Corpo marcado. Psicólogo explica por que as pessoas usam tatuagens

Tatuagens revelam muito sobre a sociedade na qual elas foram feitas. No Brasil, nos Estados Unidos, e em muitos outros lugares do mundo, vive-se uma verdadeira epidemia de tatuagens, muitas vezes de péssimo gosto. Em entrevista, o psicólogo comportamental Kirby Farrel explica por que as pessoas imprimem marcas no próprio corpo.

Tatuagens revelam muito sobre a sociedade na qual elas foram feitas. No Brasil, nos Estados Unidos, e em muitos outros lugares do mundo, vive-se uma verdadeira epidemia de tatuagens, muitas vezes de péssimo gosto. Em entrevista, o psicólogo comportamental Kirby Farrel explica por que as pessoas imprimem marcas no próprio corpo.
Tatuagens revelam muito sobre a sociedade na qual elas foram feitas. No Brasil, nos Estados Unidos, e em muitos outros lugares do mundo, vive-se uma verdadeira epidemia de tatuagens, muitas vezes de péssimo gosto. Em entrevista, o psicólogo comportamental Kirby Farrel explica por que as pessoas imprimem marcas no próprio corpo. (Foto: Gisele Federicce)


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Os japoneses alcançam altos niveis artísticos em suas tatuagens

 

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Entrevista de Kirby Farrel ao jornalista Jules Suzdaltsev

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Por todo lado, vemos gente ostentando sobre a pele marcas clichês, citações, nomes de ex-namoradas, frases em outras línguas e até, em certos casos bizarros, horríveis tatuagens faciais.

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Existem casos em que a tatuagem, executada com bom gosto e senso estético, pode até ser considerada uma forma de arte. Os japoneses e chineses, por exemplo, há séculos são exímios tatuadores, capazes de imprimir sobre a pele humana verdadeiras obras-primas do desenho e da combinação de cores. Da mesma forma, várias culturas ao redor do mundo também usam tatuagens como marca tribal distintiva, ou então como sinais de iniciações mágicas e religiosas.

 

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Na foto, o rosto tatuado de Tomika Te Mutu, chefe da tribo Ngai Te Rangi da Nova Zelândia. O retrato foi feito no final do século 19 e é uma pintura de Gottfried Lindauer

 

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Por outro lado, e sobretudo nos países ocidentais, cada vez mais pessoas se deixam tatuar sem nenhuma outra preocupação que a de marcar o próprio corpo. E os resultados muitas vezes são esteticamente desastrosos. Essa prática se alastrou de tal forma, que obrigou os estudiosos a investigaram suas causas e razões.

Por que as pessoas ainda estão tatuando arame farpado em volta dos bíceps, ratos e baratas nas costas e borboletas no cóccix? Tentando entender melhor a questão, o jornalista norte-americano Jules Suzdaltsev entrevistou Kirby Farrel, professor da Universidade de Massachusetts especializado em antropologia, psicologia e história relacionadas ao comportamento humano. Seu último livro, Berserk Style in American Culture, discute o vocabulário da cultura pós-trauma da sociedade norte-americana.

 

A morte tatuada nas costas, em tamanho grande

 

Entrevista com Kirby Farrel:

 

Jules Suzdaltsev: Qual é o seu interesse em tatuagens péssimas?
Kirby Farrel: Estou interessado principalmente no que você pode chamar de "a antropologia da autoestima e identidade". Penso nas tatuagens como um método que as pessoas usam para tentar se sentir significantes no mundo. Trabalho muito com Ernest Becker – você já ouviu falar do livro dele? Acho que ele ganhou um prêmio Pulitzer com esse livro chamado A Negação da Morte.

Sim, já ouvi falar.
Bom, ele argumenta que somos únicos entre os animais, porque somos sobrecarregados com a consciência do futuro, da futilidade, da morte e assim por diante. Estamos constantemente inventando defesas. A cultura é uma defesa contra o sentimento de opressão, futilidade e perdição. Culturas estão cheias de valores e belezas que te fazem sentir que sua vida é significativa e que tem um significado duradouro, mesmo que limitado. Então, você pode dizer que tatuagens são expressões culturais de heroísmo e individualidade.

 

Angelina Jolie preferiu tatuagens de citações em alfabetos orientais

 

Logo, isso se traduz numa epidemia de tatuagens idiotas?
Muitas pessoas dizem que fizeram uma tatuagem como uma lembrança de alguém ou algum evento. Por exemplo, tatuar a letra de uma música. As frases, claro, acabam sendo os maiores clichês. Mas elas estão te exortando a ser um indivíduo forte, imitando todos os outros animais que também pintam clichês na própria pele.

E onde esses caminhos se cruzam? Por um lado, a pessoa quer algo que lhe dê a sensação de significância e autoexpressão, mas acaba fazendo exatamente o oposto disso (o que consideramos uma "tatuagem ruim" ou uma "tatuagem clichê?).
Acho que a fantasia de ser especial, único, importante e heroico, que é do que estamos falando, é complicada quando vivemos numa cultura que celebra esses valores. Estamos sempre bombardeando outros países para preservar nossa "liberdade", o que presumivelmente significa individualidade. Mas, ao mesmo tempo, nossa cultura é intensamente conformista. Temos empresas constantemente tentando imprimir sua marca na consciência popular. Então, por exemplo, se você está tatuando algum clichê bobo de uma música pop, como "Vou te amar para sempre" ou "Não seja um imitador", na verdade você está se marcando com entretenimento industrial, porque grupos de rock, como sabemos, são basicamente máquinas de fazer dinheiro, empregando modelos financiados pela indústria do entretenimento.

 

Difícil carregar pela vida inteira um rosto tatuado desta forma

 

Então por que as pessoas fazem isso?
Uma resposta é que somos animais incrivelmente sociais. Você tem de ter em mente que o eu não é uma coisa. É um evento. Se você está em sono profundo, o eu realmente não existe. A neuroquímica do eu não está ali. Desse ponto de vista, nos sentimos mais reais quando outras pessoas nos afirmam, reasseguram e reforçam nossa identidade. Nos rituais sociais pelos quais passamos, como dizer "Oi, como vai? Bem, e você?", você não espera ouvir qualquer informação pessoal. É só uma confirmação de que vocês dois existem e reconhecem um ao outro. De certa maneira, tatuagens também funcionam assim. Elas chamam atenção para você e fazem você se sentir real, mesmo se essa atenção fizer você se sentir membro de um grande grupo. Uma tatuagem te diz que você é parte de uma tribo de colegas tatuados, uma tribo linda e significativa. Você pode até compartilhar símbolos com outra pessoa! Ao mesmo tempo, por causa do fenômeno das marcas, isso faz você se sentir mais esperto do que o cara ao lado, que não sabe o suficiente para comprar seu produto em particular ou sua moda em particular. A cultura está constantemente nos tentando com fantasias de singularidade e heroísmo.

Parece que você está dizendo que a própria cultura é clichê. Assim, tentando emular essa cultura social, fazemos essas tatuagens ruins.
A cultura está constantemente nos tentando com fantasias de singularidade e heroísmo. Você é tentado a comprar uma nova BMW, porque isso promete te fazer sentir heroico nas ruas. Você vai se destacar na multidão. A multidão é formada de pessoas comuns, elas vão morrer um dia e serão esquecidas. Mas todo mundo está olhando para você, você está sob os holofotes, você é o herói. E, ao mesmo tempo, se você ajustar a perspectiva sutilmente, eles estão fazendo as pessoas comuns acharem que é OK adorar heróis. Você é convidado a identificar e admirar o rico, o heroico, o prestigioso – e, se você os admira, isso se torna "minha música", "meu cabelo" ou "meu produto". Na verdade, você compartilha o glamour com o poder fetichista das coisas que admira.

 

 

Você está dizendo que isso é ser enganado por um movimento social de adoração ao herói?
Bom, se você está ou não sendo "enganado", depende de como você se sente sobre a validade e o pertencimento dos clichês. Quando você quer se tatuar com um verso da sua música favorita, você certamente está sentindo um tipo de excitação emocional e admiração por essa música. Um tipo de êxtase romântico. Você ouve as pessoas dizerem "Isso tem um significado especial para mim". É como uma auréola emocional em torno desse objeto.

Por que esse sentimento é significativo para nossa identidade própria?
Acho que, no geral, as pessoas estão com medo do futuro e se agarram a um ritual, um lema, um clichê familiar que elas acham significativo. É como um cobertor de segurança para dar sentido à sua vida, principalmente quando sua moral está sob pressão ou você está realmente empolgado com algo bom. Mas a questão é que, em qualquer um desses eventos, o clichê não parece ser um clichê. Isso parece ter um significado especial.

 

Olho, pálpebras e sobrancelhas tatuadas

 

OK. Mudando um pouco de assunto: tatuagem é uma coisa que existe há milhares de anos. Alguns dos primeiros humanos já tinham tatuagens. Você acha que existe algo inerente à natureza humana que nos faz querer nos tatuar?
Claro. O cadáver que foi encontrado congelado e preservado nos Alpes, que acho que tem uns 5 mil anos – ele está num museu na Itália, você pode passar para dar um oi –, a última pesquisa mostra que esse corpo tem várias tatuagens. Elas tendem a ter um desenho abstrato. Baseado na localização delas, a hipótese é que elas serviam para se distrair de coisas físicas desconfortáveis, como artrite. Ou elas provavelmente tinham algum tipo de significado mágico. Pensando nisso, de certa maneira, todos os nossos comportamentos tendem a ser muito mágicos. Imaginamos que há algum poder especial em nossos símbolos, em nossos lemas, em nossas marcas, que isso de alguma forma eleva nosso humor, nos faz sentir mais fortes, mais capazes e melhores sobre nós mesmos.

E você acha que isso é algo inerente à humanidade?
Claro. Como pessoas, estamos regularmente à beira do pânico existencial. Becker disse que, se você visse o mundo realisticamente (quão vulnerável e totalmente insignificante você é, considerando o cosmo), você ficaria louco. Então, você precisa constantemente de histórias que constroem sua autoestima e fazem você se sentir significante, o que é fornecido pela cultura.

 

 

Logo, essas tatuagens de gosto duvidoso são uma representação desse mecanismo de defesa?
Sim, exatamente. São representações físicas e artísticas de valores com que você se identifica. Vivemos nesse mundo onde existe um tipo de racismo recorrente e repentino, que vemos desde os anos 60 ou até desde a Guerra Civil. As condições de trabalho são extremamente punitivas, exigentes e despersonalizantes para quem está na base. Você não sente que tem direito à própria identidade. Então, as pessoas se sentem especialmente pressionadas para tentar encontrar seu próprio reforço mágico, porque há coisas em que a cultura não pode te ajudar. Você vê dinheiro, morte e culpa quando as pessoas querem se sentir seguras e como se estivessem no comando em termos de autoestima e bem-estar.

Muitas tatuagens parecem um tanto inconsequentes. Como as pessoas racionalizam a permanência de uma tatuagem em relação à própria mortalidade?
Muitas pessoas, especialmente quando são jovens, imaginam que serão jovens para sempre. Afinal de contas, se a mágica de que estamos falando sobre a cultura realmente funcionar, então, você pode se sentir invencível e imortal, por assim dizer. E é um clichê adolescente achar que você vai viver para sempre – é por isso que eles se arriscam, usam drogas, etc. Eles não conseguem imaginar que vão crescer e parecer diferentes do ideal cultural. Você nunca teve de se preocupar em ficar doente nem nunca esteve em apuros. Você nunca teve de se preocupar em ficar velho e ter de aceitar diminuir suas perspectivas, seus poderes, suas fantasias.

 

 

Você acha que isso é uma reação ao medo, ou na verdade resultado da falta de experiência?
Bom, você não acha que são as duas coisas?

Acho que sim.
Você tem medo, mas não admite isso, porque poderia prejudicar sua moral frágil. Uma moral danificada te torna menos eficiente, menos seguro, menos produtivo, etc. Então, você nega que tem medo. Provavelmente, o mecanismo básico da cultura é fingir que tudo está bem e que você não está com medo.

Mas estamos com medo.
Sim, com certeza. Estamos vivendo um momento em que as pessoas estão tão famintas por autoestima, aprovação e confiança, que estão dispostas a dizer e fazer coisas realmente bizarras e idiotas, porque com isso elas se sentem diferentes. Assim, elas se sentem únicas, significativas e vivas.

 

Rosto tatuado de chefe maori, em desenho de 1784

 

 

COISAS QUE VOCÊ TALVEZ NÃO SAIBA SOBRE AS TATUAGENS

 

Quem se tatuou primeiro? E quando? Quantas vezes a pele é perfurada durante uma tatuagem de tamanho médio? Quantas pessoas no mundo são tatuadas? Que significam as tatuagens dos marinheiros?

A palavra tatuagem vem de tattaw, expressão dos idiomas da Polinésia  polinésio que significa “marcar, decorar”. Foi o almirante inglês James Cook o maior responsável pela difusão e o renascimento da tatuagem no mundo ocidental. Em 1771, de retorno de uma das suas viagens aos Mares do Sul, esse explorador, além de trazer em sua nave um homem completamente recoberto por aqueles estranhos sinais, introduziu no vocabulário da época a palavra tattoo, uma corruptela do polinésio tattaw. Este último termo, por sua vez, surgiu por associação onomatopeica com o som “tá tá tá” das varetas usadas pelos indígenas do Pacífico para tatuar.

 

GALERIA:




1 Calcula-se que durante a execução de uma tatuagem de tamanho médio a pele seja perfurada de 50 a 3000 vezes por minuto, segundo a marca seja feita com a mão ou com uma moderna máquina de tatuar.

 

2 As estatísticas dizem que, na Europa, 15% dos adultos e 30% dos mais jovens tem uma tatuagem (fonte: Sociedade Europeia de Dermatologia e Venereologia, Eadv). Nos Estados Unidos os percentuais sobem: 4 adultos de cada 10 possuem pelo menos uma tatuagem. Tanto na Europa quanto  nos Estados Unidos, a partir de 2012 o número de mulheres tatuadas é maior que o dos homens.

 

3 Tem gente que se faz tatuar em troca de dinheiro. Este é o caso da americana Kimberly Smith que em 2005 tatuou na fronte o nome de um casino para poder pagar, como ela mesma diz, a escola dos filhos. Considera-se que, com esse gesto, Kimberly lançou a moda das tatuagens publicitárias.

 

4 Entre as leis menos respeitadas dos Estados Unidos com certeza está aquela que proibia as tatuagens na cidade de Nova York. Essa lei vigorou de 1961 a 1997. A propósito de Nova York, o homem da foto se chama Scott Campbell, um nova-iorquino que ganha mil dólares a hora para fazer tatuagens. Entre os seus clientes estão celebridades como os roqueiros Sting e Courtney Love.

 

5 De Winston Churchill a Franklyn Delano Roosevelt, até George Shultz, poderoso Secretário de Estado durante a presidência de Donald Reagan, muitos políticos e chefes de Estado tinham orgulho das próprias tatuagens. A de Churchill, por exemplo, era uma âncora, gravada no antebraço como costumam fazer os marinheiros.

 

6 As tatuagens dos marinheiros têm significados precisos. Quem tem um dragão, por exemplo, quer dizer que esteve na China. Se tem uma tartaruga, significa que o marinheiro já cruzou o Equador. Até Popeye, como bom marinheiro tem uma âncora tatuada no antebraço, como Winston Churchill.

 

7 A pessoa mais tatuada do mundo? No Livro Guinness dos recordes aparece o australiano Lucky Diamond Rich (na foto). Ao longo dos anos, ele se submeteu a mais de mil horas de sessões de tatuagem. Hoje, seu corpo está inteiramente recoberto de tinta.

 

8 Até a múmia Oetzi (homem de Similaun), encontrada em 1991 na região alpina entre a Itália e a Áustria, era tatuada. Porém, mais que uma função decorativa, para os estudiosos, os sinais encontrados sobre o seu corpo eram devidos a algum tipo de tratamento mágico que Oetzi sofrera.

 

9 Se você tem intenção de fazer uma tatuagem, procure sempre um tatuador sério e escrupuloso. Sem falar da possibilidade de infecções devido à má higienização dos instrumentos, um estudo da Universidade de Regensburg, na Alemanha revelou que entre os 14 pigmentos de cor negra mais usados alguns são tóxicos e capazes de danificar as células.

 

10 O único modo de eliminar um desenho permanente é a remoção das tintas utilizadas para fazê-lo. Várias técnicas são usadas com essa finalidade. A dermoabrasão elimina a camada mais superficial da pele. A escarificação utiliza um ácido, mas o resultado é o de substituir a tatuagem por uma cicatriz. Pode-se fazer também a remoção cirúrgica da derme, com um eventual transplante de pele retirada de outras áreas do corpo (a mesma técnica que se usa no caso de grandes queimaduras). O laser também tem sido utilizado mais recentemente. Alguns aparelhos se limitam a destruir as células que correspondem à área tatuada, provocando uma queimadura. Outros destroem o pigmento, reduzindo-o a partículas que depois, pouco a pouco, são absorvidas pela pele. Esta última técnica requer mais tempo, mas seguramente é a que menos deixa traços.

 

11 Os pintores entre o final da Idade Média e o Renascimento mostram que a tatuagem não fora completamente esquecida naquele período, embora tivesse fama de prática “maldita”. Na pintura “Jardim das Delícias”, feito em 1503, Hieronymus Bosch mostra uma mulher adúltera no inferno com uma rã tatuada no peito, símbolo da luxúria e do demônio. E um homem esmagado por um instrumento musical aparece com uma partitura tatuada sobre as nádegas.

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