O futuro de Marta

Com duas palavras dentro de uma carta de demissão – "resgatar a credibilidade" – senadora causa estrondo no PT, irrita núcleo duro do governo e antecipa em dois anos a sucessão na Prefeitura da maior cidade do País; "Sempre fui conhecida por falar o que penso e fazer o que acho certo", justificou ela, que já se coloca como alternativa, dentro do PT, ao prefeito Fernando Haddad; embora o presidente do PT, Rui Falcão, lembre o histórico desfavorável de quem disputou prévias no partido, Marta não pretende desistir; opções que se abrem para seu futuro são o tema da reportagem de capa da nova revista 24/7, assinada por Marco Damiani

Com duas palavras dentro de uma carta de demissão – "resgatar a credibilidade" – senadora causa estrondo no PT, irrita núcleo duro do governo e antecipa em dois anos a sucessão na Prefeitura da maior cidade do País; "Sempre fui conhecida por falar o que penso e fazer o que acho certo", justificou ela, que já se coloca como alternativa, dentro do PT, ao prefeito Fernando Haddad; embora o presidente do PT, Rui Falcão, lembre o histórico desfavorável de quem disputou prévias no partido, Marta não pretende desistir; opções que se abrem para seu futuro são o tema da reportagem de capa da nova revista 24/7, assinada por Marco Damiani
Com duas palavras dentro de uma carta de demissão – "resgatar a credibilidade" – senadora causa estrondo no PT, irrita núcleo duro do governo e antecipa em dois anos a sucessão na Prefeitura da maior cidade do País; "Sempre fui conhecida por falar o que penso e fazer o que acho certo", justificou ela, que já se coloca como alternativa, dentro do PT, ao prefeito Fernando Haddad; embora o presidente do PT, Rui Falcão, lembre o histórico desfavorável de quem disputou prévias no partido, Marta não pretende desistir; opções que se abrem para seu futuro são o tema da reportagem de capa da nova revista 24/7, assinada por Marco Damiani (Foto: Aline Lima)


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Marco Damiani, 247 – Mesmo sem ter feito "nada de errado", na versão da presidente Dilma Rousseff, a ex-ministra Marta Suplicy provocou um estrondo forte o suficiente para fazer tremer a cúpula do PT e abalar a estrutura do governo federal. Para tanto, ela precisou apenas redigir uma carta. Na verdade, escrever dentro dela uma frase em especial. A rigor, o que machucou mesmo foram duas precisas palavras lá contidas: "Resgatar a credibilidade".

Com essas duas palavras, em referência direta à política econômica, o texto friamente protocolado na Casa Civil do Palácio do Planalto, na terça-feira 11, deu a real dimensão política do gesto de sua autora. Marta Suplicy havia acabado de dizer que, no andar atual da carruagem oficial, o partido do governo corre o risco de perder uma das militantes mais populares, festejadas e autênticas de sua história de mais de 30 anos de existência.

Ao deixar o Ministério da Cultura reproduzindo uma sensação que não é só dela, a senadora de origem na elite quatrocentona de São Paulo e raízes profundas no setor que ela gosta de chamar de "povão" abalou.

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- Sempre fui conhecida por falar o que penso e fazer o que acho certo, justificou ela, em meio ao redemoinho provocado por seu gesto, logo após a renúncia.

Sem que ela tivesse pronunciado – e muito menos escrito – qualquer palavra a respeito, a saída de Marta reverberou no que só vai acontecer dentro de dois anos, a eleição para prefeito de São Paulo. Corre que Marta teria dito ao ex-presidente Lula que pretende disputar as prévias partidárias para a sucessão do prefeito Fernando Haddad, mas da boca dela ninguém ouvi isso – e nem ouvirá agora. Marta não precisa dizer, pelo simples motivo de que sempre será um nome natural para voltar à Prefeitura paulistana. Dentro dos cânones delimitados pelo PT, no entanto, a simples possibilidade de a senadora vir a concorrer internamente já é um fato político suficiente para que muitas verdades venham à tona.

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O presidente do partido, Rui Falcão, realizou uma auto-crítica pública sobre duas intervenções do comando central da legenda sobre diretórios regionais. Em 2002, quando a direção partidária impediu o então prefeito de Porto Alegre Tarso Genro de disputar a reeleição e, bem mais recentemente, nas últimas disputas municipais, em 2010, ao tirar a vez do então prefeito de Recife, João Paulo, de concorrer a um segundo mandato:

- O histórico do PT com prévias não recomenda essa alternativa. Perdemos nas duas vezes em que o prefeito no cargo não concorreu à reeleição, lembrou, repentinamente, Falcão.

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Preocupado em isolar mas, ao mesmo tempo, como se fosse possível, não melindrar Marta, ele completou:

- Se os estatutos forem mudados, podemos deixar a decisão para um colégio de delegados, de modo aos dois candidatos se preservarem.

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Até as estrelinhas dos bottons do PT sabem que não vai ser por aí. Se decidir mesmo concorrer à Prefeitura de São Paulo, Marta terá de fazê-lo por um outro partido. Em 2010, ela participou de reuniões nos diretórios zonais do PT, ao lado de Haddad, mas precisou sair da disputa – como quiseram Lula e Falcão -, para dar a vez ao pré-candidato que, por fim, venceu a eleição. Da próxima vez, uma nova vitória interna estará, certamente, ainda mais facilitada para ele.

A simples possibilidade de Marta, em nome de planos futuros, pensar em se afastar do PT em que nasceu politicamente e se criou, já alvoraça outras agremiações. Assédio, depois da carta, não lhe tem faltado. O PMDB do vice-presidente Michel Temer é o primeiro interessado em ter a ex-ministra como novíssima filiada, mas nem houve ainda um convite, nem ela pretende se mover açodadamente. O momento, para Marta, é o de atuar  como senadora por São Paulo e aguardar, de sua posição de destaque, os desdobramentos. A pressa, depois que sua bomba fez o efeito desejado, é sua adversária. Marta está certa disso.

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FORA DO BALAIO DAS RENÚNCIAS - A tomarem-se os fatos imediatamente anteriores à entrega da carta de renúncia, Marta, de fato, não rompeu nenhum acordo. Uma semana antes, ela estivera com a presidente Dilma e avisou que pretendia deixar o governo. Ouviu para que esperasse mais um pouco e, com efeito, atendeu a solicitação. Quando percebeu que poderia sair confundida dentro de um balaio de renúncia coletiva do ministério, à fim de deixar Dilma à vontade para escalar a nova equipe para o seu segundo mandato, Marta, como notou o certamente mais experiente colunista político do País, Jânio de Freitas, do jornal Folha de S. Paulo, fez apenas o que se poderia esperar dela: foi mais Marta.

Sexóloga pioneira do TV Mulher, da Rede Globo, dos anos 1980, ex-deputada federal mais votada do PT, ex-prefeita da maior cidade do País e atual senadora pelo Estado mais rico da Federação não é exatamente uma pessoa com que se possa, digamos, brincar. Autêntica e independente, ela nunca deixou de ser disciplinada aos comandos do único partido ao qual esteve filiada durante toda a sua trajetória política. Mas, igualmente, jamais deixou de marcar sua posição. E isso muitos em seu próprio partido não gostam.

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Num julgamento sem paixões – o que é praticamente impossível em relação a uma personalidade forte como a da ex-ministra --, Marta pode ser vista como  exemplo pronto e acabado de uma militante destacada que sempre atendeu a um princípio caro à todas as esquerdas: o centralismo democrático. Ao contrário de outros personagens com luz própria, como as ex-ministras Marina Silva e Luiza Erundina, Marta, quando divergiu do comando do PT, aceitou ser  'enquadrada' internamente e jamais ameaçou abrir uma dissidência ou rachar com a agremiação. Bem ao contrário. Ela sempre pertenceu ao campo majoritário do PT, aquele sob a liderança do ex-presidente Lula, e nunca foi vista, mesmo quando teve motivos, amarrotando a bandeira que defende.

Para entender os motivos da carta de Marta, é preciso resgatar o histórico de ultrapassagens que o PT praticou sobre ela. Logo o PT que ela, como prefeita, contemplou com todos os principais cargos em sua administração municipal em São Paulo, entre 2001 e 2004.

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PUXE-SE PELA MEMÓRIA:

2004 – Em sua tentativa de reeleição para prefeita, Marta buscava um vice do PMDB, como forma de ampliar a base partidária e social de sua candidatura. O PT bateu o pé e fez de Falcão seu candidato a vice. O resultado foi a derrota para o tucano José Serra, apesar de ela ter deixado o cargo de prefeita com altos índices de aprovação popular. Mais tarde, em pesquisa Datafolha, foi apontada como a melhor prefeita da capital desde a redemocratização;

2006 – Marta disputa prévias no PT para o governo do Estado. Alcançou, duas semanas antes do encerramento da disputa, 80% de indicações de voto da militância partidária. Veio então uma articulação da qual participaram Lula, Falcão e o então presidente estadual da legenda, Emídio de Souza. O atual ministro Aloizio Mercadante foi escolhido o candidato, mas não venceu o pleito;

2008 – Candidata novamente a prefeita de São Paulo, com o atual ministro dos Esportes, Aldo Rebelo, do PCdoB como vice, Marta considera hoje que não contou com o apoio verdadeiro do partido, mais interessado, para ela, em eleger uma boa chapa de vereadores do que fazê-la prefeita outra vez e, assim criar uma alternativa futura para uma disputa à Presidência da República. Perdeu;

2010 – Marta e Mercadante outra vez têm planos semelhantes. Como candidato a governador, ele pede garantias a ela de que não seria candidata a prefeita em 2012. Marta nega e se oferece para concorrer ao governo do Estado, naquela eleição considerada quase impossível de ser vencida pelo PT, dando a vaga de candidata ao Senado para o próprio Mercadante. É a vez de ele não aceitar. Ato seguinte, o partido passa a prestigiar sobremaneira a candidatura de Netinho, pelo PCdoB, para o Senado. Marta alerta que não haveria espaço para dois nomes do mesmo campo político. Na reta final da disputa, o tucano Aloysio Nunes, com a morte de Orestes Quércia, vira o fenômeno da eleição e supera os 10 milhões de votos. Marta bate Netinho por pequena margem e arrebate a segunda vaga;

2012 – Interessada em ser ainda mais vez prefeita, Marta deixa claro seus planos. Lula não gosta. Ele já tinha sacado a candidatura de Haddad. Num processo inicial de prévias partidárias, a senadora, que àquela altura somava cerca de 40% de intenções de votos no Datafolha, percorre o partido em debates com o adversário interno. A pedido do comando da agremiação, porém, deixa a peleja e vê Haddad ficar com a indicação partidária. Na campanha, a senadora se recolhe, mas, com o candidato em dificuldades, o partido a chama para levantá-lo na periferia da capital, considerado um reduto de Marta – o 'povão'. A senadora passa a dar apoio efetivo ao candidato, ele vence, mas não agradece a ela em seu discurso de vitória. Parte do novo secretariado traz nomes que fizeram parte do primeiro escalão da gestão de Marta. Ela própria não obteve espaço para fazer nenhuma indicação.

A partir de 2010, no Senado, Marta se torna interlocutora frequente do Palácio do Planalto, comandando, ao lado do então presidente da casa, José Sarney, uma série de difíceis vitórias para Dilma.

- Aprendi muito com Sarney, gosta de dizer a senadora. Na quarta-feira 13, em Brasília, o veterano senador homenageou a já ex-ministra com um jantar ao lado do presidente do Senado, Renan Calheiros, e outros influentes senadores.

Grata pelo papel de Marta como vice do Senado, a presidente Dilma a nomeia, ainda em 2012, para o Ministério da Cultura. A senadora mostra rapidamente seu traquejo como executiva e desata o nó dos direitos autorais em poder do Ecad. Numa só tacada, agrada ídolos populares como Roberto Carlos e Caetano Veloso, Fafa de Belém e Xitãozinho e Xororó. Com o Rei à frente, e Caetano presente, leva uma tropa de choque de artistas populares a se congratularem com Dilma no Palácio do Planalto. Foi um dos momentos mais festejados da gestão.

Mais tarde, em nova tacada bem sucedida, a ministra aprova o vale-cultura, uma espécie de mini bolsa-família para os trabalhadores, de R$ 50  para serem usados no consumo de produtos culturais.

O quadro muda para ela quando Mercadante deixa o Ministério da Educação para assumir a Casa Civil. Cordiais adversários internos históricos, eles têm um diálogo difícil. Marta, ao mesmo tempo, volta a ter boas relações com Lula. Diante de dificuldades de tramitação interna de projetos de sua pasta, ela chega a pedir, mais de uma vez, o apoio do ex-presidente para emplacar ideias como a dos CEUS das Artes e dos Esportes. Dilma, a princípio, veta o nome, que remeteria aos CEUs que Marta implantou em São Paulo, mas Lula convence a presidente de aceitar. Ciúmes dentro do governo.

VOLTA, LULA - Sim, a senadora apoiou o chamado 'volta, Lula', promovendo reuniões em sua casa, em São Paulo, de empresários à volta do ex-presidente. Como, na prática, a ideia não vingou, a senadora percebeu-se mais distante de Dilma. Durante a campanha presidencial, foi alijada de todas as instâncias de coordenação e decisão. Quase ao final, foi chamada para gravar mensagem a favor do candidato do partido a governador de São Paulo, Alexandre Padilha, que não conseguia decolar. Marta disse 'não' e não foi à televisão. Mais tarde, as relações com o presidente Falcão chegaram ao nível do rés do chão quando ela quase é barrada de aparecer ao lado da presidente, num carro aberto, em visita ao bairro periférico de Campo Limpo, na zona de São Paulo.

Com os dias contados no governo, Marta disse a amigos que só não deixou o comando da Cultura em plena campanha eleitoral para não jogar água no moinho da oposição. Dilma venceu e, então, Marta tornou-se a primeira ministra a pedir para sair. Ficando a pedido, ela sentiu-se à vontade para com uma carta, uma frase e, especialmente, duas palavras, diferenciar-se da turma e marcar sua posição de maneira  antecipada, isolada e, nessa medida, destacou-se.

Como tudo o que Marta faz ou participa, um gesto que feito por outros teria repercussão discreta, nela obteve toque superlativo. O alarido ainda se escuta. Marta tem mais quatro anos de mandato. Dentro ou fora do PT, ela ainda tem contas a acertar com o partido e seus principais dirigentes. No tempo que julgar adequado, ela voltará a se manifestar. E, que ninguém duvide, outra vez haverá muito barulho. Como é bem típico dessa starlet da política nacional.

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