“Redução da maioridade é uma afronta aos direitos”

Em entrevista ao 247, o secretário nacional de Juventude, Gabriel Medina, critica a PEC que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal no Brasil, cuja tramitação foi aprovada pela CCJ da Câmara na última terça-feira 31; para ele, a proposta representa "uma sociedade doente, que não sabe formar seus jovens"; "Se a única saída é o encarceramento, estamos decretando uma falência completa", afirma; Medina acredita que medidas socioeducativas são o melhor caminho para o jovem infrator, que é uma "vítima da violência", e não a punição; "É preciso também colocar limites, mas isso não se faz com porrada, e sim com acolhimento, com afeto, diálogo. A punição definitivamente não é o melhor modelo de ressocialização"

Em entrevista ao 247, o secretário nacional de Juventude, Gabriel Medina, critica a PEC que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal no Brasil, cuja tramitação foi aprovada pela CCJ da Câmara na última terça-feira 31; para ele, a proposta representa "uma sociedade doente, que não sabe formar seus jovens"; "Se a única saída é o encarceramento, estamos decretando uma falência completa", afirma; Medina acredita que medidas socioeducativas são o melhor caminho para o jovem infrator, que é uma "vítima da violência", e não a punição; "É preciso também colocar limites, mas isso não se faz com porrada, e sim com acolhimento, com afeto, diálogo. A punição definitivamente não é o melhor modelo de ressocialização"
Em entrevista ao 247, o secretário nacional de Juventude, Gabriel Medina, critica a PEC que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal no Brasil, cuja tramitação foi aprovada pela CCJ da Câmara na última terça-feira 31; para ele, a proposta representa "uma sociedade doente, que não sabe formar seus jovens"; "Se a única saída é o encarceramento, estamos decretando uma falência completa", afirma; Medina acredita que medidas socioeducativas são o melhor caminho para o jovem infrator, que é uma "vítima da violência", e não a punição; "É preciso também colocar limites, mas isso não se faz com porrada, e sim com acolhimento, com afeto, diálogo. A punição definitivamente não é o melhor modelo de ressocialização" (Foto: Aline Lima)


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Gisele Federicce, 247 – A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, na última terça-feira 31, a admissibilidade da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 171/93, que reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos no Brasil. A proposta será agora discutida em uma comissão especial na Casa e, caso o parecer seja favorável, deve ser votada pelo plenário da Câmara em dois turnos antes de ser encaminhada para o Senado.

A aprovação do voto em separado do deputado Marcos Rogério (PDT-RO), favorável à PEC, por 42 votos a favor contra 17, provocou protestos de manifestantes presentes na reunião e agora é tema frequente em debates entre especialistas no tema. Para o parlamentar que teve o voto vencedor, a redução da maioridade penal "tem como objetivo evitar que jovens cometam crimes na certeza da impunidade".

Na opinião do secretário nacional de Juventude, Gabriel Medina, a PEC seria um "ataque aos direitos" conquistados nas últimas décadas. Em entrevista ao 247, ele ressaltou que o Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê penas para o menor e disse acreditar que o encarceramento não é o caminho para tirar o jovem da violência. "Trabalhei com medidas socioeducativas e, nesses casos, a taxa de reincidência é de 20%. Enquanto no sistema penitenciário é de 70%. Ou seja, não funciona".

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O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que apenas 1% dos homicídios registrados no Brasil é cometido por adolescentes menores do que 18 anos. Apesar do baixo índice, este tem sido o principal argumento em defesa da PEC. Se aprovada, a proposta irá aumentar a população carcerária brasileira, que cresceu 403,5% em 20 anos – entre janeiro de 1992 e junho de 2013 – enquanto o crescimento da população foi de 36% no mesmo período, segundo dados do Ministério da Justiça.

Outro problema apontado por Medina é o contato maior do adolescente com o crime quando ele vai para a prisão. "Os presídios têm organizações criminosas estruturadas. A gente prolonga a vida do jovem lá dentro e ele vai voltar muito mais preparado pelo crime, porque é onde as facções se organizam", disse ele. Em sua avaliação, os jovens que cometem delitos são "filhos da pobreza e da ausência de direitos" e precisam de "acolhimento, afeto e diálogo". "Não acredito na pedagogia da porrada", destaca o secretário. 

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Leia abaixo a entrevista:

Qual sua opinião sobre a proposta de redução da maioridade penal?

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A primeira coisa é entender que, assim como alguns deputados apresentaram no Congresso, a questão da maioridade penal segue um direito constitucional, tem a ver com a conquista da Constituição de 88. Uma grande conquista da sociedade que teve posteriormente o Estatuto da Criança e do Adolescente. Reduzir a maioridade penal seria um grande ataque aos direitos e a todo esse movimento que ocorre na redemocratização do Brasil, na luta por mais direitos.

A proposta é inconstitucional. Depois, é uma afronta a essas importantes conquistas, quebrando o código do menor, que antes do Estatuto não tinha um tratamento adequado. Eu sou obviamente contra essa proposta.

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Qual o papel da Secretaria de Juventude após a aprovação da tramitação da PEC?

Depois de aprovada lá na CCJ, nós vamos ter uma função especial que deve debater o tema por mais uns dois ou três meses. É o momento de promover uma discussão profunda sobre o que significa essa redução, e não tratar esse tema como uma questão de torcida de futebol. Não se trata disso, de quem é contra e quem é a favor. Precisamos trazer argumentos teóricos, técnicos, políticos.

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E em torno de que se dará esse debate?

Nós temos uma situação caótica no sistema penitenciário brasileiro. Toda a sociedade enxerga isso. Temos o caso do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, o caso do Rio Grande do Norte, em São Paulo, com o PCC. Um sistema hoje que representa a terceira maior população carcerária do mundo – ultrapassamos a Rússia –, que não oferece ressocialização dos presos. Nós temos que fazer uma profunda avaliação sobre se encarcerar os adolescentes será a melhor solução.

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Estamos criando uma política de encarceramento. O Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê penas para o menor. E sobre os argumentos de que são medidas brandas, isso não é a realidade. Temos as punições abertas para pequenos delitos, mas para os graves, a punição é o encarceramento também. Inclusive é possível prolongar a pena [para mais de três anos].

Quais as principais consequências da redução da maioridade penal, na sua opinião?

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Hoje, os dados são de que a grande maioria dos presos é negra e pobre a partir dos 18 anos. Esse é o perfil do preso hoje. E isso vai significar um acréscimo significativo no encarceramento da juventude pobre e negra. Essa é a situação, é um sistema seletivo. Eu acho que isso é uma sociedade doente, que não sabe formar seus jovens, ouvir sua juventude para a construção de políticas. Se a única saída é o encarceramento, estamos decretando uma falência completa.

Alguns países desenvolvidos, como Estados Unidos, Inglaterra e Suíça, aplicam penas a menores de 18 anos. Por que o Brasil deve seguir outro caminho?

Primeiro que os Estados Unidos é um país desenvolvido, mas tem a maior população carcerária do mundo. Então eu não posso acreditar que uma população desenvolvida tem tanta gente na cadeia. Qual o conceito de desenvolvimento? Para mim significa uma sociedade em que os direitos são respeitados, onde as crianças podem ter uma vida digna, uma vida com oportunidades.

O Estatuto da Criança e do Adolescente é uma das legislações mais avançadas do mundo. O que falta é a gente conseguir efetivar isso no estatuto. Ainda temos muito que avançar, no acesso à educação, à moradia digna, dar condições melhores a uma população que deve ter acesso aos direitos.

O estado tem que atuar de forma integrada com a polícia, o Judiciário... podemos melhorar ainda mais esse sistema. E fazer com que as crianças e os adolescentes, ao cometer um delito, possam ter todo um sistema de proteção, que preveja algum nível de punição também, mas que conclua uma trajetória de paz.

Um dos argumentos a favor da PEC é o de que a restrição de liberdade de um menor é de no máximo três anos, o que incentivaria a prática criminosa. Qual sua opinião?

Sou contra, trabalhei com medidas socioeducativas e, nesses casos, a taxa de reincidência é de 20%. Enquanto no sistema penitenciário é de 70%. Ou seja, não funciona.

Na sua avaliação seria mais fácil, dentro do presídio, o jovem se tornar um alvo fácil das facções criminosas?

Os presídios têm organizações criminosas estruturadas. A gente prolonga a vida do jovem lá dentro e ele vai voltar muito mais preparado pelo crime, porque é onde as facções se organizam. A gente está promovendo um encontro do adolescente com o crime organizado de forma bastante precoce.

É importante para o jovem ser integrado a outras políticas públicas. Não podemos privá-los da educação, é preciso mudar a política punitiva. Não é possível melhorar com a desumanização do adolescente, que raspa o cabelo e diz 'sim senhor, não senhor'. Não acredito na pedagogia da porrada.

Pesquisas indicam que a maioria da população está de acordo com a redução da maioridade penal. A PEC não seria então o atendimento à vontade da sociedade?

Falta esclarecimento da sociedade. Há uma tentativa de voltar para os anos 60 e 70 com teorias que foram superadas no processo pedagógico, psicológico, sociológico. Esses métodos punitivos eram trabalhados lá atrás, já avançamos muito. Hoje trabalhamos leis que não permitem a palmada, que não permitem a violência. Esses jovens que cometem infrações são filhos da pobreza, da ausência de direitos, fruto de violência, não têm um ambiente familiar com carinho, amor. É preciso também colocar limites, mas isso não se faz com porrada, e sim com acolhimento, com afeto, diálogo. A punição definitivamente não é o melhor modelo de ressocialização.

De acordo com números da Unicef, de 21 mil adolescentes, apenas 0,03% cometeram um ato com intenção de tirar a vida de outra pessoa. Isso não é significativo, porque se constrói uma ideia de que as mortes são cometidas por adolescentes em sua maioria, e não é verdade. O jovem, na verdade, hoje é vítima da violência. Se olharmos o mapa da violência de 2014, por exemplo, dos 56 mil brasileiros mortos, mais de 50% (30 mil) eram jovens. Desses, dois terços negros. Isso representa cinco jovens mortos a cada duas horas, ou 60 assassinados por dia. Muitas vezes a mídia reproduz um discurso de que os jovens são violentos, quando na verdade o jovem está sofrendo violência. Os números não desmentem que, ao invés de girarmos a nossa lente para o que eles comentem, deveríamos olhar para o quanto eles são vítimas de um sistema perverso. Como conseguiríamos reverter essa trajetória?

E qual vai ser o plano, se a PEC for aprovada no Congresso? Alguns parlamentares do PT adiantaram que pretendem recorrer à Justiça caso isso aconteça.

Primeiro que a PEC não tem previsão de veto presidencial. O que os parlamentares afirmam é que [a questão da maioridade] trata de uma cláusula pétrea e que se isso for quebrado, é possível recorrer ao STF. No caso da Secretaria [de Juventude], pretendemos trabalhar integrados com outros setores, como os ministérios da Justiça, da Igualdade Racial... para ajudar a subsidiar a posição dos parlamentares em relação a todos esses aspectos que já levantei aqui. Então trabalhar como diretriz de governo para que a gente possa esclarecer a sociedade e ajudar a superar esse sentimento de impunidade, mas desconstruindo uma cultura de violência que acredita que a punição é uma saída para a solução da violência.

A estratégia do governo é mostrar que é o contrário: a construção de uma cultura de paz, com direitos, é que são as alternativas efetivas para a construção de uma sociedade igualitária, com direitos respeitados. Estamos trabalhando juntos e vamos procurar os interlocutores no Congresso. Acho também que são temas que a sociedade pode se organizar para convencer os parlamentares da importância de não aprovar essa PEC. E também discutir e reconhecer que existem interesses escusos por trás dessa proposta, muitas vezes sustentados por bancadas da arma no Congresso, por quem tem lucros exorbitantes fomentando a cultura do medo. É preciso lutar contra esses interesses privados. Queremos colocar essa discussão da promoção dos direitos humanos.

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