Serra mostrou diante de Kennedy que lhe falta educação

Destampatório na entrevista da CBN revelou, ainda esta vez, a face autoritária do super economista que eu conheci em 1982



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Corria o ano de 1982 quando fui parar, pela Editora Oboré, levado por Sérgio Gomes da Silva, o Serjão, num endereço hoje histórico para os tucanos: o comitê central da candidatura a governador de Franco Montoro, na rua Madre Teodora, em Pinheiros. Ia falar, para intelectuais e jornalistas que apoiavam o "senador dos trabalhadores", o coordenador de sua campanha, na primeira eleição direta para governador em 20 anos. Tempos do general Figueiredo no plantão da ditadura.

Em duas salas vazadas por um grande arco, umas 50, talvez 60 pessoas se enrodilharam de modo a ouvir um sujeito bastante elegante, paletó azul escuro e calça cinza. Ele falou, lembro-me bem, por uns 50 minutos, dando passos lentos, voltando-se a todas as direções, olhando para todos. Fora exilado. Um professor. Não tropeçou nas palavras nem uma única vez. Não tinha nenhum papel nas mãos. Explanou sobre a situação das finanças no então governo Reinaldo de Barros, recitou números e apontou os caminhos que havia escolhido para resgatar o Estado do caos malufista. Foi brilhante. Nos meus 16 anos, pensei: "Esse é o cara mais bem preparado que eu já vi na minha vida". Era José Serra.

1993. Toca o telefone lá de casa. "Aqui é o deputado federal José Serra". Fui ao encontro dele, a partir da ligação, por duas vezes. Ele tinha para mim um convite de trabalho. Nos dois papos, a certa altura observei o quanto poderia ser importante, para as relações dele com a imprensa, ser cordial, trocar informações com jornalistas, passar uns bastidores, enfim, estabelecer uma relação que eu julgava sadia. A intenção, afinal, era fazer assessoria de imprensa para o deputado que queria ser governador ou presidente, conforme adiantou. "Mas isso eu não faço", respondeu. Entendi perfeitamente. Não é característica do sujeito, não adianta forçar. Saiu ele da última conversa em direção ao colégio Santa Cruz, defender a causa do parlamentarismo, cujo plebiscito frente ao presidencialismo se aproximava. Voltei para o meu trabalho, convite recusado. O super economista que eu achei ter reconhecido onze anos antes tornara-se, para mim, alguém que, de verdade, eu já não sabia mais o que pensava.

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"Se ele virar governador, vai atuar para os pobres ou para as elites? Ou jogará no meio de campo? E se se esquecer dos trabalhadores? No caso de se tornar presidente, como será seu comportamento? Apóia o parlamentarismo por que assim pode chegar ao topo ou por que acredita nesse modelo de verdade?"

Na boa, essas interrogações me foram feitas por mim mesmo entre a primeira e a segunda conversas. Mas depois de quase duas horas de frente a frente com Serra, portas fechadas, e sempre tendo acompanhado de perto a carreira dele, eu não tinha a mínima certeza do que era, afinal, seu projeto político. Caixa-preta.

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2002. Em entrevista exclusiva para a revista IstoéDinheiro, em Brasília, no gabinete do Ministério da Saúde, Serra se recusa a responder uma questão minha. "Essa pergunta eu não quero", disse ele para a assessora ao seu lado. O candidato havia acabado de elogiar o então presidente do Banco Central, garantindo que Armínio Fraga seria mantido no cargo. Eu quis saber, então, se Pedro Malan, titular da Fazenda, também permaneceria. "Isso não é pergunta, é provocação", disse ele, ao final, sem aceitar a indagação. Para piorar, os demais jornalistas, de outros veículos, que aguardavam a vez de, digamos, entrevistá-lo, foram informados de que se a mesma questão fosse feita, a conversa nem teria início. Serra, ali, morreu para mim... snif, snif.

Quatro semanas atrás, sempre me chamando pelo primeiro nome, o mesmo Serra me devolve atenção ao final da sabatina da Folha, no shopping Higienópolis. Respondeu minhas perguntas, foi polido, conversamos, entre fãs, até a porta do elevador. Ele me pareceu, em seus 72 anos, realmente no auge da forma. Vi nele segurança, nenhum traço de preocupação com o risco, àquela altura, de ser ultrapassado por Fernando Haddad estando, então, atrás de Celso Russomano. Será que ele voltará a ser "um cara legal", o gênio de 1982, questionei-me? Quase ressuscitou para mim...

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Chegamos a hoje, esta quarta-feira 17. Ouço a gravação da entrevista de Serra na CBN. Em lugar de simplesmente responder ao colega Kennedy Alencar, preferiu o ataque pessoal, baixo, vil, insinuando que ali estava muito mais um eleitor do PT do que um profissional de comunicação. Mandou-o comportar-se, ter educação e moderar-se. Disse ainda que a questão levantada sobre a cartilha anti-homofóbica feita em seu governo em São Paulo tinha como base uma "mentira".

Esse destampatório me deixou claro que minhas dúvidas sobre Serra, carregadas por 30 anos de exercício profissional, ora agravadas, ora atenuadas, são mesmo ingênuas.

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O que ele é, nítido está, é um donozinho da verdade encantado pelas sereias das elites, alguém que inclinou-se para o lado da pior direita reacionária e obscurantista – Malafaia, Telhada etc –, decepção para antigos admiradores de sua inteligência e repetitivo em seu autoritarismo contra os que só usam a palavra como fonte de poder e de expressão. Não a caneta, a verba, a máquina do Estado. Um político que não diz o que pensa, contraditório e dissimulado, cuja face anti-democrática sobressai ao simples cheiro da volta ao poder. Espero entrevistá-lo de novo, dentro ou fora do poder. Vou entrevistá-lo. Saberei quantas perguntas mais ele terá medo de enfrentar escondido na arrogância de suas certezas.

Quem tem de ter educação, comportar-se e moderar-se é o senhor!

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