O amor é uma emoção: não é eterno, mas pode ser infinito

Para a americana Barbara Fredrickson, uma das maiores autoridades em emoções, o amor não é eterno: ele dura apenas as frações de segundo em que duas pessoas se sincronizam em um fluxo emocional. Vivenciá-lo de modo intenso e continuadamente, porém, não só possível como é fundamental para a saúde e o bem-estar

Para a americana Barbara Fredrickson, uma das maiores autoridades em emoções, o amor não é eterno: ele dura apenas as frações de segundo em que duas pessoas se sincronizam em um fluxo emocional. Vivenciá-lo de modo intenso e continuadamente, porém, não só possível como é fundamental para a saúde e o bem-estar
Para a americana Barbara Fredrickson, uma das maiores autoridades em emoções, o amor não é eterno: ele dura apenas as frações de segundo em que duas pessoas se sincronizam em um fluxo emocional. Vivenciá-lo de modo intenso e continuadamente, porém, não só possível como é fundamental para a saúde e o bem-estar (Foto: Gisele Federicce)


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 Por Eduardo Araia

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O mito do amor romântico, eterno e incondicional pode ter recebido um golpe mortal da ciência. A autora do feito é a americana Barbara Fredrickson, diretora do Laboratório de Emoções Positivas e Psicofisiologia da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill (EUA), autoridade mundial na área. Seu livro Love 2.0: How Our Supreme Emotion Affects Everything We Feel, Think, Do, and Become (“Amor 2.0: Como Nossa Emoção Suprema Afeta Tudo o Que Sentimos, Pensamos, Fazemos e nos Tornamos”), propõe, baseado na biologia do corpo quando o amor aflora, uma redefinição radical do conceito.

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Em primeiro lugar, ressalta Barbara, o amor é uma emoção – e emoções não duram para sempre. Ninguém vive permanentemente com raiva ou com medo. O amor não é a emoção continuamente presente que sustenta um casamento, nem a ansiedade da paixão juvenil ou o vínculo de sangue do parentesco. Também não existe amor individual, autônomo, isolado, pois a conexão com o outro é fundamental para a sua deflagração fisiológica. “O amor não conhece tais fronteiras”, afirma a autora. “As evidências sugerem que quando você realmente tem um ‘clique’ com alguém, uma sincronia momentânea, mas discernível, emerge entre os dois, conforme os gestos, a bioquímica e as descargas neurais, se espelhando um no outro em um padrão que denomino ressonância de positividade.”

 

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Ato único, desempenhado por dois cérebros

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Em termos fisiológicos, o amor estaria longe de durar minutos. Na verdade, o período desse “ato único, desempenhado por dois cérebros”, como diz a psicóloga, dura frações de segundo. Trata-se de “micromomentos de ressonância de positividade”, define Barbara. Podem ser compartilhados com outra pessoa – qualquer pessoa – com quem você se conecte ao longo do dia.

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Há três protagonistas-chave nesse cenário. O primeiro é o cérebro, ou, mais precisamente, seus neurônios-espelhos. Eles disparam quando um animal pratica um determinado ato ou observa outro animal (em geral da mesma espécie) fazer o mesmo. Já observados em primatas, os neurônios-espelhos supostamente existem em aves e humanos. Nesses últimos há evidências de sua presença no córtex pré-motor e no lobo parietal inferior.

Quando o amor aparece, os neurônios-espelhos dos envolvidos se comportam de forma peculiar. Um estudo feito com imagens de ressonância magnética pelo psicólogo Uri Hasson, da Universidade Princeton (EUA), sugere que um espelhamento pode ocorrer com frações de segundo de diferença entre quem inicia a ação e o parceiro, simultaneamente, ou como uma antecipação do que se espera que o outro faça. Qualquer um desses casos de entendimento mútuo e compartilhamento de emoções é um micromomento de amor, define Barbara.

 

 

O segundo protagonista-chave é a oxitocina, o hormônio do amor e do afeto. Esse componente do ancestral sistema “acalmar-se e conectar-se” dos mamíferos (oposto ao “lutar ou fugir” relacionado ao cortisol, o hormônio do estresse que afasta dos outros), age tanto no cérebro quanto no resto do corpo, estimulando as pessoas a se sentir mais confiantes e abertas a conectar-se.

Produzida no hipotálamo, a oxitocina é liberada em enormes quantidades no sangue durante a relação sexual, mas também aparece em outros instantes de relacionamento íntimo. As pesquisas mostram que, quando a mãe ou o pai interage afetivamente com o seu bebê, olhando-o nos olhos, abraçando-o, sorrindo e brincando com ele, os níveis de oxitocina sobem sincronicamente tanto na criança como no adulto, propiciando-lhes novos micromomentos de amor.

 

 

Um pequeno mas importante nervo da face

 

O terceiro personagem é o nervo vago, que liga o cérebro ao resto do corpo, e em especial ao coração. Ele tem papel importante na coordenação e no apoio à experiência amorosa. “Totalmente fora da consciência, o nervo vago estimula micromúsculos faciais que melhoram a capacidade de fazer contato visual e sincronizar as expressões faciais com outra pessoa”, explica Barbara. “Ele também ajusta os pequenos músculos do ouvido médio de modo que se possa rastrear melhor a voz da outra pessoa em meio a qualquer barulho de fundo.” De forma sutil, mas com importantes consequências, o nervo vago aumenta as chances de nos conectarmos a outras pessoas e, assim, de chegarmos à ressonância de positividade.

Os cientistas avaliam a força do nervo vago (o tônus vagal) medindo a frequência cardíaca em conjunção com a frequência respiratória. Assim como o tônus muscular, quanto mais elevado for o tônus vagal, melhor – mais a pessoa será capaz de regular processos biológicos como a taxa de glicose no sangue e as inflamações, além de reduzir as chances de ocorrência de diabete, derrames e doenças cardíacas. O tônus aprimora o controle da atenção e das emoções, torna a pessoa mais amorosa e aumenta suas conexões positivas. A consequência são mais micromomentos de amor.

 

 

Meditação do amor e da bondade

 

Em uma pesquisa de 2010, Barbara Fredrickson desmontou a tese de que o tônus vagal é sempre estável em cada pessoa. Ela designou aleatoriamente metade dos participantes do estudo a dedicar uma hora por semana, durante vários meses, à prática da meditação budista da benignidade (loving-kindness meditation), enquanto os demais funcionavam como grupo de controle.

Nessa prática, feita num ambiente silencioso, a pessoa repete, mentalmente, frases de carinho e de compaixão com desejos de paz, amor, força e bem-estar geral – inicialmente para si própria, a fim de interiorizar esses sentimentos, e depois para outros indivíduos. Todos os participantes tiveram seu tônus vagal medido antes e depois do treinamento. A equipe da psicóloga constatou que os praticantes da meditação elevaram seu tônus vagal, capacitando-se para viver mais momentos de amor.

Atingir a almejada ressonância de positividade, portanto, não é exclusividade de casais enamorados ou da relação entre um bebê e sua mãe. Embora a intensidade certamente não seja a mesma, muitos contatos simples do cotidiano podem gerar micromomentos de amor e acarretar efeitos positivos.

“A conversa rotineira com o cônjuge, no café da manhã, ou uma bem-humorada interação com um estranho, estão no limite inferior do espectro. Mas o que a ciência das emoções diz é que experiências modestas como essas, mas frequentes, são computadas em nosso bem-estar”, afirma a autora.

“Certamente nos lembramos melhor das experiências superintensas, mas elas não são necessariamente mais importantes em termos da nossa saúde ou da força de um relacionamento. Partilhar uma história boba, ter orgulho do seu cônjuge, dizer ‘obrigado’, essas são as microinjeções de reforço que mantêm saudáveis a nós e aos nossos relacionamentos.”

 

 

A mudança na forma de ver a situação se reflete em todo o corpo, afirma a psicóloga, pois repercute nas células que ele produz rotineiramente para substituir as antigas. Na pessoa que se sente só e desconectada dos outros, por exemplo, provavelmente seus níveis de cortisol vão subir, o que induzirá o sistema imunológico a alterar a forma com que os genes são expressos na geração seguinte de células brancas, tornando-as mais sensíveis ao cortisol. Isso pode acarretar mais doenças crônicas baseadas em inflamações, como problemas cardiovasculares e artrite. “Em uma considerável medida, você orquestra as mensagens que suas células escutam, as mensagens que contam às suas células se elas devem crescer no rumo da saúde”, explica a pesquisadora.

No mínimo, salienta Barbara, devemos cultivar os micromomentos de amor diariamente, sintonizando-se e conectando-se não só com as pessoas próximas, mas também com aquelas com que interagimos a cada dia. Com a multiplicação dos divórcios e a diminuição dos casamentos, mais gente corre o risco de viver a vida sem relacionamentos íntimos. Se mudarmos de atitude, perceberemos que o amor alcança mais longe do que se imagina. “Promova esses momentos como algo importante na sua vida diária e priorize-os. Você verá que ganhará não só uma plástica emocional, mas também um aprimoramento da saúde, e não será o único a conseguir a melhora; na medida em que você a estimula, o outro indivíduo também a consegue. Portanto, você está espalhando bem-estar e saúde, e não apenas cultivando para si mesmo.”

 

 

Orquestra neurológica

 

Além dos neurônios-espelho, da oxitocina e do nervo vago, outros personagens influem bastante no fenômeno do amor, segundo a ciência da emoção. Conheça alguns deles:

Hipotálamo, berço do desejo - As imagens do cérebro que mostram o amor maternal e o amor romântico em cena apresentam atividade em regiões coincidentes. As diferenças, no caso do amor romântico, começam sobretudo na estimulação do hipotálamo, região do encéfalo situada na parte central da cabeça. Seu denso agrupamento de nervos influencia centenas de funções corporais, entre elas as emoções e a atividade sexual. É ali que surge o desejo. Com ele se iluminam áreas ricas em dopamina – o neurotransmissor responsável pelas sensações de prazer – nos núcleos da base (conjunto de neurônios interconectados com o córtex cerebral, o tálamo e o tronco encefálico), relacionados aos processos de controle motor, emoções, cognição, aprendizagem e recompensa.

Andrógenos, hormônios de caça - O interesse sexual deflagra no cérebro um processo que leva à liberação, pelas glândulas sexuais, de hormônios masculinos, os andrógenos, entre os quais a testosterona. Esse fenômeno acontece tanto em homens quanto em mulheres. Essas produzem mais testosterona do que os homens quando disputam um prêmio, segundo pesquisas da antropóloga americana Helen Fisher, da Universidade de Rutgers (EUA). Como o ato sexual aumenta a quantidade de testosterona, quanto mais sexo for feito, mais os amantes têm vontade de fazê-lo e mais dispostos ficam a procurá-lo.

Orgasmo, satisfação insaciável - A sensação de êxtase proporcionada pelo orgasmo ativa 30 áreas do cérebro, entre as quais as relacionadas ao contato, à fantasia, à recompensa e à memória. Em 2011, a pesquisadora americana Kayt Sukel (autora de Dirty Minds: How Our Brains Influence Love, Sex and Relationships) experimentou o clímax do orgasmo num aparelho de ressonância magnética, que aparece nas imagens disseminando-se rapidamente pelo cérebro, tomando conta do córtex pré-frontal (a região que organiza pensamentos e ações em função de metas) e do córtex cingulado anterior (ligado à antecipação de recompensa, ao controle de impulsos e à emoção). Já outras áreas ficam sufocadas no processo, como o córtex orbitofrontal esquerdo (envolvido na tomada de decisões). Como o orgasmo libera o neurotransmissor serotonina (cujas funções controlam o humor e o combate à depressão) e também opiáceos (que produzem sensação de euforia), entende-se por que o sexo com a pessoa amada pode tomar as proporções de um vício.

Amígdala, juízo falho - Situadas perto do tronco encefálico e dos núcleos da base, as duas porções da amígdala do cerebelo (não confundir com as glândulas situadas na garganta) integram o sistema límbico, uma das regiões mais antigas do cérebro. Cabe a elas identificar sinais de perigo ou de risco, gerando medo e ansiedade, induzindo a pessoa à fuga ou à luta. Todo esse sistema de alarme, contudo, fica desligado, assim como as áreas do lobo frontal relacionadas a julgamento, quando se está em meio aos espasmos do amor romântico. Sem os alertas da amígdala, o cérebro apaixonado corre o risco de tomar decisões ruins. Essa deficiência aparece, por exemplo, na falta de avaliação do ciúme do parceiro e no descaso das consequências de praticar sexo sem precauções adequadas.

Pele, o primeiro contato - Tocar o parceiro é um gesto que se estende por toda a vida amorosa do casal. As pesquisas revelam que aumenta a felicidade e reduz os níveis de estresse. Entretanto, segundo o psicólogo americano Dacher Keltner, da Universidade da Califórnia em Berkeley, o sexo feminino nem sempre é capaz de sentir compaixão no toque dos homens, enquanto estes em geral demoram a perceber raiva no toque das mulheres. Como o tempo amoroso se desdobra num aprendizado de tolerância e perdão, o amor maduro tem no contato de pele dos dois parceiros uma de suas sensações emblemáticas de conforto.

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