Gabeira alerta Dilma para a chegada de um novo Brasil

"Alguma coisa está acontecendo no Brasil. Você pode ser contra, a favor ou mesmo ficar em cima do muro. Mas não pode negar a frase de Galileu Galilei: "Eppur si muove" (ainda se move)", escreve o jornalista e escritor; segundo ele, a presidente "foi embriagada pela dose de otimismo que o marketing ministrou"

Gabeira alerta Dilma para a chegada de um novo Brasil
Gabeira alerta Dilma para a chegada de um novo Brasil


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247 - "Alguma coisa está acontecendo", diz o jornalista e escritor Fernando Gabeira, em artigo no Estadão. Segundo ele, a presidente Dilma Rousseff passa por um "momento duro", mas foi o PT, defende Gabeira, "que fez baixar o mais pesado manto de cinismo sobre a vida política brasileira". 

Leia abaixo:

Sra. Rousseff, alguma coisa acontecendo

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Alguma coisa está acontecendo e eu não sei exatamente o que é. Antes dos conflitos de rua no Brasil, recebi o livro de Manuel Castells Redes de Indignação e Esperança. Castells é professor numa universidade da Califórnia e dedica-se ao estudo das redes e sua importância neste início do século. Examinou a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, o movimento dos indignados na Espanha e o caso da Islândia.

Antes mesmo desses movimentos, Castells via nas redes o caminho por meio do qual uma nova geração de ativistas buscaria mudança política fora do alcance dos métodos habituais de controle político e econômico. Segundo Castells, esses movimentos são mais voltados para explorar o sentido da vida do que para conquistar o Estado capitalista.

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Essa observação é, para mim, curiosa. Nos anos 60, alguns, como eu, transitaram do existencialismo para o marxismo. Agora, o existencialismo parece estar de volta. De novo, uma parcela da juventude sai em busca do sentido: conectar as mentes, criar significados, contestar o poder é a frase que Castells utilizou para sintetizar o programa dessas redes.

Se isso é verdadeiro para o Brasil, os R$ 0,20 de aumento dos ônibus foram apenas um dos pretextos para expressar a revolta. E os grupos da esquerda clássica, apesar de seu estardalhaço, funcionam aí apenas como aquelas lavagens na pedra que dão aparência de velho ao jeans que acaba de ser fabricado.

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Criar significados em política significa também colocá-los na mesa para o debate. Não posso, por exemplo, condenar o Movimento Passe Livre porque no passado apoiei a tese do fim do passaporte no mundo. Até que me deparei com a gigantesca realidade da imigração internacional. A inquietação com o transporte coletivo pode ser existencialmente resolvida com a palavra de ordem passe livre. Mas apenas ela não muda a realidade dos que usam ônibus no Brasil.

O preço é amparado no aumento da inflação, que não deveria ser a única referência. Conforto, pontualidade, respeito ao usuário, condições de trabalho dos motoristas, tudo precisa ser monitorado. Mas existe uma cumplicidade histórica de vereadores e deputados com as empresas de ônibus. No Rio de Janeiro, por anos, houve até pagamento mensal na Câmara. Mensalinho, mensalão, olha pro céu olha pro chão.

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Lutar só pelo passe livre nos remete a um ônibus utópico. O que fazer com pessoas esgotadas depois de um dia de trabalho? Dizer, ano após ano, "coragem, irmão, o reino de Deus está próximo"?

A única cidade que adotou o passe livre, Porto Real, no Rio de Janeiro, o fez para atrair grandes empresas que queriam se instalar lá: Coca Cola e Citroën Peugeot. Foi um cálculo econômico e eu vou lá para estudar o caso.

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Um dos aprendizados mais importantes para a geração que saiu às ruas no passado é o compromisso com a democracia, o que significa rejeitar a tese de que os fins justificam os meios. A violência derruba as melhores intenções. Ela é o inimigo interno que corrói a simpatia popular e acaba esvaziando as ruas. Em alguns lugares do mundo, governos usam provocadores infiltrados para desmoralizar o adversário.

Conselhos são vistos com desprezo num momento como este. Mas a história não começa do zero. Essa presunção é absurda e só tem validade na cabeça do PT, que acredita ter inaugurado o Brasil, em 2003.

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Como as inquietações se transformam em mudanças, se a própria timoneira parece perdida? Dilma diz que está tudo maravilhoso, e tome vaia da torcida. O governo trouxe a Copa do Mundo para o Brasil por achar que isso era uma trunfo eleitoral imbatível. Todos os seus defensores afirmam que foi uma condenação da classe média alta. Como se fosse preciso examinar a renda antes de avaliar o peso de um protesto e como se as ruas de todo o País, de São Paulo a São Gonçalo, estivessem tomadas por gente da alta classe média.

É um momento duro para ela. Mas foi o PT que fez baixar o mais pesado manto de cinismo sobre a vida política brasileira. Dilma afirmou um dia que não tem perfil de candidata. Concordo com sua análise. No entanto, foi eleita num período de crescimento econômico, de esfuziantes gastos oficiais e milhões consumidos na máquina de propaganda.

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Isaiah Berlin compara as habilidades de um governante às de um motorista que precisa de reflexos porque se vê, constantemente, diante de situações novas e inesperadas. De nada adiantam erudição e conhecimento histórico nem o batalhão de conselheiros. Há uma solidão inescapável no ofício do estadista.

Dilma foi embriagada pela dose de otimismo que o marketing ministrou. Afirma que são terroristas os que alertam para a inflação. Em seguida, diz que o governo vai dar a volta por cima. Segundo a própria canção, só se dá a volta por cima depois de uma queda e de sacudir a poeira.

Ela lançou uma lei de acesso a informações e proíbe os assessores de divulgar dados sobre suas viagens oficiais, hotéis, comitivas, gastos, sobretudo gastos.

Quando a maré baixa, dizem os analistas econômicos, fica evidente quem está nadando nu. Isso vale para os atores políticos nas grandes viradas históricas.

Lula diz que elegeu postes para melhor iluminar o Brasil. Referia-se a Dilma e a Fernando Haddad. É muito poético, até que se descubra a realidade úmida do poste, quando adotado pelos cachorros da vizinhança.

Para mim, o sistema de dominação que transformou a política brasileira num bordel entrou em declínio.

Na Islândia, que é muito pequena para ser um modelo, as revoltas desembocaram numa substituição do governo, numa nova maneira de gastar o dinheiro e numa Constituição moderna, que busca integrar a participação popular, potencializada pela revolução digital.

Alguma coisa está acontecendo no Brasil. Você pode ser contra, a favor ou mesmo ficar em cima do muro. Mas não pode negar a frase de Galileu Galilei: "Eppur si muove" (ainda se move).

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