Tarso: corrupção é forma de privatização do Estado

Ao citar a Operação Kilowatt, governador do Rio Grande do Sul (PT) disse que  a “maior tragédia do Estado brasileiro e que reduziu brutalmente as suas funções públicas foi a submissão da máquina pública, como conjunto, aos ditames do capital financeiro especulativo, como ocorreu com  os sucessivos ajustes na era Malan-FHC”

Ao citar a Operação Kilowatt, governador do Rio Grande do Sul (PT) disse que  a “maior tragédia do Estado brasileiro e que reduziu brutalmente as suas funções públicas foi a submissão da máquina pública, como conjunto, aos ditames do capital financeiro especulativo, como ocorreu com  os sucessivos ajustes na era Malan-FHC”
Ao citar a Operação Kilowatt, governador do Rio Grande do Sul (PT) disse que  a “maior tragédia do Estado brasileiro e que reduziu brutalmente as suas funções públicas foi a submissão da máquina pública, como conjunto, aos ditames do capital financeiro especulativo, como ocorreu com  os sucessivos ajustes na era Malan-FHC” (Foto: Roberta Namour)


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Marco Weissheimer
Sul 21 - O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, afirmou neste domingo (12) que não há nenhuma possibilidade de acordo, em nenhum nível de governo, para impedir a investigação de possíveis irregularidades envolvendo a atuação de servidores e a destinação de recursos públicos. Em entrevista ao Sul21, Tarso Genro, falou sobre a Operação Kilowatt, destacou o papel do Degecor (Departamento Gestão do Conhecimento para Prevenção à Corrupção) no encaminhamento das investigações e garantiu: “Temos vários procedimentos em andamento e os mais importantes poderão, em breve, redundar em novas ações da Polícia Civil, que, aliás tem, e deve ter iniciativas investigativas quando recebe denúncias diretamente, ou toma conhecimento de fatos possivelmente delituosos”.

Como o senhor recebeu as notícias relativas à Operação Kilowatt, dando conta de possíveis irregularidades envolvendo a destinação de recursos públicos?

Tarso Genro: No início do nosso governo aprovamos na Assembleia Legislativa um organismo novo no Estado, o Degecor (Departamento Gestão do Conhecimento para Prevenção à Corrupção), cujo objetivo específico é prevenir e combater a corrupção. Nenhum Estado brasileiro tem um organismo semelhante, que eu saiba, que vá além dos controles burocráticos tradicionais, que, muitas vezes, fazem um bom trabalho e outras vezes apenas realizam rituais burocráticos e corporativos que esgotam procedimentos sem chegar ao fundo dos problemas.

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Quando este organismo foi montado, o seu chefe, o delegado Jerônimo, foi chamado por mim, e, juntamente com o secretário Michels (da Segurança), recebeu a seguinte orientação: não tem nenhuma possibilidade de acordo, em qualquer nível de Governo, para impedir apuração de ilegalidades que devam ser comunicadas, seja à Polícia Civil, seja ao Ministério Público Estadual ou Federal, seja ao Tribunal de Contas. E assim está sendo feito, não só interferindo em procedimentos que possam apenas parecer irregulares, mas também detectando fatos que às vezes passam desapercebidos pelos secretários ou pelos órgãos de controle. Este delegado e sua equipe, juntamente com quadros Polícia Civil e às vezes com o MP, estão fazendo um trabalho brilhante e pioneiro. Temos vários procedimentos em andamento e os mais importantes poderão, em breve, redundar em novas ações da Polícia Civil, que aliás tem, e deve ter iniciativas investigativas quando recebe denúncias diretamente, ou toma conhecimento de fatos possivelmente delituosos.

Na sua avaliação, essa iniciativa é suficiente para enfrentar o tema da corrupção? Onde reside, exatamente, a raiz desse problema?

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Tarso Genro: A corrupção é, evidentemente, uma forma de privatização do Estado. Às vezes ela é feita por grupos da burocracia estatal, às vezes por grupos políticos e, outras vezes, orientada por um conluio entre estes dois grupos. Mas ela não é a única forma de privatização do Estado, nem a dominante no Estado brasileiro, até porque ela, tendo a vontade política dos governantes para combater a corrupção, esta pode ser muito reduzida e debilitada. A maior tragédia do Estado brasileiro e que reduziu brutalmente as suas funções públicas foi a submissão da máquina pública, como conjunto, aos ditames do capital financeiro especulativo, como ocorreu com os sucessivos ajustes na era Malan-FHC. Isso começou a mudar lentamente no país, no primeiro governo Lula, especialmente depois da saída do ministro Palloci e, como é sabido, ainda não é uma questão plenamente resolvida no nosso modelo de desenvolvimento, porque não depende de mera vontade política, como pensam alguns, mas de intrincadas relações internacionais, já que políticas aventureiras nesta área redundam em isolamento político, inflação e queda rápida do poder aquisitivo, especialmente dos mais pobres.

Se houve uma redução brutal de suas funções públicas, como o Estado pode recuperar terreno e, ao mesmo tempo, enfrentar esse tema da privatização de recursos públicos, em suas múltiplas formas?

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Tarso Genro: Vou tomar o caso dos pedágios como exemplo. O modelo de pedágios instituído no Rio Grande do Sul há quinze anos foi feito numa época de juros extorsivos e escassa capacidade de investimento do Estado brasileiro e do próprio Rio Grande. O resultado foi a entrega de um negócio com lucros exorbitantes para as empresas concessionárias, que, em alguns casos, cercaram municípios com pedágios extorsivos e com escasso retorno de investimentos. Esta privatização não gerou nenhuma indignação em nenhum setor da grande imprensa nem incomodou a direita local e nacional. Ela encareceu o transporte de cargas, tomou dinheiro das comunidades que poderiam fazer aqueles recursos circularem nas próprias regiões, com uma parca devolução de serviços.

As empresas, é óbvio, aderiram a esta mamata e ganharam muito dinheiro, mas a responsabilidade do que aconteceu não é delas, mas da frente política dirigente à época, porque, obviamente, ela não só compôs o grupo de poder através destas relações, mas também teve um apoio quase constrangedor na grande mídia, dos mesmos que agora se opõem, não só à política de rebaixamento das tarifas pela EGR (Empresa Gaúcha de Rodovias), mas também à extinção dos polos extorsivos, como de Carazinho e Farroupilha. O ardil neoliberal fica ainda mais evidente nos dias de hoje, quando o Governo Federal passa a praticar, no sistema de pedagiamento em licitação, preços mais baixos, em termos reais, comparados com os compromissos de investimento pelas empresas concessionárias.

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Essa decisão do governo gaúcho de retomar o controle público das estradas vem sendo criticada editorialmente por vários meios de comunicação, dentro e fora do Rio Grande do Sul. Um editorial do Estadão, no dia 6 de janeiro, resume o argumento central dessas críticas que consiste em afirmar que o Estado não tem recursos para prestar um serviço de qualidade nesta área. Qual a sua resposta a essas críticas?

Tarso Genro: Este editorial era tão previsível como as análises da colunista Rosane de Oliveira (de Zero Hora) sobre a operação do Governo, através da Polícia Civil e do Degecor, para coibir irregularidades que aconteciam na máquina pública desde 2008. Vejamos o que diz o Estadão sobre a retomada dos pedágios depois do fim das concessões, ou seja, respeitando os contratos e não os prorrogando:

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“A medida de Tarso já seria, em si mesma, um contrassenso, pois se sabe há muito tempo que o Estado é incapaz de administrar estradas”.

Depois diz:

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“No palanque, porém, tudo fica mais fácil. Com fanfarras e discursos inflamados, Tarso foi a uma das praças de pedágio, em Carazinho, para simbolicamente retomá-la, recorrendo à demagogia das cancelas levantadas.”

Trata-se de versão puramente ideológica e inclusive caluniosa dos fatos, pois o que aconteceu aqui no Estado foi um enorme clamor público, originário dos usuários, empresários especialmente da área dos transportes de carga e empresas industriais do interior, cidadãos, movimentos sociais, contra um sistema implantado há quinze anos que estava vencendo. Clamor este, feito para que o governo terminasse com os polos que cercavam miseravelmente as cidades, sistema semelhante às alfândegas feudais, bem como para que o governo reduzisse o preço das tarifas. Tal clamor teve total aceitação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social local. Esperou-se o fim dos contratos, não se rompeu nenhum contrato, mas os empresários concessionários ficaram frustrados, o que é natural, dada a natureza infinitamente lucrativa do seu negócio. Eles queriam a prorrogação, sem licitação, de contratos feitos há quinze anos, momento que o país tinha uma inflação alta, juros na estratosfera e nenhuma capacidade de investimentos oriunda do setor público.

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E como a empresa criada para implementar esse novo modelo fará isso? Os críticos da criação da mesma vaticinam seu fracasso.

Tarso Genro: A Empresa Gaúcha de Rodovias, findo o prazo das concessões, retomou o controle das estradas para planejar e orientar o sistema e assim administrar os serviços e os contratos com as empresas prestadoras, colocando-os inclusive sob avaliação da cidadania, através de Conselhos Locais, que agora inclusive planejam os investimentos da EGR e controlam também o ingresso dos recursos originários do pedagiamento. A EGR, na verdade, não é uma empreiteira, mas sim a administradora dos contratos de serviços que são ofertados pela iniciativa privada. Serviços que agora, não só são fiscalizados pelo Estado, mas também por aquelas comunidades locais, que são atingidas pelo pedagiamento.

Aqui no Rio Grande do Sul não houve nenhum clamor, por exemplo, para terminar com os pedágios da estrada que liga Porto Alegre ao Litoral, a freeway, nem o governo estadual nem o federal tomaram qualquer atitude em relação a eles. Ali há, até agora, uma aceitação dos preços e dos serviços, numa estrada que exige fortes investimentos para a sua manutenção. Demagogia, na verdade, é o que faz o Estadão com este editorial, sem investigar o que, de fato, ocorria aqui no Rio Grande do Sul e ignorando a natureza dos contratos, que, como já disse, foram feitos há quinze anos. Na verdade, o que Estadão está fazendo é defender apenas os interesses empresariais sem atentar para o custo destes contratos para a população.

O modelo de pedágios que finda agora foi implantado em um período onde os defensores da tese do Estado mínimo estavam na maioria dos governos do Brasil e da América Latina. A conjuntura mudou, mas esse debate parece permanecer atual, como se vê agora neste tema dos pedágios.

Tarso Genro: A ideologia que reveste estas opiniões é a mesma: a defesa de um Estado ausente e um modelo de desenvolvimento tecnocrático, afastado das comunidades que são destinatárias dos serviços públicos. No caso da jornalista Rosane Oliveira, que mencionei antes, cabe lembrar que ela foi uma entusiasta do famoso déficit zero do governo Yeda, ou seja, da contabilidade formal em dia, mesmo que, como consequência, os pobres fiquem se lixando. Ora, políticas públicas de natureza social e financiamento do desenvolvimento pelo Estado são incompatíveis com o tal déficit zero. Todo o mundo sabe disso, pelo menos quem acompanha o que ocorre na Europa. Como isso não deu certo também aqui no Rio Grande e o nosso governo, de esquerda, “gastador” – segundo esta mesma corrente de opinião - está dando certo, e , mais do que isso, obtendo a confiança dos movimentos sociais e dos empreendedores, melhorando em termos reais os salários dos servidores, promovendo a geração de milhares de empregos, com investidores industriais nacionais e internacionais, este pessoal se enfurece.

Ora, o seu modelito faliu e o nosso está, pelo menos, abrindo novas perspectivas para reconstrução do Rio Grande. Isso, na verdade, os irrita profundamente e eles não conseguem se conter, passam a trocar informação e crítica fundada por pura ideologia e distorção.

O senhor é um dos raros governantes brasileiros, inclusive dentro do PT, a fazer essa crítica à atuação dos meios de comunicação, apontando o viés ideológico que acompanha suas posições editoriais. Esse tipo de postura não é muito bem visto por esses editorialistas…

Tarso Genro: Não se trata de criticar a crítica, mas de mostrar a incongruência do neoliberalismo e dos seus adeptos mais comprometidos. Eles não só não tem propostas alternativas, mas não gostam que as propostas democráticas de esquerda deem certo, mesmo que essa rejeição signifique jogar o Rio Grande para baixo. Leia, por exemplo, o texto da Rosane Oliveira, neste domingo em Zero Hora, procurando orientar a oposição ao Governo e desfazendo o fato de que, no nosso Governo, não só não toleramos corrupção ou outras ilegalidades, como montamos uma estrutura para combatê-las de maneira exemplar, como havíamos nos comprometido no nosso programa de governo.

Numa certa parte do seu texto a colunista parece perguntar o seguinte: “vocês não fazer uma CPI contra este governo que combate a corrupção, a partir de iniciativas originárias da sua linha política e das suas definições de gestão?” Ela parece estar, aliás, indignada porque o secretário Pestana estava tranquilo nas entrevistas e eu estava tirando alguns dias férias, sem saber – ou mesmo querer se informar – que eu acompanhei, pessoalmente, este trabalho do Degecor e depois da Polícia, desde o seu início, como é o dever de um governador que não tolera corrupção.

Esse debate, aliás, deve ganhar corpo nos próximos meses, considerando que estamos entrando em um ano eleitoral…

Tarso Genro: O meu governo vai continuar fazendo este debate, seja com a oposição, seja com os seus porta-vozes na imprensa, pois este é, na verdade, um debate sobre a recuperação das funções públicas do Estado. É um debate sobre a melhor forma de tirar o Rio Grande da visão monocórdia e superada do quanto menos Estado, mais desenvolvimento. Nossa posição é outra: o Estado Democrático é forte e verdadeiramente republicano quando é controlado de dentro para fora e de fora para dentro, quando oferece políticas de inclusão social e de inclusão no desenvolvimento para todos: micro, pequenos, médios e grandes empresários. Quando deixa claro também os mecanismos legais e administrativos de incentivos para toda a iniciativa privada que gera empregos, como fizemos com o Novo Fundopem, com o sistema de Microcrédito RS e com a política industrial. Eu sempre digo para os meus secretários que respeitem e ajudem o trabalho da imprensa, mas não deixem de debater com eles, pois no seu meio também há arrogância, como existe no meio político, e a arrogância, quando não é contestada, pode virar última palavra e intimidação.

Um outro debate, também relacionado a esse tema da capacidade do Estado dar conta de serviços públicos e resolver problemas do dia-a-dia da população, diz respeito à situação dos presídios. O governo segue sendo pressionado pela situação do Presídio Central e agora, mais recentemente, o que ocorreu no Maranhão, reavivou esse debate em nível nacional e voltam a se ouvir vozes em defesa da privatização no sistema penitenciário. Qual a sua avaliação sobre essa discussão?

Tarso Genro: Há muita desinformação cercando esse debate. Vou citar um exemplo. Há dois anos, a parceria público-privada dos presídios, em Pernambuco, está parada, com uma série de furos e de prejuízos ao erário público. Por aqui tivemos, recentemente, uma campanha – no mesmo estilo arrogante que referi antes - em favor da privatização dos presídios e o governador Eduardo Campos era mencionado como um grande exemplo a ser seguido. O fracasso desta experiência foi estranhamente ignorado aqui no Rio Grande do Sul, pelos mesmos setores que apresentavam aquela iniciativa como brilhante. Haja incoerência e seletividade.

O senhor é contra essas parcerias público-privadas?

Tarso Genro: Não. As parcerias público-privadas são importantes e devem ser feitas se proporcionarem dois tipos de lucros: um lucro, o mais importante, é o lucro social, ou seja, que ela seja boa para a sociedade, especialmente para aqueles que precisam de iniciativas que o poder público não pode responder no momento; outro lucro é o lucro da empresa-parceira, que, para prestar um bom serviço ou fazer uma boa obra, deve ter o seu capital remunerado de acordo com o mercado. Chegar ao ponto ótimo deste relacionamento não é fácil. Até porque a maioria dos parceiros busca, na verdade, financiamento público para a suas parcerias e pretende ter risco zero nos seus empreendimentos. Capitalismo sem risco só o Estado pode proporcionar.

Acho que deveríamos buscar uma melhor regulação legal, para as PPPs, dando a elas uma maior transparência e tornando-as mais atrativas para investimentos de grande porte, que o Estado não tenha condições de bancar, sequer à longo prazo. As parcerias hoje, em função das crises financeiras do setor público, ou no caso de países que precisem retomar ou acelerar o desenvolvimento, são feitas em todos os países, capitalistas ou não. Cuba, China, até a Coréia do Norte faz. A questão é qual o modelo e como garantir os resultados positivos para ambos os lados e, especialmente, garantir os bons reflexos para a sociedade no seu conjunto.

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