Como Goldstein virou herói da extrema-direita israelense

Ataque de Baruch Goldstein na Mesquita dos Patriarcas, em 25 de fevereiro de 1994, matou 29 palestinos e deixou outros 125 feridos; hoje ele é “lembrado por seus pares como um herói, descrito diversas vezes por personalidades eminentes da política e cultura de extrema-direita israelenses como um dos maiores judeus da história, por conta de seu grande momento de glória belicista”, diz Plínio Zúnica, estudante de cultura árabe

Ataque de Baruch Goldstein na Mesquita dos Patriarcas, em 25 de fevereiro de 1994, matou 29 palestinos e deixou outros 125 feridos; hoje ele é “lembrado por seus pares como um herói, descrito diversas vezes por personalidades eminentes da política e cultura de extrema-direita israelenses como um dos maiores judeus da história, por conta de seu grande momento de glória belicista”, diz Plínio Zúnica, estudante de cultura árabe
Ataque de Baruch Goldstein na Mesquita dos Patriarcas, em 25 de fevereiro de 1994, matou 29 palestinos e deixou outros 125 feridos; hoje ele é “lembrado por seus pares como um herói, descrito diversas vezes por personalidades eminentes da política e cultura de extrema-direita israelenses como um dos maiores judeus da história, por conta de seu grande momento de glória belicista”, diz Plínio Zúnica, estudante de cultura árabe (Foto: Roberta Namour)


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Baruch Goldstein e o Massacre da Mesquita dos Patriarcas

Por Plínio Zúnica 

Esta é a história de Baruch Goldstein, médico e soldado sionista, e de como ele marcou a memória e a vida de Palestinos e Israelenses durante uma manhã de Ramadan. Os ecos de suas ações ainda repercutem em cantos de louvor entre jovens israelenses e apoiadores ao redor do mundo.

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Nascido no Brooklyn, em Nova Iorque, filho de uma familia judia ortodoxa, Baruch era um homem profundamente religioso, descrito pelos seus vizinhos e amigos como um sendo gentil, e educado, pronto a ajudar quem quer que fosse. Era alto e forte, dono de um espessa barba negra e maneiras simples. Vestia sempre no peito uma estrela de Davi de pano, onde lia-se "Jude", em alusão às insignias que os nazistas obrigavam os judeus a vestirem, de modo a serem identificados e desumanizados.

Goldstein se formou doutor na Faculdade de Medicina Albert Einstein, nos EUA. Aos vinte e seis anos de idade se mudou para a colônia de Qiryat Arba, a primeira colônia judaica dentro dos territórios da Palestina Ocupada, na cidade de Al Khalil, mais conhecida pelo nome hebraico Hebron. Prestou anteriormente serviço como médico militar no Líbano, e depois, por conta de diversos problemas de disciplina, essencialmente por se recusar terminantemente a tratar não-judeus, foi transferido para Qiryat Arba.

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Baruch Goldstein é lembrado por seus pares como um herói, descrito diversas vezes por personalidades eminentes da política e cultura de extrema-direita israelenses como um dos maiores judeus da historia, relembrado anualmente nesta data de 25 de fevereiro, por conta de seu grande momento de glória belicista. Um homem Santo.

O Massacre da Mesquita dos Patriarcas

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Na manhã de 25 de fevereiro de 1994, uma sexta-feira, Goldstein se levantou cedo, tomando todo cuidado para não despertar sua esposa. Vestiu seu uniforme militar, colocou balas em seu rifle, pegou algumas granadas e se dirigiu à Mesquita de Ibrahim. Era o dia de Purim, uma das datas mais felizes do calendário judaico, quando se rememora o salvamento do povo de Abraão do extermínio no reino Persa, graças ao heroísmo da jovem Esther.

O dia 25 de fevereiro daquele ano era, também, especial para muçulmanos. Era manhã de Ramadan, o mês sagrado para os seguidores de Allah. A Mesquita dos Patriarcas, lugar sagrado tanto para judeus quanto para muçulmanos, recebia a visita de aproximadamente oitocentos palestinos que assistiam a primeira reza do dia sagrado.

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Baruch atravessou dois checkpoints, cumprimentou os soldados que guardavam a entrada do templo, subiu a imensa escadaria de pedra, cruzou o pórtico e viu centenas de homens, idosos e crianças enfileirados, ouvindo pacíficos aos cânticos do Corão. A acústica da mesquita antiga amplifica magnificamente o menor dos sussurros, e centenas de vozes ecoavam a fé uníssona. Goldstein, entretanto, não poderia ouvir as orações islâmicas, pois usava protetores de ouvido, próprios para prática de tiro, quando passou pelos guardas e entrou no local de culto.

Eram 5h da manhã. Baruch escolheu um bom lugar para observar toda a movimentação. Caminhou pelo fundo do saguão até se posicionar em frente ao mimbar, o púlpito de onde o imã coordena a reza. Goldstein pacientemente esperou que os fiéis se ajoelhassem em gesto de humildade diante de seu Allah. Quando os homens, jovens e crianças, de costas para seu algoz, encostavam a testa no chão para agradecer aos céus pela vida, Goldstein lançou uma granada no centro da multidão indefesa, e em seguida abriu fogo com seu rifle de assalto IMI Gali, a versão israelense do AK-47 soviético. Em poucos minutos, os tapetes multicoloridos que cobrem o piso da mesquita se tingiam de vermelho. Os mesmos tapetes esburacados sobre os quais, apenas quatro meses antes, o mesmo Baruch Goldstein despejou ácido sulfurico e atacou seis outros palestinos. Gritos tomaram o lugar de rezas, abafados pelo som dos disparos do simpático médico.

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Naquela manhã de Ramadan, vinte e nove palestinos morreram e outros cento e vinte e cinco ficaram feridos. Idosos, adultos e crianças, tiveram seus corpos rasgados por projéteis metálicos quentes disparados por um psicopata fundamentalista religioso. Cento e vinte e cinco palestinos aleijados e mutilados, e vinte e nove inocentes assassinados pela fé cega de um homem que jurou salvar vidas com bisturis e ataduras.

Os sobreviventes fugiram em pânico da mesquita, e diversos relatos apontam que soldados israelenses dispararam contra a multidão que corria em pânico.

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Enquanto trocava o cartucho de seu rifle, Baruch foi atacado com um extintor de incêndio pelos palestinos que ainda possuíam forças para reagir. Ele morreu no local.

Logo após o massacre, protestos eclodiram pelas ruas. Palestinos estavam enfurecidos com o que foi apenas o ponto culminante da violência frequente perpetrada por colonos racistas. Durante os protestos, mais vinte e cinco palestinos foram assassinados pelas Forças de Defesa Israelense, bem como cinco israelenses. Parte destes assassinatos aconteceram quando soldados atiraram contra palestinos que se apresentaram à porta do hospital para protestar e, principalmente, doar sangue para os sobreviventes do genocídio.

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Como resultado do massacre, agravou-se a tensão na já conturbada cidade. O exercito, então, considerou que a melhor maneira de amenizar a situação seria impor um estado de sitio de dois meses. Mais de 120.000 palestinos foram feitos prisioneiros dentro de suas casas. O estado de sitio não se aplicava a judeus, que circulavam livremente pelas ruas, manifestando seu entusiasmo pelo sangue derramado, protegidos pelo exército, enquanto os palestinos assistiam a tudo através de suas janelas, impotentes e humilhados.

A reação israelense

O massacre da Mesquita dos Patriarcas foi amplamente divulgado pela mídia internacional, e grande parte da população israelense condenou o ataque. Infelizmente, muitas manifestações também foram realizadas em apoio ao massacre.

O então primeiro ministro Ythzak Rabin condenou publicamente o genocídio, conforme era esperado de um chefe de estado diante de um ato de terrorismo abominável como este (quando o ato em questão não pode ser ocultado ou justificado para a maioria da opinião pública, é claro). A condenação do ataque, entretanto, se mostra bastante questionável quando, na prática, Rabin não moveu um dedo para fazer algo pelas vítimas. O estado de sítio imposto apenas aos palestinos aconteceu apesar das condolências formais apresentadas pelo primeiro ministro. Rabin já havia sido alertado diversas vezes sobre o comportamento sociopata de Goldstein, e estava perfeitamente ciente do ataque com ácido realizado por ele na mesquita no ano anterior, bem como de diversos outros indícios dados por Goldstein sobre o que viria a acontecer, porém nunca havia considerado que isso fosse um problema.

O ataque aconteceu no período de negociações de paz que culminaram nos acordos de Oslo, com resultados desastrosos para os palestinos.

Frente a obviedade da previsão de que a situação em Hebron só se agravaria, grande parte do Knesset se posicionou a favor da remoção dos colonos que viviam na cidade. Seria a oportunidade perfeita para Rabin executar uma evacuação e desmantelar os assentamentos ilegais de Hebron. Ele, entretanto, decidiu pela manutenção das colonias ilegais.

O governo não permitiu que Goldstein fosse sepultado em um cemitério judaico. Seu funeral, entretanto, juntou uma multidão de seguidores, e foi escoltado pelas forças de segurança israelenses. O tumulo do assassino fica no assentamento ilegal de Qiryat Arba, dentro do Parque Kahane (nomeado em homenagem ao rabino e terrorista Meir Kahane, fundador da organização racista Jewish Defense League e do partido Kach, posteriormente banido do Knesset por exceder o que Israel considera ser o nível tolerável de racismo).

O tumulo de Baruch Goldstein logo se tornou lugar de peregrinação tanto para colonos quanto para sionistas de todo o mundo, incluindo milhares de visitantes americanos não-judeus que apoiam o sionismo. Seus adoradores ergueram um memorial para o assassino, onde foi gravado em mármore "Ao santo Baruch Goldstein, que deu sua vida pelo povo judeu, pela Torah e pela nação de Israel". Em 1999, cinco anos depois, o monumento foi removido pelo governo israelense, mas a lápide que o nomeia como "um mártir de mãos limpas e coração puro" permanece intacta no local.

Na ocasião do enterro do genocida, o rabino Yacov Perrin disse que "nem um milhão de árabes valem uma unha de um judeu". Samuel Hacohen, professor em Jerusalem, declarou que Goldstein era "o maior judeu que já viveu, não apenas em um aspecto, mas em todos possíveis". O rabino Dov Lior proclamou que Baruch era "mais sagrado do que todos os mártires do holocausto".

Até hoje, no dia de Purim centenas de sionistas celebram a memória de Goldstein. Há registros de cantos em hebraico que dizem: “Doutor Goldstein não há ninguém como você no mundo. Doutor Goldstein, todos nós te amamos. Ele mirou a cabeça dos terroristas, apertou forte o gatilho, e disparou balas, e disparou, e disparou...”

Não é incomum ver manifestações de políticos e rabinos apoiando a ideologia de Kahane, da qual Goldstein é um produto, e organizações como a Lehava, que seguem este mesmo direcionamento ideológico, são financiadas direta ou indiretamente pelo Knesset.

Uma das organizações que apoiam abertamente Goldstein e o consideram um mártir é a JDL – Jewish Defense League. Segundo o FBI, apenas entre 1980 e 1985 esta organização havia sido responsável por 18 ataques terroristas dentro dos EUA. A organização já declarou possuir mais de 15.000 membros filiados, mas é difícil calcular atualmente o número de militantes em suas linhas de frente. Há sedes oficiais da JDL em diversos países, com França, Inglaterra e Canadá, cultuando Goldstein como um mártir e herói.

Os resutados do terrorismo sionista

Quarenta dias após o massacre da Mesquita dos Patriarcas um palestino realizou um ataque suicida na cidade de Alufa, matando oito pessoas. Foi o primeiro ataque suicida realizado dentro do território israelense desde o inicio da ocupação. O Massacre da Mesquita dos Patriarcas foi decisivo para que o Hamas decidisse adotar a tática de ataques suicidas com homens-bomba.

O estado de sítio imposto sobre a população palestina de Hebron nunca foi realmente suspenso. Após o massacre, a cidade foi dividida em duas áreas – H1 e H2 - , e palestinos são proibidos de circular em diversas ruas. Há lados das ruas separados para judeus e não-judeus em certas áreas da cidade. No ano do massacre, 322 lojas de palestinos foram permanentemente fechadas pelo exército israelense.

As janelas das casas de Palestinos possuem, agora, grades de ferro, como uma grande gaiola de ratos, para proteção contra os ataques diários de colonos, tanto adultos quanto crianças que, sob os olhares cúmplices do exército, atiram pedras, lixo e o que mais tiverem à mão contra seus vizinhos.

A cidade é pontuada por checkpoints, alguns fixos e outros “flutuantes”, e não são raros os casos de abuso de autoridade por parte dos soldados contra palestinos que precisam se deslocar pela área.

Todas as semanas um grupo de colonos e visitantes sionistas fazem um tour pelo lado palestino da cidade, protegidos por fortes destacamentos do exército. São frequentes os relatos sobre colonos provocando e agredindo palestinos durante esses tours. Os soldados não apenas não fazem nada para impedí-los, como são proibidos de tocar nos colonos.

Hoje, vinte e um anos após o crime santo de Goldstein, crianças palestinas ainda precisam ser escoltadas por observadores internacionais para as escolas, de modo a evitar que sejam atacadas no caminho. Na segunda vez em que estive na Palestina, exatamente um ano atrás, pude testemunhar um destacamento de seis soldados atirando bombas de gás contra crianças na entrada de duas escolas primárias.

Enquanto isso, jovens colonos fazem cooper todas as manhãs pela Shuhada Street, coração da Cidade Fantasma de Hebron, carregando rifles de assalto M-16 ao ombro, sabendo que estão protegidos pelo exército, pelo governo, pela mídia internacional, pela fé e por uma ideologia arrogante e reconfortante de inquestionável superioridade racial.

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