São Jorge, santo guerreiro Cristão, muçulmano, palestino, inglês e brasileiro

Guerreiro, portador de armas e quase sempre representado a cavalo, São Jorge é o padroeiro da Inglaterra, da Catalunha e de centenas de cidades ao redor do mundo. Mas poucos sabem que esse santo é palestino, venerado pelos cristãos, mas também pelos muçulmanos, e faz parte do extenso rol de personagens e de valores que a Europa roubou do Oriente Médio

Guerreiro, portador de armas e quase sempre representado a cavalo, São Jorge é o padroeiro da Inglaterra, da Catalunha e de centenas de cidades ao redor do mundo. Mas poucos sabem que esse santo é palestino, venerado pelos cristãos, mas também pelos muçulmanos, e faz parte do extenso rol de personagens e de valores que a Europa roubou do Oriente Médio
Guerreiro, portador de armas e quase sempre representado a cavalo, São Jorge é o padroeiro da Inglaterra, da Catalunha e de centenas de cidades ao redor do mundo. Mas poucos sabem que esse santo é palestino, venerado pelos cristãos, mas também pelos muçulmanos, e faz parte do extenso rol de personagens e de valores que a Europa roubou do Oriente Médio (Foto: Gisele Federicce)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

 

continua após o anúncio
São Jorge e o Dragão, de Paolo Uccello

 

Fonte: Jornal Al-Hayat, Londres

continua após o anúncio

 

Do século 11 ao século 13, os senhores que regressavam das Cruzadas, de Godefroy de Bouillon a Ricardo Coração de Leão, para citar apenas estes, gabaram-se de terem sido apoiados na sua luta contra os muçulmanos infiéis por cavaleiros brancos que cavalgavam montarias igualmente brancas. Esses cavaleiros teriam sido comandados por São Jorge (Mar Girgis, em árabe).

continua após o anúncio

 

continua após o anúncio

Sacerdote cristão copta dá a comunhão a jovem fiel no Mosteiro de Mar Girgis (ou São Jorge), ao sul de Luxor, no Egito

 

continua após o anúncio

Essa lenda rapidamente tornou-se parte integrante da história. Difundiu-se, enfeitada com muitos acréscimos, para subsistir até aos nossos dias. Merece que nos detenhamos um pouco nela. Porque tem um sabor particular, sendo ao mesmo tempo palestina e ocidental.

No Médio Oriente, a figura de Mar Girgis sobrepõe-se, com efeito, à de Al-Khidr (célebre sábio legendário, personagem citado no Corão como sendo amigo e instrutor do profeta Moisés). No Ocidente, conheceu um outro destino. A sua iconografia que o mostra a cavalo, empenhado num combate contra o dragão, tornou-se uma imagem profundamente enraizada no imaginário popular.

continua após o anúncio

 

continua após o anúncio

A bandeira inglesa usa a Cruz de São Jorge e as cores do santo, vermelho, azul e branco

 

Deu as cores da bandeira inglesa

 

Além de ser o santo padroeiro da Inglaterra, São Jorge também o é da Geórgia, Catalunha, Lituânia, Sérvia, Montenegro, Etiópia, e das cidades de Londres, Barcelona, Gênova, Régio Calábria, Ferrara, Moscou e Beirute. Só na Inglaterra, mais de cem aldeias têm o seu nome, tal como muitas outras no resto do continente europeu. Também deu o nome à Cruz de São Jorge, a bandeira inglesa (cruz vermelha sobre fundo branco) e durante mais de mil anos incontáveis soldados ingleses lutaram sob esta bandeira.

 

A Cruz de São Jorge

 

Santo mítico, ninguém sabe ao certo se ele realmente existiu. Diz a lenda que nasceu na Capadócia, na atual Turquia. Mas cedo se mudou com a mãe para cidade de Lida (a antiga Dióspolis), na Palestina, onde viveu até a morte. A partir do século 4, o ícone de São Jorge passou a adornar santuários na Palestina. Os árabes cristãos celebravam-no como um mártir (Jorge de Lida teria sido vítima, no ano 303, da Perseguição de Diocleciano, uma vaga de repressão violenta ao cristianismo).

Já os muçulmanos celebravam Al-Khidr, a quem Alá dera o privilégio de imensa sabedoria e bondade, embora não fosse um profeta. Aqui estamos, portanto, longe das histórias apregoadas na Europa pelos antigos cruzados. Sob o pretexto de libertar Jerusalém dos infiéis, quando na realidade se tratava apenas de açambarcar territórios e riquezas, a Europa erigiu este personagem em emblema guerreiro.

Segundo a lenda, Mar Girgis não havia combatido mais ninguém senão o dragão. E deve sublinhar-se o alcance simbólico do fato de que teria subjugado a besta antes de a matar. O que significava, para os crentes orientais, que havia levado a melhor devido à força da sua vontade e da sua fé, e não por um ato guerreiro propriamente dito.

 

No Cairo, Mar Girgis é nome de estação de metrô e de igreja dedicada a São Jorge

 

Em busca de um santo

 

Outra versão da história diz que Mar Girgis era natural da cidade de Lod, hoje situada no centro de Israel. De qualquer forma, é certo que, nessa região, e durante toda a Idade Média, cristãos e muçulmanos veneravam, cada qual à sua maneira, o mesmo personagem sob o nome de Al-Khidr ou de Mar Girgis.

As narrativas religiosas e históricas imbricavam-se estreitamente e o fundo da mensagem mantinha-se idêntico em ambas as religiões, com a mesma ênfase nos valores da convivência, da resistência ao mal e da valentia perante a adversidade.

 

No Cairo, bela luminária no interior da igreja copta dedicada a Mar Girgis

 

Era assim que, naqueles tempos e até a metade do século 20, na Palestina e em extensas áreas do Oriente Médio, os mosteiros e as igrejas se situavam na vizinhança de mesquitas e locais de oração, todos dedicados a São Jorge; os fiéis de ambas as religiões cruzavam-se e trocavam votos festivos entre si. Essa convivência era a coisa mais partilhada, eliminando numerosas diferenças entre as comunidades cristãs e muçulmanas. Ao ponto de, no século 18, os ocidentais que viajavam pela Palestina não conseguirem distinguir um cristão de um muçulmano. Não havia bairros separados, nem trajes específicos, ou qualquer outro sinal distintivo entre as religiões.

Eis a história de uma convivência natural. E é isso que encarna para os palestinos o personagem de Al-Khidr-Mar Girgis-São Jorge. Aquele que nasceu de um pai vindo da Ásia menor e de uma mãe palestina, e que havia permanecido na Palestina até à sua morte.

 

São Jorge, de Stradano

 

Cruzadas sanguinárias

 

Quando Jerusalém caiu nas mãos dos cruzados, no século 11, os exércitos ocidentais passaram os habitantes da cidade a fio de espada. Jerusalém, Belém e todas as cidades da região conheceram banhos de sangue sem precedentes.

Os invasores não somente matavam, pilhavam as riquezas e faziam reinar a arbitrariedade, como alegavam que São Jorge havia aparecido aos soldados para abençoar os seus feitos com as armas. Justificavam assim os seus atos, dando a eles o pretenso aval de um dos mais importantes personagens míticos do próprio Oriente Médio: Mar Girgis-São Jorge.

A lenda difundiu-se e foi adornada com numerosos acréscimos pela fértil imaginação popular, ao ponto de todas as vitórias dos exércitos cristãos terem acabado por lhe ser atribuídas. Foi assim que o santo palestino se transformou em senhor da guerra.

 

São Jorge e o dragão, desenho contemporâneo

 

No regresso aos seus países, os cruzados hastearam a bandeira dele em toda a parte sob o novo nome de São Jorge, transformado em príncipe dos mártires. A recuperação da imagem do santo oriental prosseguiu ao longo dos séculos seguintes.

Na época das grandes descobertas, o estandarte adornado com a efígie de São Jorge flutuava sobre os navios espanhóis e portugueses que percorriam os oceanos. Cristóvão Colombo levou-o até as Américas, onde a figura do santo acompanhou os brancos no seu extermínio dos índios.

A mesma história repetiu-se durante as conquistas na África e na Ásia, e na extensão da zona de influência dos europeus.

Séculos mais tarde, o colonialismo, quer fosse inglês, português, francês ou italiano, retomou São Jorge como seu emblema. E na Inglaterra, com o tempo, São Jorge tornou-se um dos mitos fundadores da própria identidade britânica.

 

São Jorge

 

O DOMADOR DE DRAGÕES

 

No século 13, a lenda de são Jorge foi adaptada por Jacques de Voragine, futuro arcebispo de Gênova, na Legenda Aurea. Esta obra, destinada aos pregadores, traça a vida de cerca de 150 santos e descreve alguns episódios da vida da Virgem e de Cristo. Irá tornar-se a mais célebre compilação hagiográfica da Idade Média. A lenda de São Jorge é aí relatada do seguinte modo: um dia, montado no seu cavalo branco, São Jorge atravessa Silene, na província romana da Líbia. Um dragão aterroriza a cidade, devorando todos os dias um adolescente tirado à sorte. Chegou a vez de a filha do rei ser sacrificada. São Jorge concorda em ajudar os habitantes, na condição de estes se converterem ao cristianismo. E doma a fera antes de a matar.

 

São Jorge, de Carlo Crivelli

 

Padroeiro esotérico dos sufis

 

A importância, o significado e o valor esotérico de São Jorge no Oriente Médio é muito maior do que podemos supor. Para os sufistas (membros da mais importante e séria fraternidade esotérica do mundo islâmico, a Ordem Sufi), Al-Khidr é santo padroeiro, uma espécie de guia místico oculto cuja identidade, na Síria e em outras partes do Oriente Médio, se confunde com São Jorge. Por volta do ano 1200 da nossa era, foi fundada a ordem sufista de Khidr. Século e meio depois, na Inglaterra foi criada a Ordem de São Jorge, que depois se transformou na célebre Ordem da Jarreteira, à qual pertencem ainda hoje muitos maçons, rosacruzes e teosofistas.

Enquanto os ingleses celebram o dia de seu santo padroeiro, palestinos ainda hoje também comemoram a chegada do dia de São Jorge (23 de abril de 303, dia de sua morte), considerado um herói na região. A bandeira branca com a cruz vermelha, usada como símbolo nacional na Inglaterra, também tremula ainda na janela de uma igreja palestina na aldeia de Al-Khadr, na Cisjordânia.

 

São Jorge

 

Ogum, no sincretismo afro-brasileiro

 

Da mesma forma que, no Oriente Médio, as figuras emblemáticas islâmicas de Al-Khadr e Mar Girgis se fundiram para dar origem a outra figura emblemática, a de São Jorge, no Brasil este santo emprestou seu nome e figura para representar Ogum, um dos mais importantes orixás (divindade) do panteão ioruba africano.

É sabido que, no Brasil, e para poderem continuar a praticar suas tradições religiosas,  os negros escravizados precisavam cobrir suas divindades com as roupagens de santos cristãos. Foi assim que Nossa Senhora da Conceição emprestou seu manto azul para cobrir Iemanjá, São Sebastião entregou suas flechas para camuflar o orixá caçador Oxóssi, Jesus Cristo sua túnica branca para esconder a verdadeira identidade do orixá Oxalá, o pai dos deuses iorubas, e São Jorge entregou sua capa vermelha para Ogum, orixá da guerra.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247