a política interna era o oposto em relação à externa. Ele foi muito violento na Guerra do Paraguai... ele foi impiedoso.

De qualquer maneira foi uma grande bobagem derrubar Dom Pedro II que tinha acabado com a escravidão e estava modernizando o país. A proclamação da República foi um golpe contra o progresso, na verdade.

Joaquim Nabuco falava... ele era monarquista... ele dizia: "a grande questão da democracia brasileira não é a monarquia, é a escravidão"...

Deportar Dom Pedro II foi o fim da picada. Compara seu perfil com quem veio depois dele... Deodoro... Floriano...depois dele vieram os milicos...a ditadura.

Mas aí é uma outra coisa que tem no programa, a gente mostra que desde a proclamação da República... a oligarquia... os militares, depois vem o tenentismo... isso tudo vai culminar com o golpe de 64! O golpe de 64 já estava sendo armado desde a proclamação da República. No tenentismo. Geisel, Frota, Médici... estavam todos no tenentismo. O golpe de 64 foi a vitória do tenentismo. O Geisel chefiava as tropas que foram até o Palácio da Guanabara quando Dutra foi depor o Getúlio em 46, embora fosse uma coisa meio encenada, o Getúlio dizendo "ah, eu vou descansar e daqui a pouco eu volto"...estava tudo meio que em casa... tanto que, quando foi eleito, o Getúlio anda na frente do Dutra...o Dutra ainda está com a faixa e o Getúlio andando na frente...e era o ministro da Guerra dele! Eu estou fascinado pelas narrativas da história do Brasil.

E o que você está achando dessa situação toda?

Não sei... é tão maluco... eu tenho lido muito, porque nós não vamos chegar nem perto, paramos no Tancredo, de lá para cá Fernando teria que falar dele próprio, então não daria certo...o último programa é a volta da democracia.

Durante o velório do Tancredo eu ouvi o Fernando Henrique dizer ao futuro ministro da Justiça Fernando Lyra o seguinte: "Sarney não fará 2% do que Tancredo faria". Ele fala o que do Sarney?

Ele gosta do Sarney. Ele diz que "Sarney é um democrata" e tudo.

Mas, naquele momento, você tem um Tancredo e um Sarney egresso do partido da ditadura, com aquele passado dele...

O Sarney... você falou bem, com aquele passado dele.

Sarney e seu passado.

Glauber fez um documentário...

"Maranhão 66"... eu nunca entendi também.

Não, mas o Sarney... não, não é isso... Não era só isso... o Nelson, tal, podia fazer... o Glauber não era... Nelson fez alguns filmes para pagar contas, é normal na vida de todos nós, não estou criticando... e até fez bons filmes... teve um bom que ele fez de encomenda chamado "Fome de Amor" que é muito bom. Fez "El Justicero" que era uma comédia... o tal filme sobre Milionário e Zé Rico, "Estrada da Vida", que é legal, ele também fez. Então, isso não quer dizer nada. "Blow-Up", a obra prima de Antonioni foi um filme de encomenda. Mas o Glauber não tinha saco para isso! Porque o Sarney teve... não estou defendendo o Sarney... e é meio patético que ele sempre morre na praia... Acaba se melando por uma coisa viciada. Porque... ele... Eu adoro o "Saraminda". Eu tenho os direitos de "Saraminda". Um dos meus projetos é fazer o "Saraminda". É melhor que "Gabriela". É um "Thomas Hardy"... é um romance que se passa no século 19... acho lindo o "Saraminda".

Ele é um poeta sofrível, mas bom romancista. As pessoas não leem por causa da sua má fama como político.

Mas, sobre o que você me perguntou, eu li um artigo na "Ilustríssima", de duas páginas, sobre as diferenças entre o PT e o PSDB, mostrando que existem divergências, mas as diferenças no campo social são praticamente nulas e que a grande diferença é em relação ao tamanho do estado, um acha que tem que ser maior e outro que tem que ser menor. E acho que todos os nossos males vêm daí. Se você for ver, tudo está relacionado a isso. Campos Salles, em 1901, já dizia que a rede ferroviária seria melhor administrada se fosse privada. Em 1901! A gente não resolveu essa questão até hoje! O meu pai, que é um sujeito esclarecido, porra, privatizar a Petrobrás para ele é um crime! Ele vai espernear, ele vai ter um ataque do coração e morrer! Meu pai! E se você for ver, eu não gosto de ficar pontificando, eu sempre estou aprendendo, mas é muito claro para mim hoje depois de toda essa pesquisa, a gente começou esse programa há um ano, mas só fizemos agora porque o ano passado era de eleição, não podia ir ao ar...mas o que eu aprendi disso tudo, se eu fosse resumir, é isso...e aí oligarquia, não sei que, a corrupção...corrupção existe no mundo inteiro, também não vamos ser lacerdistas no mau sentido, porque eu sou um fã do Lacerda, moralista e tal, a corrupção existe, ela é até necessária, a natureza do ser humano é o impulso e depois tem que haver o controle... como disse o grande publicitário da Almap "o brasileiro adora proibir, mas odeia fiscalizar"....tem lei pra cacete mas não fiscaliza...então proíbe, porque é preguiça de fiscalizar... uma tônica do programa é que a esquerda e a direita criam o mesmo modelo dirigista, autoritário, idêntico, não tem diferença nenhuma entre direita e esquerda, elas são muito parecidas, porque são autoritárias. "A democracia no Brasil é um equívoco lamentável" disse Sérgio Buarque de Hollanda. Ele fala isso no "Raízes do Brasil". As pessoas esqueceram! E é um equívoco! Porque o voluntarismo, não sei que...A Dilma é um Figueiredo de saias, eu sempre disse isso, desde o início! Aliás, o Elio faz cartas do Figueiredo para ela, como Jabor fazia do Nelson Rodrigues. Meu pai também, é um voluntarista! É uma loucura! É uma cagada! Então, são poucos... Os "Diários" do Fernando Henrique é que mostram como era difícil o exercício da democracia. Aquele diário é de uma tristeza! Caralho! Porra, que horror! Olha! Ele está nadando de manhã, o Serra vem interromper ele! É louco... intempestivo do jeito que o Serra é. Deve ser meio bipolar, chega lá e...

E ele não dorme...

Não dorme. Eu adoro o Serra, sei que é maluco, mas eu adoro o Serra... é cinéfilo...adora cinema, conhece cinema bem para cacete...

Mas não entendo como ele consegue ser amigo do Reinaldo Azevedo!

O Serra?

É! É muito amigo do Reinaldo Azevedo.

O Reinaldo é um cara... você sabe quem me falou bem do Reinaldo? Que é surpreendente? O Jânio de Freitas. O Jânio é amigo do papai. Eu fui num jantar, há uns dois meses e estava lá o Jânio e o Thiago de Mello. O Jânio está com 90.

E o Thiago deve estar com 100!

O Thiago está muito bem, sabia? Mulher jovem...

Esse é o segredo da juventude...

E o Jânio, que me conhece desde pequeno, falou... porque na minha casa eu cresci vendo Paulo Francis... Jânio... todos muito bem vestidos... eu me lembro do Paulo Francis com ternos impecáveis...o Jânio também... Ênio Silveira...eles viviam em casa o tempo todo...o Samuel Wainer... o papai escondeu o Samuel Wainer antes de ir para Paris, exilado, dormiu dois dias lá em casa... e o Elio Gaspari também... ele era mais novo... eu sempre convivi muito com adultos... e entre eles tinha uma mulher linda, inteligente, que foi a musa deles, a Lena Chaves e eu achei que o Elio tinha namorado ela e depois o Elio me disse que não, que ele quis, fez tudo, mas não conseguiu, foi o Paulo Francis que conseguiu... então, eu cresci nesse meio. Eu era muito amigo do Samuca. Morria de tesão na irmã dele, a Pinky Wainer. Tudo isso para falar que o Jânio falou naquele jantar que o Reinaldo Azevedo é muito bom jornalista, escreve bem, que trabalhou com ele lá na Folha, e aí me disse que ele tem sei lá quantos tumores inoperáveis na cabeça...

Quem?

O Reinaldo. Ele tem uma condição... pelo menos uns dois... ele tem um negócio assim que ou altera... ele não estava justificando o que o Reinaldo escreve... eu concordo... eu acho o Reinaldo muito melhor do que o que ele faz...Ele se rendeu um p0ouco...

Ele é panfletário!

Eu conheci ele uma vez num almoço, achei ele muito inteligente, muito rápido... é claro que o Paulo Francis era melhor que ele, mas no fim ele ficou meio assim também...você se rende à blague... igual a um ator que está fazendo uma comédia, mas quer fazer comédia na hora de fazer comédia. Só para pegar uma risada. Aí fica caricato. Como diz o Mel Brooks "a comédia só pode estar nos olhos de quem vê, não de quem faz". Você faz de verdade e a outra pessoa ri. Se você quiser fazer engraçado não tem graça. Então, é um pouco isso. O cara vai sendo contagiado pela quantidade de acessos que ele tem, que parece que é o maior blog não sei que, e o cara fica meio escravo disso. E meio que se rende a isso... e aí vai ficando meio...quase Zé Simão. Mas o Serra... o Serra é maluco! Mas o Serra é uma pessoa complexa e...agora, a verdade nua e crua é que... não, não posso falar isso que ele é meu amigo. Desliga aqui. Stop.

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Por que "O que é isso, companheiro"? deu tanta polêmica?

Olha, "O que é isso, companheiro"? foi o filme que eu mais levei tempo para fazer – esse e o "Flores Raras" foram os dois filmes mais difíceis de eu achar o viés. Porque, depois do "Gabriela" eu aprendi. Eu não vou mais fazer um filme a não ser que esteja muito clara para mim a razão pela qual eu quero contar aquela história. Para mim, a razão pela qual eu quero contar a história é mais importante que a história, porque a razão pela qual eu quero contar aquela história é que vai me dar o viés – eu quero contar essa história para falar do quê? "O que é isso, companheiro"? levou tanto tempo quanto o "Flores Raras". O "Flores Raras" a minha mãe comprou os direitos em 1997 e eu primeiro não li, não me interessei pelo tema, depois, quando eu vi a minha ex-mulher, Amy Irving fazendo o monólogo da Marta Goes nos Estados Unidos, e eu sabia que era o mesmo tema do livro da Carmen de Oliveira eu disse poxa essa é a história de que a mamãe tem os direitos... interessante...talvez dê um filme... mas isso era sete anos depois. A mamãe já tinha oferecido ao Babenco... eu nem tinha me interessado em ler a história... depois de ver a Amy é que eu li o livro e achei interessante, era em 2004... só em 2008 eu descobri o viés: o forte que fica fraco e o fraco que fica forte porque um domina e outro não domina a arte de perder. Com "O que é isso, companheiro"? foi a mesma coisa. A mamãe comprou os direitos assim que o livro saiu. A opção dos direitos. Eu li o livro logo, gostei do livro, mas é um livro que se passa na cabeça do Gabeira, não tem ação, não tem dramaturgia. Aí eu disse: tô fora! Não consegui ver um filme aí.

Deixou tua mãe na mão?

Deixei outros tentarem. Aí veio o Daniel Filho... o Euclides Marinho como roteirista... aí veio não sei quem... e o filme não saía. Aí eu resolvi tentar. Eu tentei quatro roteiristas diferentes. Todos começaram do zero. O primeiro roteirista que eu propus foi o Leopoldo Serran, com quem eu tinha trabalhado no "Estrela Sobe", no "Dona Flor", no "Amor Bandido". E o Leopoldo disse "nem pensar, Bruno, isso aí é uma caixa de marimbondo, não me interessa". O tempo passou - eu acho que a opção estava para vencer... ou não podia mais ser renovada... porque, claro venceu várias vezes e foi renovada e chegou um momento em que não podia renovar mais – eu estava morando em Los Angeles e papai me ligou: "vem cá, você não quer dar uma última tentada"? Isso era 94. O livro tinha saído em 79. Eu disse "olha, vou falar com o Leopoldo, que é o único roteirista possível, com quem eu fiz os melhores filmes". O Leopoldo disse "olha, se teus pais toparem me enviar aí para Los Angeles, sentar com você uma semana, dez dias, para descobrir, tentar descobrir o filme, eu topo. Agora, tem que ser sem compromisso. Pode ser que eu passe aí uma semana, dez dias e não ache o filme. E eu não quero ficar na tua casa, não, porque tem que ser profissional, fico no hotel". Meus pais toparam, num hotel que não era lá muito caro, passagem na permuta e tal. E eu todo dia pegava ele, dez da manhã e íamos para o meu escritório, eu não trabalhava em casa. Ficávamos lá, um em frente ao outro, falando tudo e não saía o filme, não saía o filme. Puta merda, eu já comecei a me sentir culpado. Não saía. Um belo dia quando eu pego ele tá tocando no rádio do carro o tema do "Casablanca"... it's always the same old story/ a fight for love and glory... Aí deu um estalo nele: "olha, é isso aí, é isso que todos eles tinham em comum, tanto os meninos guerrilheiros, o torturador, o embaixador, todos eles estavam atrás de amor e glória... aliás, essa é a vida... isso é o que todos eles queriam. Então é isso que a gente tem que tentar ver, tentar tratar todos iguais...ver a motivação de todos... até do torturador"...

Até do torturador?

Aí, em quatro, cinco dias a gente armou uma espécie de estrutura, fomos para Washington encontrar a filha do Elbrick, entrevistamos ela, o Leopoldo voltou para o Brasil de lá, da Costa Leste, eu voltei para Los Angeles e em seis semanas o primeiro tratamento do roteiro estava pronto. Era oitenta por cento do que o filme foi. O que me motivou a fazer aquele filme e o que aliás me motiva a fazer todos os filmes eram os personagens, as pessoas... isso está claro lá, tem um telefonema da Claudia Abreu ao pai, ela não vê o pai, não sei que, havia várias razões para aquelas pessoas fazerem o que fizeram. Não iam mudar o país, não é isso. E até uma razão para o torturador fazer o que fez...ele... ele... eu não estou justificando...

Você já viu um torturador de verdade?

Não.

Eu vi. No DOI-Codi. É inacreditável.

Por que?

É um tipo que você não imagina que possa existir de verdade. É personagem de filme de terror.

É?

Eu fiquei um mês e meio preso. São pessoas que não existem na realidade, não são como eu, você, teu vizinho, o dono da padaria. São monstros mesmo.

Eu sei, mas...

Monstros.

Eu não estou defendendo o torturador... Um vilão, para mim, quanto mais complexo ele é, melhor ele é. O torturador também achava que estava fazendo a coisa certa. É a banalidade do mal. Se ele é um monstro, aí já fica distante. Quase que estilizado. Se ele é uma pessoa que tem uma namorada, que tem uma vida normal e que acha que aquilo é um trabalho normal é mais absurdo, o absurdo da situação fica muito mais evidente.

Um deles se vestia como juiz, era o dr. Romualdo, vinha às celas usando a capa preta e ameaçava na porta da cela feminina: hoje eu vou fritar as bolas do teu marido!

O cara tem que ser maluco, claro...

Outro fazia o bonzinho: não sei porque te prenderam, é uma injustiça, vou fazer de tudo para tirar você daqui.

É punk! A ideia foi exatamente examinar os personagens e não fazer um filme de Costa-Gravas. Eu até gosto de outros filmes dele, mas se você vê os thrillers políticos dele hoje, eles são muito maniqueístas. Ou Oliver Stone, que eu também gosto de alguns filmes, mas...ficou maniqueísta. Então, até nos Estados Unidos o filme teve críticas muito boas e teve críticas que não eram boas que diziam o seguinte: "tentando não evitar a complexidade o diretor Bruno Barreto e o roteirista Leopoldo Serran acabaram esvaziando o filme de conflito, porque the bad guys are not really the bad goys and the good guys are not really the good guys". Que coisa absurda! Nesse sentido, do Bem contra o Mal, realmente: perdeu o conflito. Mas não é por aí. Então, isso... teve uma história que eu vou te contar que é interessante... isso incomodou muito meu pai. Na L.C. Barreto sempre aconteceram os projetos da minha mãe e do meu pai. Claro que um opina no do outro, mas a palavra final não é dos dois, é de um. Então, no "Lula" a palavra final foi do papai. É um projeto dele. No "Flores Raras" a palavra final era da minha mãe e minha. Eu tinha sempre o corte final. Apesar de os produtores serem da minha família eu sempre coloquei no contrato que o corte final é meu. Então, no caso, do "Companheiro", que era um projeto da mamãe, a palavra final era dela e minha - o único filme que eu fiz com papai foi o "Dona Flor" – todos os outros filmes da L.C. Barreto sou eu e minha mãe. O Fábio sempre foi mais próximo do papai e eu da minha mãe.

O "Lula, filho do Brasil" você não quis fazer?

Eu nunca pensei em fazer. Eu não faria. Por várias razões. Fazer a biografia de um cara que está vivo já é um problema. E é mais um filme de superação, não sei que. Eu acho que como história o Zé Dirceu dá um filme muito mais interessante que o Lula. Meu interesse é dramatúrgico, é no personagem. O Zé Dirceu é quase shakespeariano!

A vida dele é Shakespeare... até de rosto ele mudou...

Mas voltando ao "Companheiro", o papai tinha horror daquele personagem do torturador do meu filme. "O Leopoldo é de direita e você...também". Eu e papai sempre tivemos muito conflito. O papai é uma pessoa, por todas as razões lá dele, nordestino e tal, ele tem um viés populista quase que...

Inato...

...do qual não consegue se livrar. E eu sou o oposto disso. Para mim a meritocracia vem quilômetros à frente do assistencialismo. Ele então ficou com medo, mostrava o filme à Violeta Arraes, ao Ferreira Gullar... ele ainda não era amigo do Zé Dirceu na época... para perguntar o que eles achavam, e eles diziam "não, é ótimo, esse vilão aí é bom que ele seja humano, isso faz a história mais forte e tal". Não que ele fosse fazer alguma coisa... ele não tinha contratualmente o direito... eu ia brigar com ele até o fim... e ele também já teve ideias muito boas... não é só o produtor vilão...porque, depois de muita análise e depois de ter feito os filmes que fiz cheguei a uma conclusão: dirigir é roubar ideias... eu posso te odiar, mas se você é uma pessoa inteligente, embora eu não goste de você, se você tem uma ideia que vai deixar meu filme ficar muito melhor, tudo bem... eu estou sempre ouvindo... mas não é o meu caso... eu não odeio meu pai, eu amo meu pai... no "Flores Raras" que ele pouco participou porque era a paixão da mamãe o tempo todo, ele deu uma ideia lá que eu botei, que é linda. Quando a Bishop vê que a Lota realmente morreu eu corto de Nova York para o Aterro do Flamengo, está amanhecendo e as luzes apagam. Isso foi uma ideia dele. Depois eu volto para Nova York e ela está lá chorando. É lindo, poético... papai é... eu tenho fotos do papai na minha sala! Papai foi um grande fotógrafo. Aliás, o lado que eu mais admiro no meu pai é o lado criativo. O papai ficou com muito medo dessa... dessa complexidade, entre parênteses, de direita...e aí, quando o filme ficou pronto, o Franklin Martins que nunca foi amigo do papai, mas odiava o filme, falava mal do filme, até deu força para o cara cujo codinome era Jonas para entrar com processo, esse processo foi feito, foi feito um acordo lá, porque, realmente, a gente trocou o nome, mas não trocou o codinome e devia ter feito isso. Besteira. Pisada de bola da produção e até da companhia de seguro, porque quando você faz filme com personagens verdadeiros você sempre faz um seguro de erros e omissões. O seguro analisa o roteiro e às vezes diz é melhor cortar essa cena, mudar esse nome, senão a gente não tem como cobrir. E escapou o Jonas. E o Franklin, que eu não conheço, deu força, escreveu, escreveu, escreveu...e o Zé Dirceu adora o filme. Então, quer dizer, eu não estou comparando o Zé Dirceu com o Franklin Martins. Ambos foram da esquerda, ambos participaram da luta armada e um adora o filme e o outro detesta.

O Zé Dirceu nem tanto... só do movimento estudantil...

É, o Zé não, mas foi exilado...

Você teve algum esbarrão com a ditadura?

Meus pais queriam que eu entrasse no Colégio de Aplicação. Que era um colégio dificílimo de entrar. O exame de todos os colégios era em dezembro, mas do Aplicação era em fevereiro, tinha que estudar durante as férias inteiras e tinha um curso chamado Goiás, um curso de admissão que durava um ano inteiro, que te preparava. Então você fazia uns dois colégios de reserva em dezembro, o Anderson, o André Maurois e depois o Aplicação. Eu não passei para o Aplicação, o meu irmão passou. O dono do curso Goiás se chamava Major Moraes. Era casado com dona Cléa. A filha deles foi casada com Stuart Angel. Uma mulher muito bonita, cabelo curto e tal. Sônia Moraes. Então, a primeira vez que eu fui a Paris, com 15 anos eu trouxe uma carta da Sônia para a dona Cléa. O Major Moraes era uma figura! Quando o aluno não prestava atenção ele jogava giz no aluno. Genial. Dona Cléa era uma pessoa adorável. Papai dizia "não, você tem que ir no Aplicação"... e eu não queria...e ele dizia: "se você quiser pertencer"... olha o populista falando..."à elite dirigente do país"... E eu jogava isso na cara dele. O meu irmão... porque o meu irmão tinha um problema de drogas... e o único tratamento que comprovadamente tem algum efeito é o negócio do Narcóticos Anônimos... os 12 passos, tarará... e você tem que acreditar no poder superior...

Ele tinha problema com que? Cocaína?

É...eu não vou falar, mas ele tinha um problema de droga...E ele dizia "papai, como você quer que eu acredite se eu cresci o senhor me dizendo que Deus não existe"!? E aí, quando ele fica muito populista eu digo "mas você dizia que eu tinha que pertencer à elite dirigente do país"... eu nunca vou esquecer... está carimbado na minha cabeça. E eu não passei, fui para o André Maurois. Graças a Deus! Era um colégio maravilhoso, da Henriette Amado, que empregava o método Sumerhill. Uma daquelas contradições da ditadura. Era um colégio estadual. Uma contradição como no cinema... a censura era feita depois do filme pronto... financiado pela Embrafilme...

Nem sempre o cinema brasileiro teve financiamento estatal...

Não, antes da Embrafilme não tinha. Antes da Embrafilme era o Banco Nacional. Sem o Banco Nacional de Minas Gerais, sem um cara que está vivo até hoje, o Zé Luís de Magalhães Lins, o Cinema Novo não teria existido. Isso nunca foi dito. Essa é a verdade nua e crua. E aí, do nada, um camburão parou na frente da escola, no meio do meu turno e tiraram a Henriette, na frente de todo mundo e levaram para o camburão. E eu nunca mais voltei ao colégio. Nunca mais pus os pés nesse colégio. Esses foram alguns esbarrões meus com a ditadura. E quando eu trabalhava no "Pasquim" uma vez a gente foi preso por quatro horas. O Sergio Augusto, o Jaguar, Ziraldo, a gente estava indo fazer uma entrevista e pararam a gente e levaram para o Dops. Agora, minha formação, eu me descobrindo como ser humano, enfim, teve um episódio que eu nunca me esqueço. Logo depois que eu fiz "Tati, a Garota", com 17 anos eu viajei ao Chile, em março de 1973, com meu melhor amigo, o Kunka Bocaiúva. Professor de História da PUC, sempre foi muito politizado. E nós crescemos juntos, desde os 13 anos, Kunka, eu e o Bup, que acabou se matando. O Kunka era muito politizado, Che Guevara e tal, um dia ele saiu do Parque Guinle fumando charuto, chegou na minha casa, teve um piripaque, o charuto era muito mata-rato, ele com a boina do Che. Mas um cara talentosíssimo. Em Santiago ficamos na casa do Luiz Carlos Pires que era um produtor, amigo do Roberto Santos, produziu "Matraga" e que estava exilado. Na época, tinha manifestações para lá e para cá, eram as eleições municipais e o Allende estava sendo considerado de direita. Porque de esquerda era o Altamirano. O Allende queria que o prefeito fosse o Valodia. E o quente era o Altamirano, do Partido Socialista ou então o MIR. Movimiento de Isquierda Revolucionária. A Democracia Cristã apoiava o Valodia também. E nós saímos para ir a um comício do Altamirano. Então na rua passou uma manifestação da Democracia Cristã. Tinha meninas lindas! Que as chilenas são lindas! Um negócio meio alemão, meio longilíneo... as chilenas são deslumbrantes! E eu disse: pô, Kunka, vamos ficar aqui um pouco quero ver essas meninas. E ele me deu um esporro: "você é um escravo da beleza, você não tem convicção nenhuma e tal". Me deu um esporro e foi embora. Rompeu comigo. A gente só voltou a se falar agora. Eu sempre fui um humanista, uma pessoa que... mas eu nunca quis...nunca tive nenhum viés ideológico. Nunca terei.

Um episódio muito parecido aconteceu com Niemeyer e o Agildo Barata. Quem me contou foi um grande comunista, o Edwaldo Pacote. Certa vez estavam Niemeyer e o Barata, comunista da antiga assistindo a um comício que estava muito xoxo e então diz o Niemeyer de sopetão no ouvido do Barata: "Esse comício está muito chato. Meu negócio é comer cu"! O Barata virou as costas e nunca mais falou com ele.

Mas o Niemeyer era uma pessoa muito mesquinha. Não nego o talento dele, nada disso, quem sou eu, mas uma das maiores tristezas do Calder, o grande escultor americano... você sabe que o Calder começou a vir ao Brasil em 1940 e o Brasil ficou sendo o segundo país dele, ele passava aqui seis meses, muito antes da Elisabeth Bishop. Era muito amigo do Portinari, do Mário Pedrosa, comprou um apartamento no Rio. E quando começou Brasília o Mário Pedrosa que era o diretor da Novacap na época disse para ele "temos que ter uma escultura sua, começa a pensar nisso". Ele ficou tão encantado, o amor dele pelo Brasil era tão grande que ele começou a trabalhar no protótipo, claro. E, de repente, aquela coisa brasileira: ninguém retornava os telefonemas dele. Todo mundo sumiu. Até o Mário Pedrosa. Silêncio total. O que é um comportamento muito brasileiro, o brasileiro não sabe dizer não. Ele ficou arrasado! Só porque o Niemeyer disse que tinha que ter um Bruno Giorgi, um artista brasileiro e não o Calder! "Americano! Imperialista" sei lá o que o Niemeyer pensou. Isso é o nacionalismo.

E stalinismo.

É.

Niemeyer dizia "se Stalin matou havia uma boa razão para isso".

Papai concordaria.

Escuta, como é que teu pai entregou um filme para um garoto de 17 anos dirigir?

Ele não entregou. Eu sou meio maluco, eu convencia, eu fui à minha avó, que tinha certas posses, meus avós, pais da minha mãe, tinham fazenda de café no Norte do Paraná e fazenda de gado em Goiás, meu avô era médico cardiologista, o melhor amigo dele, o sócio dele era o Dante Pazzanese, aqui de São Paulo, hoje nome de instituto de cardiologia, conheci muito, era como se fosse meu tio-avô, adorava ele, aliás, a família toda, e minha avó vendeu um apartamento que ela alugava para eu fazer o filme. O papai só entrou com equipamento e créditos. Não entrou com dinheiro...

Você fez o roteiro?

Não, eu não fiz o roteiro...eu li um conto do Aníbal Machado, chamei o Miguel Borges que na época estava dirigindo um filme com papai chamado "Barão Otelo no barato dos milhões", pedi a ele para ajudar no roteiro... eu já tinha feito uns curtas e tal e... aquela coisa... "vamos ajudar esse menino" e tal... eu mostrei o roteiro para a Maria Clara Machado, filha do Aníbal, ela adorou o roteiro, cedeu os direitos... depois os direitos foram pagos... e eu apresentei o pacote para o papai...roteiro, Maria Clara, tudo... eu tinha dezessete anos... eu era meio obstinado... eu era um nerd... eu não ia a festas, não namorava, era completamente obcecado por cinema.

Era o teu foco?

Mais que foco, era obsessão.

Por causa da casa em que você nasceu?

Não, não acho que é só por isso. Eu fui fotógrafo, estagiei no Jornal do Brasil, a gente ia fazer reportagem em dupla, o fotógrafo titular e o aprendiz e muitas vezes a minha foto é que era publicada. Uma vez a foto do titular saiu dentro e a minha na primeira página. O cara ficou puto. Também fiz vários curtas. Quando fiz o "Tati" eu já tinha feito oito curtas. Fiz meu primeiro curta com 13 anos. Eu já tinha concorrido ao Prêmio JB Mesbla oito vezes. Quando eu fiz "Tati", não só o papai, mas a Dina Sfat, o Hugo Carvana, todos eles apostaram em mim.

Como é que um garoto consegue dirigir adultos?!

Pois é! Eu era um louco!

Mas você tinha muita segurança para fazer isso.

Havia uma autoconfiança. Autoestima eu tinha. Isso não era um problema. Eu fui fazer análise, quando era pequeno por duas razões: primeiro, porque eu tinha uma autoestima muito grande, então eu achava que tinha que dar uma quebrada e segundo porque meus pais eram muito felizes juntos. O sucesso do casamento deles era um problema! Não porque eles eram separados, mas porque eram muito felizes! "Caceta... como isso é possível"? Hoje eu faço, até hoje, para me levar cada vez menos a sério. Esse é o maior gol da vida. Se você quer continuar jovem tem que se levar cada vez menos a sério e eu gosto disso. Quanto mais velho eu fico mais dúvidas eu tenho. Menos certezas. Convicção é artrite cerebral. Então, foi por aí que eu acho que eu consegui. E logo depois, o "Tati" teve sucesso, teve uma bilheteria boa, minha avó recuperou o dinheirinho dela, aí o meu pai me propôs o "Dona Flor". Que ele já tinha os direitos. Ele comprou para fazer um musical, o Glauber ia dirigir, mas o Glauber mudou de ideia e ele micou com os direitos do "Dona Flor".

Glauber ia fazer o "Dona Flor"?! Eu nunca soube disso.

É, o papai comprou os direitos do "Dona Flor" por causa do Glauber porque Glauber disse que queria fazer um musical. Acertou tudo com ele em Paris, mas o Glauber mudou de ideia. E depois do "Tati" o papai me disse "você podia fazer o 'Dona Flor'". Mas eu estava apaixonado pelo "Estrela Sobe". Tinha lido, adorado, uma amiga da minha mãe me deu esse livro do Marques Rebelo e eu queria fazer com a Dina Sfat, eu tinha uma paixão platônica pela Dina, imagina, eu com 18 anos e a Dina aquela grande atriz, deslumbrante... linda! Tem um detalhe, inclusive, que é interessante...exatamente porque eu era tão autoconfiante e estava dirigindo um filme aos 17 anos, eu era um nazista... eu era uma pessoa quase insuportável... e louco, claro...

Você tinha que se impor!

Mas era uma coisa absurda! E todo um controle e tal! Então, a gente acabou a filmagem do "Tati" quase sem falar um com o outro, eu e a Dina. E aí ela decidiu não dublar, na época não se filmava em som direto, a câmera era muito grande e atravancava a filmagem. Não só como represália, não foi isso, acho que ela não aguentava ficar mais três, quatro semanas num estúdio com um tirano daquele. E foi a Ítala Nandi que dublou ela. Quando ela viu o filme ela ficou encantada com o filme, fizemos as pazes e viajamos o Brasil todo com o filme, na época se fazia isso, hoje não mais, e o filme seguinte seria o "Estrela Sobe". Mas o papai não quis produzir. "Ah, não... essa história de época... fazer filme de época"... "Mas Dona Flor é de época também". "É, mas esse aí é negócio de rádio... a era do rádio... não... isso é história de veado"! Ele falou assim. Mas eu estava apaixonado e tal e aí fui bater na porta de outros produtores... Roberto Farias... E a gente ia fazer o filme. Mas aí a Dina foi chamada para fazer "Os Ossos do Barão" na Globo e era em cores e dava muito problema, não ia dar para fazer os dois, o filme e a novela e o filme micou. Aí o papai fez uma empresa, que foi a primeira encarnação da Globo Filmes que se chamava ICB, Indústria Cinematográfica Brasileira que era ele, o Walter Clark e o Aloisio Salles. E eles não tinham projeto. Então o "Estrela Sobe" foi o primeiro filme da ICB. Tanto que tem dois filmes meus que os direitos patrimoniais são do Walter Clark porque foram produzidos por essa empresa, que é o "Estrela Sobe" e o "Amor Bandido". O filme fez um sucesso enorme, na época fez mais de 1 milhão de espectadores, ganhou Prêmio Air France etc e aí o papai voltou à carga com "Dona Flor". Eu fui ler o livro, gostei, chamei o Eduardo Coutinho e o Leopoldo Serran... chamei o Leopoldo primeiro, porque ele tinha feito o "Estrela Sobe" comigo e o Coutinho foi uma sugestão do papai até, por causa do senso de humor do Coutinho que era muito bom. Quer dizer, quando eu fiz o "Dona Flor" com 20 anos era meu terceiro filme. Hoje recebi mensagem de uma amiga de Nova York. Uma das questões das palavras cruzadas do New York Times de hoje é: qual é o sobrenome da Sonia de "Dona Flor e seus dois maridos"? Não é interessante? O filme passou lá em 1978. E depois fizeram um remake, era um filme horroroso, mas dirigido por um grande diretor chamado Robert Mulligan, chamado Kiss me, good-bye. Foi com a porcentagem da venda desses direitos – na lei brasileira o direito autoral do filme é do produtor, do diretor e do autor do argumento, não do roteiro, então foi dividido entre meu pai, eu e Jorge Amado - e foi com esse dinheiro que eu comprei a minha casa em Búzios.

Falando em Búzios, a Nicole Puzzi me contou um dia um episódio muito interessante de uma filmagem em Búzios. Era um filme do Walter Hugo Khoury chamado "Eu". Com Tarcísio Meira e várias mulheres belíssimas. Um dia ele se recusou a gravar uma cena com a Nicole, disse ao Khoury que tinha medo de se excitar na hora e fazer um papelão. Khoury pediu que a Nicole resolvesse o impasse. E então, na frente de todo mundo, tudo pronto para a cena, Tarcísio de roupão, de repente ela pegou o pênis do Tarcísio e disse "olha que gracinha... eu vou dizer para todo mundo que eu peguei no pau do Tarcísio Meira"...

Ela pegou no pau dele?

Pegou. Ele morreu de vergonha, mas o pênis ficou mansinho e eles gravaram a cena. Já aconteceu algo parecido num filme teu?

Isso nunca ocorreu em nenhum filme que eu dirigi. Era tudo muito planejado, tudo muito... A questão toda é o diretor saber... essa cena de sexo é para contar o que? Só para dizer "eles transaram"? Não precisa. Precisa ter a cena em si. Os atores se deitam na cama, tem uma passagem de tempo e acabou. Se é só para dizer "e aí eles transaram" não precisa ter a cena de sexo. Quando você vai ter a cena de sexo, a não ser que seja um filme que quer viver dessa coisa, cujo apelo comercial vai vir dali e aí fica um soft porn como se fala...Nos meus filmes as cenas de sexo sempre tiveram uma função. No "Dona Flor", a primeira vez que ela transa com Vadinho tem uma elipse. As cenas têm todo um propósito. A chamada cena de sodomia, tararátarará tem uma função: ela fecha o segmento do Vadinho, que é o flash back - o filme começa com a morte do Vadinho, mostra a vida dela com Vadinho, ela conhece o segundo marido e o Vadinho depois volta. Esse filme quebra todas as regras da dramaturgia. O conflito só começa no terceiro ato. São dois grandes prólogos – olha a vida dela com o primeiro marido... olha a vida dela com o segundo marido – e aí o primeiro voltou. Quando começa o conflito, acaba. Tem mais meia hora de filme e acaba. Mas o filme funcionou do mesmo jeito. Nas regras do roteiro o conflito tem que começar aos dez minutos do primeiro tempo...Mas a sodomia era a síntese da relação dela com o Vadinho... que era prazer e dor...tanto que ela fala assim "nunca mais seus lábios...nunca mais sua ardida boca de cebola crua". A cena de sexo, quando tem uma função dramatúrgica mesmo, de narrar uma história ela é muito melhor. Não é como nas novelas: para tudo, entra uma música e os atores vão transar. E eu me pergunto: estão mostrando isso para falar o que?

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