A crise institucional aberta por Gilmar Mendes

Quem está mentindo: o ex-presidente Lula e o ex-presidente do STF, Nelson Jobim, ou o também ex-presidente do STF e atual ministro da Corte, Gilmar Mendes?; as versões dos dois primeiros apontam para Mendes, mas ele, apoiado pela revista Veja, foi o primeiro a esticar o dedo na direção de Lula, dizendo ter sofrido pressão para adiar o julgamento do mensalão; opinião pública fechou com Lula e Jobim, mas a mídia...

A crise institucional aberta por Gilmar Mendes
A crise institucional aberta por Gilmar Mendes (Foto: Edição/247)


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247 – 'Habemus crisis!'

Dono de votos com justificativas empoladas, em estilo à beira do barroco e posicionamento francamente conservador, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, bem poderia estar comemorando seu mais recente feito em latim. Porque, sim, com sua entrevista à revista Veja, publicada na edição da presente semana, Mendes com a toga de integrante do STF que lhe foi conferida pelo então presidente Fernando Henrique, em 2002, abriu uma inédita crise institucional. Se era o que ele queria, e todos os indicadores apontam no sentido positivo da intenção, sem dúvida conseguiu. Nota 10, portanto, em matéria de criação de um escândalo.

Na crise nascida pela boca do ministro Mendes, só há duas alternativas: ou ele, um ex-presidente do STF está falando a verdade, e um ex-presidente da República e um também ex-presidente do STF, respectivamente Lula e Nelson Jobim, que diz ter testemunhado todo o diálogo, estão mentindo, ou é Mendes quem deturpa e falseia, e a verdade está com o presidente mais popular da história e um ex-ministro que não pode ser visto exatamente como um amigo da esquerda.

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A opinião pública, na medição registrada empiricamente por manifestações via twitter e em e-mails para sites como o 247, se mostra bem mais inclinada a acreditar em Lula e Jobim. Mas a palavra de Mendes, mesmo em minoria de um contra dois, reverbera na mídia, entre ministros do próprio STF, juristas, advogados e, claro, políticos de oposição ao governo.

Com os poderes que a Constituição lhe confere, o ministro Mendes poderia teria feito o seguinte, assim que ouviu o que disse ter ouvido de Lula, repita-se, no mês passado, já lá se vão cerca de 30 dias:

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1 - Ter feito a denúncia na Polícia Federal;

2 - Ter feito a denúncia no Ministério Público, o que seria o mais provável e recorrente. Ficaria por conta do MP abrir o inquérito policial; ou

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3 – Ter ido à delegacia de polícia mais próxima, como qualquer brasileiro com número de R.G., e comunicar o fato ao delegado de plantão.

Uma advogada militante em Brasília, ouvida por 247, que atua há 11 anos em torno do STF e, por isso, preferiu pedir anonimato, enumerou as opções acima. Ao mesmo tempo, deu sua opinião fazendo uma pergunta. "Por que o ministro Gilmar Mendes ficou quieto até aqui? Ele é o ministro da maior corte do país e sabe exatamente o que tem que fazer. É no mínimo estranho surgir essa situação pela mídia. Parece manobra política"

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Correu cerca de um mês desde o encontro, mas o silêncio do ministro Mendes sobre o caso só foi quebrado, pelas páginas de Veja, na véspera de uma importante reunião da CPI do Cachoeira. Às alternativas constitucionais, certamente bem mais adequadas à expressão e importância de seu cargo, o ministro Mendes preferiu, como se diz em gíria, ligar o ventilador e falar a um veiculo famoso pela editorialização de seu noticiário. Nesta segunda 28, passou o dia concedendo entrevista rercurtindo o fato político que ele próprio criou (abaixo).

Maior precisão, se o que se queria era uma crise sobre a crise, impossível. Com sua versão, o ministro Mendes, afinal, conseguiu dominar os debates no Senado Federal nesta segunda-feira 28 (leia aqui), incendiar o clima na reunião da CPI desta terça 29 e armar as condições até mesmo para uma reviravolta na até aqui modorrenta Comissão, com uma aventada convocação de Lula para dar explicações. O PSDB, agindo como Mendes poderia ter feito, fez representação junto à Procuradoria Geral da República, pedindo abertura de inquérito sobre o ocorrido.

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Ao deixar no ar a hipótese de que teria sido pressionado pelo ex-presidente, Mendes assumiu a linha de frente dos que argumentam que Lula teria incentivado a criação da CPI como forma de evitar as condições políticas para a realização do julgamento do caso do mensalão pelo STF. No entanto, ao demorar um mês para contar o que diz ter escutado, Mendes pode até mesmo ser acusado de prevaricação, isto é, tomar parte num ato fora da lei. Afinal, por que toda a sua estupefação só foi divulgada após quatro semanas ou mais, e da maneira mais informal possível?

Registrou a revista Veja que Gilmar contou que o ex-presidente Lula, em encontro no escritório do ex-ministro Nelson Jobim, no mês passado, teria lhe feito uma proposta para atuar pelo adiamento do julgamento do caso do mensalão, no Supremo, em troca de proteção na CPI do Cachoeira. Mas Jobim, que diz ter acompanhado todo o diálogo, desmente isso: "O quê? De forma nenhuma, não se falou nada disso. O Lula fez uma visita para mim, o Gilmar estava lá. Não houve conversa sobre o mensalão; tomamos um café na minha sala. O tempo todo foi dentro da minha sala (não na cozinha); o Lula saiu antes; durante todo o tempo nós ficamos juntos", desqualificou o ex-ministro Jobim, ele próprio surpreendido com a versão. Nesta segunda-feira, o ex-presidente Lula expediu nota para se dizer indignado com a veiculação de Veja e a divulgação feita por Mendes (leia aqui). Os dois desmentidos versus uma afirmativa, no entanto, não foram suficientes para segurar a formação de uma pesada bola de neve política: a partir de um leve movimento no alto de uma montanha da mídia, criou-se uma crise instituicional que se desenha como sendo de grandes proporções. Tem gente que realmente sabe como fazer isso.

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Abaixo, entrevista do ministro Mendes à repórter Adriana Iron, republicada pelo blog do jornalista Josias de Souza, diretor da sucursal de Brasília do jornal Folha de S. Paulo:

O ministro Gilmar Mendes, do STF, confirmou nesta segunda (28), o teor da conversa que manteve com Lula, em 26 de abril, no escritório do ex-ministro Nelson Jobim. Segundo ele, Lula disse que não seria "adequado" julgar o processo do mensalão em 2012. E insinuou que poderia proteger o interlocutor na CPI do Cachoeira.

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"Foi uma conversa repassando assuntos variados", disse Gilmar. "Ele [Lula] manifestou preocupação com a história do mensalão e eu disse da dificuldade do tribunal de não julgar o mensalão [...]. Mas ele [Lula] entrava várias vezes no assunto da CPI, falando do controle, como não me diz respeito, não estou preocupado com a CPI."

Gilmar falou à repórter Adriana Irion. Revelou que o amigo Jobim, que vem negando a pressão exercida por Lula, não só testemunhou a conversa como interveio nos diálogos. A íntegra da entrevista, disponívelaqui, vai reproduzida abaixo:

Adriana Iron — Quando o senhor foi ao encontro do ex-presidente Lula não imaginou que poderia sofrer pressão envolvendo o mensalão?

Gilmar Mendes - Não. Tratava-se de uma conversa normal e inicialmente foi, de repassar assuntos. E eu me sentia devedor porque há algum tempo tentara visitá-lo e não conseguia. Em relação a minha jurisprudência em matéria criminal, pode fazer levantamento. Ninguém precisa me pedir para ser cuidadoso. Eu sou um dos mais rigorosos com essa matéria no Supremo. Eu não admito populismo judicial.

— Sua viagem a Berlim tem motivado uma série de boatos. O senhor encontrou o senador Demóstenes Torres lá? 

- Nos encontramos em Praga, eu tinha compromisso acadêmico em Granada, está no site do Tribunal. No fundo, isto é uma rede de intrigas, de fofoca e as pessoas ficam se alimentando disso. É esse modelo de estado policial. Dá-se para a polícia um poder enorme, ficam vazando coisas que escutam e não fazem o dever elementar de casa.

— O senhor acredita que os vazamentos são por parte da polícia, de quem investigou?

- Ou de quem tem domínio disso. E aí espíritos menos nobres ficam se aproveitando disso. Estamos vivendo no Supremo um momento delicado, nós estamos atrasados nesse julgamento do mensalão, podia já ter começado.

— Esse atraso não passa para a população uma ideia de que as pressões sobre o Supremo estão funcionando? 

- Pois é, tudo isso é delicado. Está acontecendo porque o processo ainda não foi colocado em pauta. E acontecendo num momento delicado pelo qual o tribunal está passando. Três dos componentes do tribunal são pessoas recém nomeadas. O presidente está com mandato para terminar em novembro. Dois ministros deixam o tribunal até o novembro. É momento de fragilidade da instituição.

— Quem pressiona o Supremo está se aproveitando dessa fragilidade? 

- Claro. E imaginou que pudesse misturar questões. Por outro lado não julgar isso agora significa passar para o ano que vem e trazer uma pressão enorme sobre os colegas que serão indicados. A questão é toda institucional. Como eu venho defendendo expressamente o julgamento o mais rápido possível é capaz que alguma mente tenha pensado: "vamos amedrontá-lo". E é capaz que o próprio presidente esteja sob pressão dessas pessoas.

— O senhor não pensou em relatar o teor da conversa antes? 

- Fui contando a  quem me procurava para contar alguma história. Eu só percebi que o fato era mais grave, porque além do episódio (do teor da conversa no encontro), depois, colegas de vocês [jornalistas], pessoas importantes em Brasília, vieram me falar que as notícias associavam meu nome a isso e que o próprio Lula estava fazendo isso.

— Jornalistas disseram ao senhor que o Lula estava associando seu nome ao esquema Cachoeira? 

- Isso. Alimentando isso.

— E o que o senhor fez? 

- Quando me contaram isso eu contei a elas [jornalistas] a conversa que tinha tido com ele [Lula].

— Como foi essa conversa? 

- Foi uma conversa repassando assuntos variados. Ele manifestou preocupação com a história do mensalão e eu disse da dificuldade do Tribunal de não julgar o mensalão este ano, porque vão sair dois, vão ter vários problemas dessa índole. Mas ele (Lula) entrava várias vezes no assunto da CPI, falando do controle, como não me diz respeito, não estou preocupado com a CPI.

— Como ele demonstrou preocupação com o mensalão, o que falou? 

- Lula falou que não era adequado julgar este ano, que haveria politização. E eu disse a ele que não tinha como não julgar este ano.

— Ele disse que o José Dirceu está desesperado? 

- Acho que fez comentário desse tipo.

— Lula lhe ofereceu proteção na CPI? 

- Quando a gente estava para finalizar, ele voltou ao assunto da CPMI e disse "que qualquer coisa que acontecesse, qualquer coisa, você me avisa", "qualquer coisa fala com a gente". Eu percebi que havia um tipo de insinuação. Eu disse: "Vou lhe dizer uma coisa, se o senhor está pensando que tenho algo a temer, o senhor está enganado, eu não tenho nada, minha relação com o Demóstenes era meramente institucional, como era com você". Aí ele levou um susto e disse: "E a viagem de Berlim?" Percebi que tinha outras intenções naquilo.

— O ex-ministro Nelson Jobim presenciou toda a conversa? 

- Tanto é que quando se falou da história de Berlim e eu disse que ele [Lula] estava desinformado porque era uma rotina eu ir a Berlim, pois tenho filha lá, que não tinha nada de irregular, e citei até que o embaixador nos tinha recebido e tudo, o Jobim tentou ajudar, disse assim: "Não, o que ele está querendo dizer é que o Protógenes está querendo envolvê-lo na CPI." Eu disse: "O Protógenes está precisando é de proteção, ele está aparecendo como quem estivesse extorquindo o Cachoeira." Então, o Jobim sabe de tudo.

— Jobim disse em entrevista a Zero Hora que Lula foi embora antes e o senhor ficou no escritório dele tratando de outros assuntos. 

- Não, saímos juntos.

— O senhor vê alternativa para tentar agilizar o julgamento do mensalão? 

- O tribunal tem que fazer todo o esforço. No núcleo dessa politização está essa questão, esse retardo. É esse o quadro que se desenha. E esse é um tipo de método de partido clandestino.

— Na conversa, Lula ele disse que falaria com outros ministros? 

- Citou outros contatos. O que me pareceu heterodoxo foi o tipo de ênfase que ele está dando na CPI e a pretensão de tentar me envolver nisso.

— O senhor acredita que possa existir gravação em que o senador Demóstenes e o Cachoeira conversam sobre o senhor, alguma coisa que esteja alimentando essa rede que tenta pressioná-lo? 

- Bom, eu não posso saber do que existe. Só posso dizer o que sei e o que faço.

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