Poderá o PT viver entre a cruz e a espada?

Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Túlio Velho Barreto avalia que a dubiedade dos movimentos sociais com os governos petistas poderá colocar o PT em uma encruzilhada caso cresça a pressão popular sobre o governo da presidente Dilma; segundo ele, o tamanho das mobilizações "será maior ou menor dependendo do comportamento dos setores mais conservadores"; seja como for, o PT não terá dias fáceis pela frente; leia a íntegra

Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Túlio Velho Barreto avalia que a dubiedade dos movimentos sociais com os governos petistas poderá colocar o PT em uma encruzilhada caso cresça a pressão popular sobre o governo da presidente Dilma; segundo ele, o tamanho das mobilizações "será maior ou menor dependendo do comportamento dos setores mais conservadores"; seja como for, o PT não terá dias fáceis pela frente; leia a íntegra
Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Túlio Velho Barreto avalia que a dubiedade dos movimentos sociais com os governos petistas poderá colocar o PT em uma encruzilhada caso cresça a pressão popular sobre o governo da presidente Dilma; segundo ele, o tamanho das mobilizações "será maior ou menor dependendo do comportamento dos setores mais conservadores"; seja como for, o PT não terá dias fáceis pela frente; leia a íntegra (Foto: Paulo Emílio)


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Leonardo Lucena, Pernambuco 247 – Protestos. Essa foi uma das palavras que talvez tenham mais perturbado a presidente Dilma Rousseff ao longo do seu primeiro mandato. Junho de 2013 foi um marco da história brasileira. No dia 20 daquele mês, cerca de 1 milhão de pessoas foram às ruas em 25 capitais brasileiras pedir não apenas melhorias na execução dos serviços públicos, mas também a reforma política.

Grupos conservadores aproveitaram o momento em que o governo do PT passava por sua maior convulsão social desde que chegou à presidência da República, em 2003. E ganharam espaço nas ruas e no Congresso Nacional, o mais conservador desde a redemocratização, em 1985, segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Graduado em Ciências Sociais e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) Túlio Velho Barreto afirma que "as bancadas mais à esquerda, e mesmo ao centro, diminuíram e houve igualmente uma pulverização das cadeiras por mais partidos, de 22 para 28 na atual legislatura".

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Com o objetivo de conter o avanço de grupos conservadores nas ruas e no Congresso, líderes de vários movimentos sociais, centrais sindicais e partidos como o PT, Psol e PCdoB se articulam numa frente popular para realizar uma série de manifestações ao longo de 2015 (leia mais aqui).

O cientista político diz que "os movimentos sociais mais enraizados e organizados têm tido uma relação dúbia com os governos petistas, sobretudo porque têm praticamente as mesmas bases sociais e econômicas do PT". Mas, de acordo com o pesquisador, o tamanho das mobilizações "será maior ou menor dependendo do comportamento dos setores mais conservadores".

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"Ou seja, se tais setores procurarem 'emparedar' a presidente, os movimentos sociais tenderão a recuar e a apoiá-la, ainda que criticamente; caso contrário, tenderão a pressionar para que o governo mantenha e até amplie suas políticas sociais, ou mesmo recue em algumas medidas já adotadas", observa Túlio Velho Barreto, que também é organizador e autor de livros de história política como Na Trilha do Golpe – 1964 Revisitado (Ed. Massangana), A Nova República – Visões da Redemocratização (CEPE) e 1964 – O Golpe Passado a Limpo (Ed. Massangana), entre outros.

Após a nova "feição" do Congresso nacional e da eleição presidencial mais apertada da história política brasileira – Dilma venceu no segundo turno o atual senador Aécio Neves (PSDB-MG) por 51,64% a 48,36% -, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu, em dezembro passado, a "reorganização da base de alianças" com setores "mais à esquerda da sociedade". "A próxima eleição tem que se dar numa outra lógica política", disse Lula, defendendo com ênfase a reforma política (leia mais aqui).

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Para o estudioso, Lula "vislumbrava criar as condições para uma aliança mais esquerda, o que poderia fazer com que o PT dependesse menos do PMDB". "Em tal projeto estaria incluído, prioritariamente, o PSB de Eduardo Campos, visando o segundo mandato de Dilma Rousseff e sua sucessão, em 2018", acrescenta.

Barreto diz que a trágica morte do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, cujo partido aderiu à candidatura de Aécio, "contribuiu para ampliar as dificuldades do ex-presidente em seu projeto".

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Mesmo após a reeleição da presidente Dilma, uma parte da população continuou fazendo manifestações, inclusive pedindo intervenção militar e o impeachment da petista.

Fazer mobilizações é uma maneira que o povo encontra de participar da execução de pautas de interesse público, mesmo que de forma indireta. Uma participação que ocorre fora do sistema, pois o eleitor é obrigado a se filiar a um partido político para participar diretamente das decisões tomadas pelas instituições políticas.

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Segundo o analista, o problema não é exatamente a existência do sistema, "mas como o mesmo tem sido usado". "E que tal fato não parece estar, necessariamente, relacionado ao crescente antipetismo", pontua. "Não temos mecanismos eficazes de acompanhamento e controle sobre os representantes e seus mandatos".

O especialista afirma que os protestos de 2013 "não foram suficientes, por exemplo, para sequer ameaçar, em São Paulo, a reeleição do governador tucano Geraldo Alckmin, defensor da truculenta ação policial contra o Movimento Passe Livre".

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"As manifestações e suas difusas demandas viraram mote, então, para difundir um falso sentimento por mudanças que, adicionado ao crescente antipetismo da classe média, em larga escala alimentado pela mídia, foi dirigido pelos marqueteiros apenas à disputa presidencial", diz.

Leia a seguir a entrevista de Túlio Velho Barreto em que ele também comenta sobre a reforma política:

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O ex-presidente Lula defende a aliança do PT com setores mais à esquerda. Como o senhor relaciona a visão do ex-presidente com um Congresso Nacional mais conservador a partir de 2015? Este perfil do Parlamento influi no objetivo do ex-presidente?

TVB - Claro, o perfil mais conservador do Congresso Nacional vai influenciar decisivamente nas alianças nesse segundo mandato da presidente Dilma Rousseff e, consequentemente, com o projeto do ex-presidente Lula. Aliás, quanto ao governo, já está influenciando. Basta que observemos a composição do ministério, e não só na área econômica. A questão colocada pelo ex-presidente Lula tem relação direta, no meu entendimento, com o clima e o teor da campanha presidencial de 2014. Se compararmos tais aspectos com eleições passadas, quando PT e PSDB disputaram diretamente a hegemonia nacional, observamos que o PT conseguiu direcionar a campanha de reeleição da presidente Dilma Rousseff mais para a esquerda, evitando o debate menos ideológico. Assim, esperava-se que o seu governo refletisse tal direcionamento. Mas, não. A preocupação da presidente reeleita tem sido o de tentar compor com segmentos conservadores mais suscetíveis à aproximação do poder, a ceder aos "encantos" do poder. Daí, a escolha de ministros que possam criar as condições favoráveis para que aja uma interlocução maior entre o Executivo e um Legislativo de perfil mais conservador. Trata-se de garantir a qualquer custo a chamada "governabilidade", ainda que isso esconda certa guinada a uma posição mais ao centro-direita. Penso que o ex-presidente Lula vislumbrava criar as condições para uma aliança mais esquerda, o que poderia fazer com que o PT dependesse menos do PMDB. Em tal projeto estaria incluído, prioritariamente, o PSB de Eduardo Campos, visando o segundo mandato de Dilma Rousseff e sua sucessão, em 2018. No entanto, sabemos que o ex-governador de Pernambuco terminou por colocar o seu projeto pessoal e partidário acima desse entendimento e se lançou candidato à Presidência da República. E, com sua morte prematura, o PSB terminou por aderir à candidatura de Aécio Neves, do PSDB, no segundo turno, tal fato contribuiu para ampliar as dificuldades do ex-presidente em seu projeto; dificuldades que só aumentaram passadas as eleições proporcionais de 2014 para o Congresso Nacional. As bancadas mais à esquerda, e mesmo ao centro, diminuíram e houve igualmente uma pulverização das cadeiras por mais partidos, de 22 para 28 na atual legislatura.

Integrantes de movimentos sociais, centrais sindicais e líderes do PT, do Psol e do PCdoB pretendem fazer uma série de manifestações ao longo deste ano para conter o avanço de grupos conservadores nas ruas – um dos líderes dos futuros protestos será o coordenador nacional do MTST, Guilherme Boulos. O que o senhor pensa a respeito desta iniciativa? Há chances de a mesma surtir efeito?

TVB - Os movimentos sociais mais enraizados e organizados têm tido uma relação dúbia com os governos petistas, sobretudo porque têm praticamente as mesmas bases sociais e econômicas do PT. É importante lembrar que muitos desses movimentos surgiram e se institucionalizaram no mesmo momento em que isso ocorreria com o PT no início e ao longo dos anos 1980. Podemos dizer que, de certa forma, a criação do PT representou dar expressão político-partidária a muitos desses movimentos sociais. Daí, na minha visão, reside a origem da dubiedade da relação entre tais movimentos e os governos petistas. Inclusive, muitas lideranças foram atuar no interior dos poderes Executivo e Legislativo. Então, é possível que as medidas conservadoras já adotadas pelo governo Dilma Rousseff, que certamente terão grande impacto na vida dos trabalhadores e das classes médias, afastem, em alguma medida, os movimentos sociais e suas lideranças do governo e levem tais movimentos a protestar mais do que no passado recente. Mas, no meu entendimento, o tamanho desse afastamento e das mobilizações, pelas razões já expostas, será maior ou menor dependendo do comportamento dos setores mais conservadores. Ou seja, se tais setores procurarem "emparedar" a presidente, os movimentos sociais tenderão a recuar e a apoiá-la, ainda que criticamente; caso contrário, tenderão a pressionar para que o governo mantenha e até amplie suas políticas sociais, ou mesmo recue em algumas medidas já adotadas. De todos eles, o MTST talvez seja aquele que poderá agir de forma mais independente. Quanto ao PSOL e ao PC do B, tais partidos têm menos base social e, consequentemente, menos força junto aos movimentos sociais mais importantes.

Lideranças como o senador Aécio Neves (PSDB) e o governador eleito do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori (PMDB), afirmaram no ano passado serem contrários à reeleição. O peemedebista, inclusive, disse que a execução de um novo mandato é uma prática que está se esgotando no País. Como o senhor avalia a reeleição? Está desmoralizada ou tem mais a ver com sentimento anti-PT?

TVB - A aprovação da emenda estabelecendo o instituto da reeleição, ainda nos anos 1990, não resultou de um debate acerca do aperfeiçoamento das instituições republicanas e do avanço da democracia no País. Na verdade, em um processo cercado de denúncias de compra de votos no Congresso Nacional, a base de apoio do governo Fernando Henrique Cardoso, que gozava de grande apoio popular, conseguiu aprovar a emenda e se beneficiou diretamente dela para conseguir um segundo mandato, mudando as regras com o jogo em andamento. Portanto, foi a aliança PSDB- PFL que apostou na aprovação da emenda da reeleição. E de tal forma que valesse para o próprio Fernando Henrique e os governadores já nas disputas de 1994. Penso que, com a enorme influência do poder econômico e do abuso que a maioria dos mandatários comete nos executivos, houve, realmente, um desgaste enorme do instituto da reeleição, que não é necessariamente ruim. O problema é que sua aprovação, como disse, teve um caráter casuístico e a defesa de sua extinção têm, aparentemente, razões também pontuais, conjunturais. Explico melhor. Penso que a posição do PSDB, em especial do candidato Aécio Neves, em 2014, resultou de acordos com as lideranças paulistas do partido, que miravam a disputa de 2018. E, possivelmente, resultou de algum acordo com o PSB de Eduardo Campos, que tinha, igualmente, o mesmo horizonte em mira. Defender o fim da reeleição tornou-se, então, um imperativo para as candidaturas de oposição. E, no caso do PSB, duplamente, porque Eduardo Campos e Marina Silva selaram um acordo entre duas legendas partidárias, ainda que a Rede Sustentabilidade não existisse formalmente. Nos dois casos, a perspectiva da alternância no poder pesou. Diria, enfim, que, pelas razões expostas, o instituto (sistema) vem sendo desmoralizado, quando, em tese, o problema não é exatamente de sua existência, mas como o mesmo tem sido usado. E que tal fato não parece estar, necessariamente, relacionado ao crescente antipetismo. Pessoalmente, acredito que os contras pesam mais que os prós em termos de sua continuidade.

Partidos como PSB e PSDB, especialmente os tucanos, souberam aproveitar os protestos para ascender na política nacional?

TVB - Ainda não dá para afirmar se sim ou não. Tudo vai depender do comportamento da oposição durante o segundo mandato de Dilma Rousseff. Ocorre que a oposição não tem conseguido construir um projeto nacional alternativo ao do PT, não tem dialogado com os diversos setores da sociedade e, apenas, de quatro em quatro anos bate na tecla dos escândalos, esquecendo que estes atingem quase que indiscriminadamente todas as legendas que governam o País em suas várias esferas. Quanto às manifestações, realizadas às margens dos partidos políticos de todos os matizes, pode-se dizer que elas aglutinaram tanto segmentos organizados, em minoria, quanto os que parecem acreditar mais na ação direta que na democracia representativa: dos setores mais tradicionais da classe média, de viés conservador, aos "black blocs", de viés anarquista. O fato é que tais manifestações não foram suficientes, por exemplo, para sequer ameaçar, em São Paulo, a reeleição do governador tucano Geraldo Alckmin, defensor da truculenta ação policial contra o Movimento Passe Livre no início das manifestações, independente do PSDB ir para a sua quinta gestão consecutiva no estado e da crise hídrica ali instalada. Também não impediu a eleição do peemedebista (Luiz) Fernando Pezão, então vice do governador Sérgio Cabral, quando este chegou a ficar sitiado em seu apartamento por vários dias durante as manifestações no Rio. As manifestações e suas difusas demandas viraram mote, então, para difundir um falso sentimento por mudanças que, adicionado ao crescente antipetismo da classe média, em larga escala alimentado pela mídia, foi dirigido pelos marqueteiros apenas à disputa presidencial. Mas, observando-se os percentuais alcançados no primeiro turno pelos três principais candidatos, em comparação aos obtidos por eles em 2010, ou pelo candidato de seu partido, vê-se que Marina Silva obteve 21,32%, em 2014, contra 19,33%, em 2010, e Aécio Neves (PSDB) obteve 33,55% (primeiro turno de 2014) contra 32,61% de José Serra (primeiro turno de 2010). Já Dilma Rousseff obteve 41,59% (primeiro turno de 2014) contra 46,91% (primeiro turno de 2010). Isso mostra que o tão propalado discurso da mudança, que virou mantra, não colou em nenhum candidato da oposição. Assim, prevaleceu o antipetismo. Não o suficiente para impedir a vitória de Dilma Rousseff no segundo turno, ainda que por uma pequena margem.

Partidos como PSOL, PCB, PSTU e PCO saíram mais fortalecidos pós-junho 2013 e com as manifestações subsequentes ou faltam ações eficazes para ascenderem diante de protestos contra o governo federal?

TVB - Talvez tais partidos tenham saído das manifestações de 2013, e as posteriores, mais fortalecidos apenas politicamente. O que não seria pouco para pequenas legendas de esquerda. Mas, mesmo assim, tenho minhas dúvidas. E, para tanto, corroboram a forma como as multidões nas ruas, em especial em junho de 2013, trataram as diversas legendas que estiveram nas ruas naqueles dias. Como disse, aquelas manifestações tiveram a participação significativa de setores de classes médias conservadoras que foram às ruas movidas por um forte antipetismo em um ano pré-eleitoral, além, é claro, de grupos que não veem nos partidos nem em suas lideranças mais a capacidade de representá-los. Naquele momento, as redes sociais mostraram a sua força como meio para a articulação de setores ideológicos distintos e às vezes até mesmo conflitantes. Bem, daí, falarmos tanto da "crise de representação" enfrentadas pelos partidos políticos e sindicatos. Por outro lado, as legendas à esquerda são muitas e têm pouca base social organizada, o que dificulta dar um salto eleitoral nos próximos anos. O espaço deixado pelo PT ainda não foi preenchido por nenhuma dessas legendas ou pelo conjunto delas. E é importante lembrar que o PT levou mais de duas décadas para se tornar uma legenda com forte apelo eleitoral, o que só ocorreu quando migrou para o centro.

Como avaliar a função de um partido no campo teórico da ciência política e como atuam as legendas na prática?

TVB - Vivemos em uma democracia institucional nos marcos de um sistema mundial capitalista. Em tais circunstâncias não há país que tenha vivido uma experiência sem que os partidos políticos não sejam o instrumento de representação dos diversos segmentos e atores sociais. O problema é que os partidos políticos modernos foram concebidos, criados e se institucionalizaram em um mundo completamente diferente do que vivemos hoje, em todos os sentidos; ou seja, econômicos, sociais, políticos, culturais e tecnológicos, por exemplo. A sociedade tornou-se mais complexas. E os partidos não acompanharam tais mudanças. Além disso, o poder econômico contribui decisivamente para distorcer o processo eleitoral fazendo com que muitos segmentos e atores sociais deixem de estar representados ou estejam sub-representados nas casas legislativas do País, campo maior de atuação dos partidos. Aliás, esse é um fenômeno mundial, e não um "privilégio" do sistema brasileiro. Aqui, o problema maior é a pouca vontade e iniciativa para mudar tal quadro e uma distorção ainda maior da representação recebida a cada eleição. Ou seja, os representantes têm pouca ou nenhuma relação e interesses comuns com os representados. Vota-se, apenas. Não temos mecanismos eficazes de acompanhamento e controle sobre os representantes e seus mandatos. Os interesses pessoais e corporativos dos representantes pesam mais que os dos representados, das coletividades que os elegem. Tudo isso movido por uma "racionalidade instrumental" que, somada a pouco ou nenhum caráter programático dos partidos, em sua maioria cartoriais, leva os atores políticos, indivíduos e partidos, a se afastarem ainda mais daqueles que deveriam representar.

Como o senhor vê a discussão sobre a reforma política? Com pressão popular, o projeto é aprovado?

TVB - Não estou convencido que uma reforma política, tal e qual é propagada por diversos atores políticos e movimentos sociais, seja a panaceia para os diversos problemas que o nosso sistema eleitoral e político possui. Defender isso talvez seja apostar em algo que não permita o debate avançar. Provavelmente, mudanças pontuais ajudassem a aperfeiçoar os sistemas políticos e eleitorais. Mas, sem sombra de dúvidas é necessário dotar o País de um sistema eleitoral e político mais adequado, que contribua para a estabilidade e o aperfeiçoamento de nossas instituições, e que permita ampliar o efetivo controle social sobre elas. Até porque arranjos institucionais mais adequados tendem a contribuir para a mudança também de cultura política, na medida em que criam constrangimentos que tendem a mudar práticas. No entanto, penso que a valorização recorrente desse debate faz com que questões mais importantes, isto é, aquelas que afligem a maioria de nossa população, como a imensa desigualdade econômica e social existentes, em que poucos detêm quase todas as riquezas do país, fiquem em segundo plano. Se observarmos bem, nenhum ator político relevante, seja um indivíduo ou um partido, nega-se a discutir a reforma política ou coloca-se contra a sua realização. Mas ninguém se mexe para que isso venha a ocorrer. E quando o faz é na perspectiva de restringir a atuação de legendas mais ideológicas, por exemplo. O que ocorre é que ninguém se dispõe a mudar as regras que lhe favorecem. Iniciativas como a de exigir uma constituinte exclusiva para fazer a reforma política, defendida por movimentos sociais, pode ser uma faca de dois gumes, pois o resultado realmente dependerá da capacidade de pressão dos movimentos sociais. Se não, como se diz, a emenda pode sair pior que o soneto. Enfim, penso que não há sistema perfeito. As experiências são diversificadas e muitas dão certo em alguns países e, em outros, não. Deve-se levar em consideração, portanto, a cultura política e as experiências políticas bem sucedidas de cada País, e não apenas copiar nem inventar. Em larga escala, nossos problemas resultam mesmo mais de nossa cultura política, diga-se de passagem, pouco democrática, que mesmo do arranjo institucional adotado no País, além das enormes desigualdades sociais e econômicas, aqui já referidas.

O ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Dias Toffoli defende o estabelecimento de um teto para os gastos de campanha? O que senhor pensa a respeito?

TVB - Quanto ao financiamento das campanhas eleitorais, devemos observar vários aspectos. Por exemplo, quem deve financiá-la e se deve ter um teto para tanto, como você indaga em sua pergunta. Em relação à primeira questão, muitos não se dão conta, mas, hoje, há uma fórmula mista de financiamento de campanhas eleitorais, em que convivem as contribuições públicas e privadas. Devemos lembrar que os partidos recebem recursos do Fundo Partidário, de origem pública. E que, em períodos de campanhas, parte desses recursos é transferida pelos diretórios nacionais para as campanhas de seus candidatos nos estados e municípios, dependendo da eleição, mesmo que isso não seja totalmente legal. Além disso, as propagandas eleitorais obrigatórias no rádio e nas televisões são bancadas com recursos públicos. Portanto, considerar uma aberração financiar as campanhas com recursos públicos já não faz sentido. Agora, o que se pretende, pelo menos uma parte dos atores políticos e sociais, é impedir a continuidade do financiamento das campanhas por parte de empresas privadas, de pessoas jurídicas, o que não vingou ainda porque, de forma aparentemente inexplicável, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas do processo que tramita no STF, quando o resultado da votação no Pleno era complemente desfavorável e já deveria ter valido nas próprias eleições de 2014. O que possibilitou, por exemplo, que empresas de alguns poucos setores da economia, como do agronegócio, empreiteiras, bancos, entre outros, bancassem mais de 2/3 dos candidatos eleitos no Legislativo. Quando se fala em vetar a contribuição dessas empresas, deseja-se impedir a influência do poder econômico nas campanhas, sobretudo porque isso cria muitos conflitos de interesses. Ou seja, como vemos, os grandes financiadores terminam por querer "cobrar a conta" dos eleitos. Certamente, tal proibição não fará com que o chamado "caixa dois" deixe de existir, mas, sua adoção, pode contribuir para que haja um controle a mais para impedir a sua recorrência. Nesse sentido, é importante alterar a atual fórmula de financiamento de campanhas, fazendo com que seja basicamente público, com o estabelecimento de um teto, como deseja o ministro Toffoli, e permitindo apenas a contribuição de pessoas físicas.

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