Remédios e cosméticos: grandes vilões da poluição das águas

Onde vão parar os resíduos dos remédios, dentifrícios, cremes, sabonetes? Na água: da descarga dos vasos sanitários ou dos chuveiros uma torrente de princípios ativos tóxicos termina na água dos rios e lagos, nos lençóis freáticos, na irrigação das culturas agrícolas

Remédios e cosméticos: grandes vilões da poluição das águas
Remédios e cosméticos: grandes vilões da poluição das águas (Foto: Divulgação)


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Na Itália, análises recentes das águas da província da Lombardia, e dos sedimentos encontrados nos rios Po, Lambro e Adda, bem como nos aquedutos das cidades de Varese e de Lodi, revelaram a presença em altas doses de antibióticos, antitumorais, anti-inflamatórios, diuréticos, ansiolíticos, medicamentos anticolesterol, sem falar das substâncias hormonais. As autoridades sanitárias da região ficaram de cabelos em pé. A primeira pergunta que veio à tona não poderia ser outra: essa poluição se limita à Itália do Norte? A resposta, infelizmente, é não. Ela está hoje em toda parte, em todos os países, em todos os continentes. O Brasil está bem longe de ser exceção à regra.

Onde vão parar os restos de dentifrícios, cremes e sabões? Os fármacos que eliminamos com as fezes e a urina? As drogas, os conservantes de comidas e bebidas? Tudo acaba na água: a partir das descargas dos vasos sanitários, das banheiras e duchas, dos tanques e máquinas de lavar roupa, toda essa enorme carga de produtos químicos e princípios ativos farmacêuticos termina nos rios, nos mares, nos lagos, nos lençóis freáticos e na água usada para a irrigação das lavouras agrícolas. A cada dia, novos estudos confirmam consequências alarmantes, particularmente sobre a sexualidade e o sistema reprodutivo dos peixes e dos anfíbios. Produzem as mesmas consequências em nós? Podemos prescindir dessas substâncias?

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Desde 2008, um grupo de pesquisadores da Washington State University (Seattle, EUA) mede a concentração de temperos e especiarias nas águas do Pacífico diante da cidade e descobriu que ela varia segundo as datas e épocas do ano. Por exemplo, há uma concentração de timo e sálvia no Dia de Ação de Graças, quando se tempera o tradicional peru comemorativo; as concentrações de chocolate e baunilha aumentam todos os finais de semana, depois das festas e jantares; a canela aparece durante o longo inverno, quando o consumo de doces aumenta; logo depois do feriado de 4 de julho as águas ficam impregnadas com resíduos de caramelo e pipoca. 

Não se trata em absoluto de uma pesquisa idiota, desprovida de sentido prático. O sentido dela é demonstrar como cada um dos gestos que desempenhamos no quotidiano acarreta algum efeito nos ecossistemas aquáticos, pois eles são o endereço final dos resíduos de todas as atividades humanas. Este é um conceito bem conhecido, mas a novidade hoje é que os cientistas dispõem de novas tecnologias de análise capazes de “cheirar” substancias presentes na água até mesmo quando existem apenas pequenos traços delas. E enquanto falamos de temperos de cozinha tubo bem, mas nas águas dos mares e dos rios existem infelizmente um sem número de resíduos químicos de conservantes, cosméticos, fármacos e drogas. 
 
Os especialistas as chamam de PPCP (Pharmaceuticals and Personal Care Pollutants, ou seja poluentes derivados de fármacos e cosméticos): uma gama de produtos que engloba cremes para o corpo, medicinais, conservantes alimentares, desinfetantes, filtros solares, aromas artificiais, etc. Ou seja, um leque muito amplo de substâncias diversas que no entanto compartilham algumas características: estão presentes em milhares de produtos que encontramos inclusive nas prateleiras dos supermercados. São em geral substâncias muito ativas no metabolismo dos seres vivos; são difíceis de individuar porque se encontram diluídas milhares de vezes mais dos poluidores tradicionais; não podem ser filtradas pela maior parte dos depuradores atuais, projetados para bloquear poluidores mais grosseiros e espessos.

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OS DESTRUIDORES

Na maior parte dos rios, sobretudo nos países desenvolvidos e agora também nos que estão em via de desenvolvimento são registrados problemas como a explosão de anomalias sexuais em peixes e crustáceos, com todos os riscos que isso implica em nível reprodutivo. É muito difícil e complexa a avaliação do efeito dessa exposição crônica dos organismos aquáticos a baixas doses desses coquetéis químicos. Existe já uma literatura científica que descreve uma casuística cada vez mais ampla de poluidores que podem interferir com o normal funcionamento do sistema endócrino de numerosas espécies de organismos viventes, inclusive o homem. Em 2009, Luigi Viganó, pesquisador da entidade italiana IRSA-CNR referiu-se a destruidores (ou interferentes) endócrinos, ou seja, compostos que até mesmo em pequenas doses podem perturbar o sistema hormonal de organismos, sobretudo aquáticos, notdamente os mais sensíveis. Desses destruidores endocrinológicos suspeita-se que os piores sejam os inseticidas e alguns fertilizantges químicos utilizados de forma maciça na agricultura, e também substancias até agora insuspeitadas, como fármacos e cosméticos.

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VEREDITO FINAL

O veredito final sobre esses produtos acontecerá nos próximos anos, mas vários estudos que os acusam existem e parecem difíceis de serem contestados. Existem, por exemplo, duas pesquisas – uma coreana, a outra chinesa – que demonstram os danos reprodutivos ao peixe-do-arroz (Oryzias latipes) arrecatados pelo ibuprofeno, um anti-inflamatório muito comum também usado no combate à dor. Uma outra pesquisa, norte-americana, demonstra o efeito do triclosan (um agente antisséptico efetivo contra bactérias, fungos e bolores, muito encontrado em medicamentos, sabonetes, loções e cremes dentais) sobre algumas espécies de batráquios, notadamente a rã-touro (Lithobates catesbeianus); na Suíça, uma outra pesquisa ressalta as alterações provocadas por 9 filtros solares muito utilizados. 
 
Anti-inflamatórios e conservantes modificam o comportamento reprodutivo de alguns peixes (revista Nature 2010) e um estudo alemão descreve os danos ao fígado, rins e brânquias da truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss) provocados pelo diclofenac, um anti-inflamatório muito comum, usado no mundo todo. Em 2011, o Programa Reach, da União Européia, baniu o musk xylene, um aroma artificial que se revelou tóxico para organismos aquáticos.

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SADIO COMO UM PEIXE

Outros poluidores particularmente perigosos são os antibióticos: dissolvidos nos rios e lagos, eles “combatem” também as bactérias úteis ao ecossistema aquático, contribuindo desse modo ao desenvolvimento de linhagens particularmente perigosas e resistentes. Sara Castiglioni, especialista em poluição por fármacos, do Instituto Mario Negri, de Milão, explica: “A presença de antibióticos no ambiente aquático apresenta um andamento tipicamente sazonal, com picos durante o inverno quando chegam as gripes. Nas águas que correm por áreas onde existem muitas granjas de criação de animais, existe um grande aumento da presença de broncodilatadores, o que nos faz suspeitar do seu uso ilícito como promotores do crescimento. Por seu lado, nos cursos d’água ao redor das metrópoles é possível se encontrar traços de drogas ilegais como cocaína e maconha”.

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Quanto aos cosméticos, as quantidades encontradas se multiplicam. Existe um remédio? Hoje, os sistemas de depuração mais eficazes contra os resíduos de fármacos e cosméticos são os “multi-barreiras”, que conseguem remover compostos com propriedades químico-físicas muito diferentes entre si, associando vários mecanismos de depuração, tais como os reatores biológicos a membrana combinados a sistemas de oxidação avançada a ozônio e a radiação ultravioleta.

No momento, parece incrível mas é verdade: não existe nenhuma obrigação de depuração dos resíduos de fármacos e cosméticos: até mesmo as águas de descarga de hospitais, embora cheias de substâncias de todo tipo (inclusive radioativas) são tratadas como descargas normais. Os alertas, no entanto, são cada vez mais altos, e em países europeus já se começa a monitorar a presença de novas substâncias químicas nas águas, inclusive as que provêm de alguns fármacos. 
  
Tais providências já se apresentam muito necessárias, sobretudo quando se pensa que o consumo de fármacos aumenta de 2 a 3% ao ano, fenômeno em parte ligado ao envelhecimento das populações. 
 
Quanto aos fármacos, uma solução ambiental parece mais fácil e rápida: basta que passemos a usar menos remédios tóxicos. Mas, e quanto ao resto? Estaremos dispostos a sacrificar nosso atual estilo de vida baseado no conforto, na estética pessoal, na produtividade e no consumismo desenfreados? Teremos, com urgência, de encontrar respostas para essas questões. 

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