Garcia: "América do Sul é um grande ativo"

Em entrevista ao Opera Mundi, o assessor especial Marco Aurélio Garcia defende, com unhas e dentes, a política de integração sul-americana; "Precisávamos fazer uma escolha: o Brasil queria ser, isoladamente, um polo na nova ordem global em construção, ou buscaria ocupar um lugar de destaque nela, junto aos nossos vizinhos? Para nós, América do Sul é um grande ativo. A região dispõe de território vasto com uma biodiversidade opulenta e desconhecida. Ela tem uma enorme riqueza energética, em um mundo carente de energia. Temos grandes reservas de petróleo e gás e um potencial hidroelétrico considerável", afirma; leia a íntegra

Em entrevista ao Opera Mundi, o assessor especial Marco Aurélio Garcia defende, com unhas e dentes, a política de integração sul-americana; "Precisávamos fazer uma escolha: o Brasil queria ser, isoladamente, um polo na nova ordem global em construção, ou buscaria ocupar um lugar de destaque nela, junto aos nossos vizinhos? Para nós, América do Sul é um grande ativo. A região dispõe de território vasto com uma biodiversidade opulenta e desconhecida. Ela tem uma enorme riqueza energética, em um mundo carente de energia. Temos grandes reservas de petróleo e gás e um potencial hidroelétrico considerável", afirma; leia a íntegra
Em entrevista ao Opera Mundi, o assessor especial Marco Aurélio Garcia defende, com unhas e dentes, a política de integração sul-americana; "Precisávamos fazer uma escolha: o Brasil queria ser, isoladamente, um polo na nova ordem global em construção, ou buscaria ocupar um lugar de destaque nela, junto aos nossos vizinhos? Para nós, América do Sul é um grande ativo. A região dispõe de território vasto com uma biodiversidade opulenta e desconhecida. Ela tem uma enorme riqueza energética, em um mundo carente de energia. Temos grandes reservas de petróleo e gás e um potencial hidroelétrico considerável", afirma; leia a íntegra (Foto: Leonardo Attuch)


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Lamia Oualalou | Brasília 

(originalmente publicado no Opera Mundi)

Assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais desde 2003, Marco Aurélio Garcia considera que a “opção sul-americana” foi o principal traço da política externa dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

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Garcia refuta a ideia de que a América do Sul poderia se desenvolver mais rapidamente se os países aumentassem o número de acordos de livre-comércio e garante que a diplomacia tem sido conduzida levando em conta o projeto nacional de desenvolvimento do PT (Partido dos Trabalhadores).

O assessor petista também defendeu novamente o posicionamento do atual governo em relação às intervenções militares implementadas sem o apoio da ONU (Organização das Nações Unidas) e no recente conflito entre Israel e Palestina. Leia a entrevista abaixo.

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Opera Mundi: Quais foram as principais mudanças na política externa brasileira introduzidas nos últimos 12 anos?

Marco Aurélio Garcia: Em primeiro lugar, a opção sul-americana. Precisávamos fazer uma escolha: o Brasil queria ser, isoladamente, um polo na nova ordem global em construção, ou buscaria ocupar um lugar de destaque nela, junto aos nossos vizinhos? Para nós, América do Sul é um grande ativo. A região dispõe de território vasto com uma biodiversidade opulenta e desconhecida. Ela tem uma enorme riqueza energética, em um mundo carente de energia. Temos grandes reservas de petróleo e gás e um potencial hidroelétrico considerável. O acervo mineral contempla todas as revoluções industriais, da primeira, com o ferro, até a última, com o lítio. Do ponto de vista da agricultura, a América do Sul tem a vocação de ser o celeiro do mundo, com altos níveis de produtividade. Finalmente, é uma zona de paz e democracia, onde os poucos contenciosos de fronteira estão sendo resolvidos.

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OM: A integração com os países vizinhos já era uma prioridade dos antecessores do presidente Lula, com o Mercosul. O que mudou?

MAG: Quando nós ganhamos as eleições, o Mercosul já estava em pé, mas tinha como única aspiração ser uma união aduaneira. Mas nós descobrimos que havia dificuldades para fazer do livre-comércio um ponto de articulação da América do Sul. Já existia a CAN (Comunidade Andina de Nações), o Chile desenvolvia tratados de livre-comércio com EUA e outros, e tinha o Caricom (Comunidade do Caribe), ou seja, quatro regimes comerciais. Equalizá-los era impossível, isso implicaria, por exemplo, uma diminuição das tarefas do Mercosul e um aumento das do Chile, não era o caso. Era evidente que tínhamos que projetar fora do comércio pontos de união, que pudessem conviver com regimes comerciais diferenciados, ainda que estivéssemos pressionando um processo de convergência tarifaria. Na nossa visão, a integração tinha que ser física, energética e produtiva. É o que aconteceu na Ásia, é assim que avançou a região, não com livre-comércio.

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OM: A criação da Unasul (União das Nações sul-americanas) foi uma reação à proposta norte-americana da ALCA?

MAG: Com a criação da Unasul, nós nos abrimos para outra perspectiva de integração. Um dos êxitos do Lula pessoalmente foi de conseguir colocar esta questão da integração acima de diferenças ideológicas da região. A gente tinha divergências muito claras com o governo [Alvaro] Uribe, na Colômbia, por exemplo. E, no entanto, ele aceitou. Acho que esta orientação de uma integração que contemple a diversidade política é de fundamental importância. Nós também tomamos algumas iniciativas mais políticas e polêmicas que ainda não são totalmente implementadas, mas que pelo menos são consignadas, como o Conselho de Defesa Sul-Americano.

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OM: Qual é o lugar de Cuba nas estruturas regionais da América Latina?

MAG: O tema cubano tem sofrido uma importante evolução na América Latina e no Caribe. Toda a região mantém relações com a ilha. Seu governo desenvolve programas de cooperação relevantes, sobretudo na área social, e sua ativa diplomacia tem contribuído para encontrar soluções de consenso para as complexas questões internas de alguns países, como evidencia o fato de Havana sediar hoje as negociações entre o governo colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

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Por pressão dos EUA, as chamadas “Cúpulas das Américas”, que são coordenadas pela OEA (Organização dos Estados Americanos), continuam excluindo Cuba. Houve um impasse na última, em Cartagena, porque a maioria dos países queria que Cuba fosse. Foi decidido que Cuba não viria, mas que seria a última vez. Aliás, Havana já está convidada para a próxima sessão em Panamá, no ano que vem. Agora a bola está com os EUA. [Barack] Obama terá que decidir se vai ou não.

OM: Outro eixo importante da política externa nos últimos 12 anos foi o desenvolvimento de uma nova política no Oriente Médio. Foi especialmente o caso em maio 2010, quando o Brasil tentou, junto com a Turquia, uma mediação com o Irã acordo sobre a questão nuclear. Mas o acordo foi totalmente ignorado pelas potências ocidentais e novas medidas coercitivas foram adotadas contra o Irã no mês seguinte. Quatro anos depois, que conclusões tira deste episodio?

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MAG: Se você comparar a proposta que nós, o Brasil e a Turquia, fizemos naquele momento, e que o Irã aceitou, com o que está em discussão agora, você percebe que teria sido muito melhor fechar um acordo naquela hora.  Foi derrubado porque alguns países acharam que não são assuntos nos quais podemos nos meter. Cuidar do Paraguai, da Venezuela, tudo bem, mas aqui, não, aqui é briga de cachorro grande. E, ainda, eu me lembro que, na véspera da votação das sanções no Conselho de Segurança, um representante dos EUA me telefonou, pedindo que o Brasil votasse as sanções, um absurdo. Tive muito orgulho de ver na televisão a nossa embaixadora votar contra, assim como o embaixador da Turquia. Esta história deixou muito claro para mim o fato que as grandes potências, e não somente os EUA, têm uma grande dificuldade de lidar com países emergentes. Não percebem que a correlação de forças de quando foi formado o Conselho de Segurança não existe mais.

OM: Na época do presidente Lula, a diplomacia brasileira parecia muito mais mobilizada na região, especialmente na questão palestina. O Brasil desistiu de tentar trazer alguma contribuição ao dialogo Israel-Palestina?

MAG: Foi o único tema especifico sobre o qual a Dilma falou duas vezes no discurso na ONU. A prova de nosso interesse é que nós tomamos a iniciativa de chamar o embaixador israelense, - fomos muito criticados-  e esta decisão foi seguida por um número razoável de países com distintas orientações políticas. Por mais restrita que seja a posição de Israel, eles se deram conta que cometeram um erro, com o Brasil inclusive, quando um porta-voz chamou o nosso país de “anão diplomático”. O presidente de Israel pediu desculpas e isso mostrou o ridículo de todos aqueles que procuraram caracterizar o gesto do Brasil como inconsequente.

OM: Na tribuna da ONU, a presidente Dilma criticou os bombardeios na Síria contra o Estado Islâmico. Mas qual é a alternativa?

MAG: A presidenta criticou o uso da força em geral quando não autorizado pelo Conselho de Segurança e no caso especifico da Síria. Não temos a menor ambiguidade em relação ao terrorismo, que é um horror que ofende todos nossos valores republicanos, éticos e morais. Mas não podemos ser sempre confrontados com a última expressão de uma série de erros, porque neste caso vamos legitimar esses equívocos e provavelmente cometer mais um. Tudo isso começou quando foi tomada a decisão, contra a ONU, de intervir militarmente no Iraque. Não era um modelo de democracia, mas vivia mais ou menos em equilíbrio do ponto de vista da coexistência das comunidades. Hoje é um caos, há um nível de violência incrível, com um número de mortos espantoso. Isso é o resultado desta intervenção unilateral, assim como da  irresolução da crise palestina.

O papel que o Brasil pode ter é o que um país democrático terá numa organização multilateral respeitável que é a ONU. Nós não estamos propondo dialogo com terroristas, estamos propondo um diálogo no marco das Nações Unidas para resolver este problema. Se a ONU votar uma resolução sobre o uso da força, nós apoiamos. Nós somos tão respeitosos da ONU que nós aplicamos as sanções contra o Irã, apesar de nossos interesses econômicos e de não achar que seja uma solução.

OM: Falando em intervenção, qual é a avaliação que o senhor faz de dez anos de presença no Haiti, no âmbito da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti)?

MAG: Acho que já está chegando o momento de fazer um balanço final sobre nossa presença lá. Nosso desejo há algum tempo era de retirar as tropas, mas isso de depende de vários fatores: da ONU, de nós e temos que compartilhar esta decisão com os outros países que estiveram conosco no país. Examinando o que foi a história do Haiti em outros períodos de ocupação, eu faria uma avaliação positiva, lembrando, sobretudo, que no meio disso tivemos a tragédia do terremoto. Acho que a gente sai com a consciência tranquilla, mas ficam frustrações. Nós tivemos uma função de estabilização. Basicamente, ela foi cumprida, eu tenho certeza que se fosse outro tipo de presença estrangeira, nos teríamos uma situação caótica. O problema do Haiti é o sistema político, e a construção de alternativas econômicas que permitam concretamente mudar um pouco o perfil da sociedade. Os países que disseram que mandariam dinheiro não fizeram, nós mandamos.

OM: Qual é o balanço da diplomacia brasileira na África?

MAG: Um país em que mais da metade de sua população se declara negra ou parda não pode ficar indiferente a esse gigantesco e complexo continente que passa nos últimos anos por transformações econômicas e políticas decisivas.

Não existe África, há pelo menos seis Áfricas, e nós não temos no momento atual as condições de ter a abrangência necessária. O Itamaraty abriu 19 novas embaixadas no período, totalizando hoje 37 países nos quais o Brasil tem embaixadores residentes. Em contrapartida, o numero de embaixadas de países africanos em Brasília passou de 16 para 33. Isso não é pouca coisa. Criamos uma boa base geral, mas vamos ter que sofisticar um pouco nossa presença. O governo tem que fazer esta reflexão, do ponto de vista político e econômico. Temos que decidir quais são as prioridades. Acho que África é uma região que vai necessitar programas mais acertados de cooperação.

OM: Uma das críticas da oposição de esquerda é que esta cooperação está muito interessada e que, de maneira geral, a política externa brasileira depende muito da agenda de algumas empresas. Qual é sua resposta?

MAG: Se nós apoiamos as empresas, nos criticam. Se nós não apoiamos, também nos criticam. O Brasil não é uma economia estatizada, trabalhamos com empresas privadas e estatais. Sobre as estatais, ainda temos possibilidade de orientar as decisões. Para as privadas, podemos proteger as demandas legítimas que elas têm, sempre em sintonia muito grande com os governos, para ter uma atitude muito correta, porque não queremos repetir experiências de outros países. De uma maneira geral, não tivemos nenhum grande problema.

OM: Os opositores consideram que Lula e Dilma politizaram a política externa, que virou uma fonte de divisão dentro do país, enquanto antes a conciliação era a regra.

MAG: Uma política externa que não seja politizada me parece uma contradição interna. O que embebe nossa política externa é o nosso projeto nacional de desenvolvimento. É claro que nosso projeto é diferente do projeto de FHC, do Aécio, da Marina. Se eles querem mudar, tem uma forma muito simples: ganhar eleição. Enquanto não ganharem, eles podem até se achar muito inteligentes, mas não têm a maioria do povo com eles. O Chico Buarque de Holanda resumiu em 2010 as nossas diferenças. Ele disse que apoiava a Dilma pela política externa do governo, que não fala grosso com a Bolívia, nem fino com os Estados Unidos. É isso. 

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