'País não tem crise política, e sim econômica'

Comandante do processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor como presidente da Câmara de Deputados na época, em 1992, o hoje deputado estadual Ibsen Pinheiro (PMDB) avalia o momento político do país e a tentativa de destituir a presidente Dilma; na opinião do peemedebista, não há, atualmente, condições para a "pregação do impeachment" da presidente; "Nós não estamos numa crise política, nós estamos numa crise econômica e financeira e também numa crise administrativa pela incapacidade da União federal e também dos Estados, especialmente o nosso, de ter uma intervenção saneadora na dificuldade", disse  

Comandante do processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor como presidente da Câmara de Deputados na época, em 1992, o hoje deputado estadual Ibsen Pinheiro (PMDB) avalia o momento político do país e a tentativa de destituir a presidente Dilma; na opinião do peemedebista, não há, atualmente, condições para a "pregação do impeachment" da presidente; "Nós não estamos numa crise política, nós estamos numa crise econômica e financeira e também numa crise administrativa pela incapacidade da União federal e também dos Estados, especialmente o nosso, de ter uma intervenção saneadora na dificuldade", disse
 
Comandante do processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor como presidente da Câmara de Deputados na época, em 1992, o hoje deputado estadual Ibsen Pinheiro (PMDB) avalia o momento político do país e a tentativa de destituir a presidente Dilma; na opinião do peemedebista, não há, atualmente, condições para a "pregação do impeachment" da presidente; "Nós não estamos numa crise política, nós estamos numa crise econômica e financeira e também numa crise administrativa pela incapacidade da União federal e também dos Estados, especialmente o nosso, de ter uma intervenção saneadora na dificuldade", disse   (Foto: Leonardo Lucena)


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Jaqueline Silveira, Sul 21 - Comandante do processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor como presidente da Câmara de Deputados na época, em 1992, o hoje deputado estadual Ibsen Pinheiro (PMDB) avalia o momento político do país e a tentativa de destituir a presidente Dilma Rousseff. Na opinião do peemedebista, não há, atualmente, condições para a "pregação do impeachment", nem renúncia ou cassação do mandato da chefe do país. Jornalista e ex-promotor de Justiça, Ibsen também falou sobre o papel do PMDB no governo federal, que ele definiu como "periférico" e criticou a minirreforma política aprovada pela Câmara dos Deputados por priorizar temas que não considera relevantes e não mexer no grande problema: o sistema eleitoral.

Integrante do grupo de transição do governo José Ivo Sartori (PMDB) e deputado da base aliada, Ibsen avaliou também a atuação do companheiro de partido à frente do Piratini e defendeu "medidas amargas" e que contrariam interesses para o Estado superar a crise financeira. Entre elas, o peemedebista defendeu aumento do ICMs e privatizações de estatais, como Corag e Cesa. Abaixo, confira os principais trechos da entrevista concedida ao Sul21:

Sul21 - Pela sua experiência no processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, como o senhor avalia o momento político do país? O pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff pode prosperar?

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Ibsen Pinheiro – Eu vou começar por uma análise genérica, que eu acho que é o cenário: o nosso país está vivendo uma crise econômica e financeira, parte do reflexo das dificuldades mundiais que produzem efeitos aqui, e parte resultante dos nossos próprios erros. Nos últimos anos, a máquina pública no Brasil ganhou um custo e perdeu em eficiência, então nós temos dois elementos negativos que se conjugam: uma crise econômica e financeira e a incapacidade do poder público de fazer as intervenções necessárias, porque uma crise econômica e financeira um país supera com políticas públicas, políticas de controle de despesas, aumento de receita e a busca do crescimento econômico, que é sempre um programa de prazo mais longo.

Por essas razões, compreendo o esforço do governo federal no ajuste fiscal, embora não tendo sido um eleitor da presidente, eu apoio o esforço para o controle das contas. Acho, no entanto, que as dificuldades econômicas e políticas também sofrem uma análise político-partidária. Eu acho que falar em impeachment ou em cassação judicial por anulação de mandato ou de diploma, ou mesmo falar em decisão do Tribunal de Contas para afastar a presidente da República, nem definiria como pregação golpista porque não tem eficácia como pregação, não sensibiliza ninguém. Por quê? Porque uma solução radical e dramática como o afastamento do presidente da República ou qualquer mudança no regime político do país, ou qualquer licenciamento ou renúncia, ou impeachment, qualquer dessas circunstâncias, ela depende de uma conjugação de fatores políticos que não está presente. Nós não estamos numa crise política, nós estamos numa crise econômica e financeira e também numa crise administrativa pela incapacidade da União federal e também dos Estados, especialmente o nosso, de ter uma intervenção saneadora na dificuldade. Considero que essas circunstâncias constituem um potencial perigoso, mas não vejo, no momento de hoje, qualquer providência legitimada nesse sentido.

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Sul21 – Apesar de o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, ter anunciado que depois do recesso o pedido de impeachment começará a ser analisado na Casa?

Ibsen – O impeachment ou a renúncia do presidente ou seu licenciamento, ou a mudança do regime para o Parlamentarismo são coisas que acontecem não apenas nas democracias incertas, como as sul-americanas, acontecem também no Presidencialismo consolidado dos Estados Unidos. A impressão que se tinha era que o impeachment do presidente (Richard) Nixon seria inevitável, e ele renunciou. Então, esse tipo de situação engendrada pela economia, pela administração e pelo jogo político, pode desembocar em soluções de profunda transformação institucional, mas, eu acho que, hoje, pregação nesse sentido ou especulação sobre rejeição de contas para responsabilizar a presidente ou irregularidades na campanha eleitoral… Não posso imaginar que sete juízes revoguem a eleição presidencial. Há quem pregue ainda coisa pior, que é anular a eleição do presidente e do vice e convocar o segundo lugar, isso não apenas tem pouca lógica institucional, como implicaria a deslegitimação do governo nascente. O pior que podia acontecer é substituir um governo em crise por outro que já nasceria ilegítimo. Se houver uma crise institucional, bato na madeira, mas ela poder ocorrer pelos dois fatores anteriores: crise econômica e financeira e a crise administrativa do aparelho do Estado.

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Sul21 – E esse potencial perigoso a que o senhor se refere, pode representar algum risco para a democracia?

Ibsen – Eu gostaria que não, mas pode trazer algum risco para o mandato da presidente da República, mas não necessariamente à democracia, porque há caminhos democráticos para superar crises políticas. O impeachment do presidente Collor, muita gente imagina que aquilo foi um julgamento criminal, porque o ambiente político também se alimentou muito dos desvios de conduta imputados ao presidente da República, mas um impeachment não é um processo penal, é um processo político. Eu lembro que, mais de uma vez, fui solicitado a falar sobre isso e sempre tive o cuidado de dizer que era um processo político e a convicção que se formaria no plenário era sobre a necessidade de se afastar o presidente. Tanto que a responsabilização é assunto posterior no Senado, a Câmara decide pelo afastamento e o Senado é que apura a responsabilidade. O afastamento correspondeu a uma arbitragem política e a arbitragem política é a única solução adequada para a crise, porque as outras são, como correu em 64 e 54, a deposição militar pela força, a renúncia imposta no caso de Getúlio (Vargas), com o suicídio, e, em 1992, o impeachment de Collor foi democrático porque foi dentro das regras e pelas duas Casas do Congresso Nacional. Por menos que o presidente goste, esse é o jogo democrático. Não estou pregando isso, porque isto não se prega, o impeachment não se prega, se pratica quando ele é a única ou a melhor solução. Às vezes, um presidente perde de tal modo a sustentação política que isso tem de ser considerado, por isso que o impeachment é um julgamento político, não é o julgamento da qualidade da administração, mas da responsabilidade do presidente da República. Eu não vejo hoje justificativa para pregação.

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Sul 21 – Embora uma parte da oposição pregue o impeachment?

Ibsen – Mas eu acho que aí é partidarização. O episódio de 92, que hoje é exemplo para nós, na época foi para o mundo, porque também não havia experiências no mundo de um processo de impeachment completo, com contraditório, com prazo de defesa, com todas as regras, com o controle judicial. Muita gente ignora que o pedido de impeachment que prosperou e acabou aprovado não foi o primeiro que chegou à Câmara naquele mês de agosto. Foi o 12º ou 14º não me lembro bem. Todos foram arquivados e um deles teve andamento, porque, além de apontar um crime político de responsabilidade do presidente, um não, mais de um, ele tinha representatividade dos cidadãos que o assinaram – o presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que chegaram ao prédio da Câmara numa grande caminhada pela Esplanada dos Ministérios, com apoio popular também significativo. Essas circunstâncias, elas não determinam por si só o afastamento do presidente, mas justificam a instauração do processo político, foi o que houve em 92. Eu volto a dizer: hoje não vejo essas condições. Eu tenho sustentado que a politica deve buscar a solução para essas duas crises: econômica e financeira e administrativa e para a política se houver crise política. Se a política não encaminhar a solução, ela, a política, será a vítima, será atropelada pela crise que vier a se instalar.

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Sul21 – Esse ambiente político do país atual não pode atrapalhar a superação da crise econômica e financeira?

Ibsen– Você tem de considerar pelo menos dois fatores. Um genérico: a pulverização da vontade política nacional por um sistema eleitoral que produz, induz essa pulverização. Se não estou enganado, a Câmara tem hoje 28 bancadas, isso significa 28 minorias e nenhuma maioria. A maior bancada da Câmara tem 15% do plenário, menos de um sexto da composição da Casa. Encaminhar soluções cruciais, difíceis, que às vezes são antipáticas, que contrariam interesses corporativos, com cada pequeno grupo pensando na sua sobrevivência, imagine-se a dificuldade do governo e do partido que governa. Fossem partidos em número razoável se teria uma sólida maioria e uma minoria opondo-se. Hoje, tem uma minoria aguda, mas não tem maioria, porque a minoria está unificada pela oposição e a maioria, diversificada, quantidades que vão de um deputado a dezenas, então a linha que preside as condutas é a da salvação pessoal ou partidária. Essa é a causa genérica. Tem uma causa específica: a presidente Dilma, embora seja uma pessoa qualificada com uma bela biografia funcional e política, não é jeitosa para o jogo político, isso pode ser falta de gosto e não necessariamente de competência. Ela não tem o cacoete do jogo político, a paciência, aquilo que fez Abraham Lincoln negociar pesadamente a emenda abolicionista. Como Juscelino Kubitschek tinha esse gosto, este talento, como Tancredo (Neves) tinha, como Ulysses (Guimarães) tinha, como Collor não tinha e como Dilma não tem.

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O Jogo político não se faz com mentiras, isto não é verdade, quem é mentiroso é mentiroso até na sacristia, o jogo político se faz com palavras e silêncios e a presidente Dilma não tem o gosto, nem o talento do silêncio, expõe-se com clareza, às vezes excessiva e geralmente desnecessária. Se conjugar os fatores da crise econômica e financeira, da dificuldade do parelho do Estado em intervir e com a falta de jeito, gosto da figura central, que é a presidente, você não poder ignorar que há ai um potencial de crise. O que significaria a crise? Dificuldades econômicas, caristia da vida, inflação e desemprego. Esta conjugação de fatores, ela tem um potencial de risco, por isso que estou sustentando que agora não há ambiente para pregações de mudanças radicais via judicial, contas ou impeachment. Não há ambiente para isso, mas há um clima potencial que pode conduzir a isso e nessas circunstâncias que a minha pregação interna, no meu partido, na Assembleia e em toda a parte que a política deve preparar-se para arbitrar a crise se ela acontecer.

Sul 21 – Por falar no seu partido, como o senhor avalia o comportamento do PMDB no governo, que tem o vice-presidente e articulador político, Michel Temer, e, ao mesmo tempo, o presidente da Câmara que se declarou opositor do Palácio do Planalto?

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Ibsen – Há várias expressões para definir a situação do PMDB, a mais aguda seria a esquizofrenia, a mais política seria a dupla militância e a mais verdadeira, pra mim, é que o PMDB é periférico no poder. Não quer dizer desimportante, mas periférico. O núcleo do poder é o Partido dos Trabalhadores (PT), não apenas pela ocupação dos principais cargos, porque a decisão política do rumo é do PT e de sua presidente da República. O PMDB tem um papel periférico que se revelou importantíssimo pela pulverização do Congresso Nacional. Se o governo tivesse uma bancada de dois ou três partidos, ele não precisaria de um articulador da dimensão do Michel Temer, até um jovem ministro das Instituições encaminharia negociações com o Congresso se fossem três ou quatro partidos da base e dois ou três da oposição, mas com 30 e tantos partidos a negociação é penosíssima, então a presidente apelou para o vice-presidente Michel Temer, mas o PMDB continua periférico e não tem como ele ser o coração do governo. O coração do governo está nas políticas centrais do governo: a política econômica e financeira, a política monetária, a política de segurança e a política externa, e essas dependem só e exclusivamente da presidente da República. Então, o PMDB é periférico. Internamente, eu participo de uma tendência que me parece majoritária de não renegar as responsabilidades do partido com o governo, melhor dizendo com a governabilidade, não é a solidariedade administrativa, essa se pratica quando se concorda e se diverge, mas a governabilidade é um patrimônio comum no caso do PT, do PMDB e de outros partidos aliados. Eu sustento que o PMDB deve ter uma posição positiva e propositiva. Por exemplo: apoiar o ajuste fiscal, sintomaticamente tem mais apoio no PMDB do que no PT, porque o PMDB, majoritariamente, compreende a necessidade de medidas impopulares para atravessar as dificuldades econômicas e financeiras.

Sul21 – Embora o presidente do Senado, Renan Calheiros, tenha criticado o ajuste fiscal.

Ibsen – Mas é que o Renan e o Eduardo Cunha representam mais uma área de insatisfação do que uma posição política e ideológica. O PMDB é mais afinado com a ideia de preservação da economia, nisso eu sinto uma força majoritária no PMDB a tal ponto que nem Renan nem Eduardo Cunha se opõem ao ajuste fiscal. Embora, irresponsavelmente, junto com alguns setores do PT, saem atrás de alguns caminhos demagógicos como, por exemplo, o aumento do Poder Judiciário, a vinculação das aposentadorias ao salário mínimo, dois atos demagógicos que não têm sustentação e que tiveram forte apoio no PMDB, no PT e nos partidos de oposição, claro, aí, também entra uma dose de oportunismo. Mas nos partidos governistas, e aí no PMDB, entra uma dose de populismo, uma dose de oportunismo de não contrariar corporações, e o governo, nessas horas, fica isolado. Aí que surge a deficiência da presidente na articulação, na ampliação da sua base.

O problema não é de fácil solução, porque nosso sistema eleitoral estabeleceu um mecanismo de apoio, que é a troca por cargos na melhor hipótese. Como indica o mensalão e a Petrobras, há trocas por outros meios menos políticos e mais monetários. Eu identifico nestas crises morais uma causa profunda no sistema também, eu costumo dizer que a política é muito demonizada, porque a política não tem proprietários, a política é de todos e é para todos, especialmente o Legislativo. O sindicato é dos seus sindicalizados, a OAB é dos advogados, a ABI é dos jornalistas, mas a Câmara e o Senado são de todos. Por serem de todos, elas não têm defensores, ninguém defende, no máximo quem não se acumplicia sai de perto, porque aquela Casa sendo de todos não é de ninguém. As demais instituições representam setores organizados da sociedade. Governar para uma massa de pelo menos de 120 milhões de brasileiros, 60% da população, governar para essa multidão significa, muitas vezes, contrariar interesses dos os 40%, onde estão os privilegiados de alto porte, os ricos, de médio porte, a classe média, mas também os trabalhadores de bom emprego.

Sul21 – Como o senhor definira o estilo de atuação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha?

Ibsen – Não chega a ser uma novidade. Vamos começar pelo lado positivo: ele é um homem muito inteligente, muito preparado, conhece o sistema: a Constituição e o Regimento Interno, e tem liderança. Nem sempre se encontra isso na presidência da Câmara. Houve um momento que o baixo clero chegou à presidência da Câmara, aquilo sim foi uma deformação inesperada, agora que chegue um quadro político competente, mas que tenha suas ambições e que, às vezes, opte por elas, em vez do interesse geral, a rigor não chega a ser uma novidade. Não tem muitos Ulysses Guimarães disponíveis, mas também é preciso reconhecer que isso faz parte do jogo político. Sei que o presidente da Câmara tem colocado seu interesse político à frente de suas decisões, mas percebo também que o governo maneja mal as suas relações com o Legislativo e com os partidos a ponto de ter procurado a linha auxiliar do vice-presidente, que também é uma anomalia. Vice-presidente é apenas o sucessor do presidente, o seu substituto eventual. Mas o governo maneja mal suas relações políticas e isso enseja que lideranças como a de Eduardo Cunha sejam porta-vozes de todas as insatisfações, as legítimas e as ilegítimas, porque, no conflito, ela acaba representando todos os insatisfeitos, e aí se soma de tudo.

Sul21 - O senhor falou do compromisso do PMDB com a governabilidade do país. Como o senhor avalia a posição de alguns de seus companheiros, que defendem a saída do partido do governo, o que deve ser discutido no congresso da sigla em outubro?

Ibsen – Eu acho que cumprir o compromisso é correto e romper não é proibido, o que não pode é ficar no governo e conspirar. Se ficar no governo, tem de ser leal ao país e caminhar para uma solução política, seja a continuidade, seja a mudança. Se houver um clima de mudança, teremos todos de administrá-lo, se o partido optar por romper com o governo, será também um caminho legítimo, cogitando de um projeto para 2018. É perfeitamente compreensível, não sei se é provável. O inaceitável seria ficar no governo e conspirar, isto é que, eu acho, a maioria do partido não quer, quer ter uma relação de correta solidariedade, mas não exatamente igual ao governo. O governo é o governo petista com compromissos do PT, alguns o PMDB adota, outros não.

Sul21 – Por falar em projeto para 2018, o senhor também é a favor de o PMDB ter candidato próprio à Presidência da República?

Ibsen – Eu defendo como corolário. Eu defendo um projeto nacional para o partido, que tenhamos a noção de que é preciso desenvolver um Estado social democrata na medida em que o socialismo dos meus ideais sumiu do nosso horizonte, sumiu do horizonte das gerações que estão aqui, pelo menos essa é a aparência. A revolução social sumiu do horizonte, nós estamos administrando o regime do capital e não há indícios de que ele esteja no fim. Alguns não se conformam com isso e vão para o governo para destruir o capitalismo por dentro: despesa sem limite, demagogia. Agora, quem tiver a noção do papel da vida pública, que é melhorar a vida das pessoas, então o que cabe a um partido que sonha em ter candidatura própria antes de achar o nome, achar a causa, que é um projeto nacional.

Sul21 – O senhor falou dos problemas do nosso sistema eleitoral, como o senhor avalia a minirreforma aprovada pela Câmara dos Deputados?

Ibsen – Ela (Câmara) não fez a reforma do sistema eleitoral, a única coisa que tinha de mudar relevantemente era o sistema eleitoral, ela está mudando a duração de mandatos, isso não tem importância, coincidência de eleições não tem importância, quatro ou cinco anos (de mandato), têm países que têm seis, têm países que têm sete de mandato e outros, têm quatro. Isso é tudo normal. Coincidência ou não, não vejo relevância nisso. Financiamento (privado) no atual sistema não adianta proibir, porque o atual sistema eleitoral repousa na eficácia do dinheiro, mas não do dinheiro legal, do dinheiro ilegal. O dinheiro da campanha eleitoral não é o que aparece na parede num cartaz, ou no jornal, num anúncio, isso não chega a um décimo do dinheiro de campanha. O dinheiro de campanha é o comprometimento das bases político-partidárias com a candidatura endinheirada, o candidato poderoso não compra eleitores, ele nem conhece os eleitores, ele compra base do seu partido e dos outros também. Se você proíbe esse dinheiro, não faz diferença, esse dinheiro não aparece, o dinheiro que aparece não tem importância. O que tem, na minha avaliação, importância: o sistema eleitoral em que o dinheiro não tenha o papel protagônico. Não estou dizendo que ele não influencie, estou dizendo que ele não pode ter papel protagônico.

Sul 21 – O senhor fez parte do grupo de transição e até acompanhou a elaboração de algumas medidas da atual gestão do Palácio Piratini. Como o senhor avalia esses sete meses do governo José Ivo Sartori?

Ibsen – Vou reproduzir uma expressão que usei para o governador depois da eleição e antes da posse do meu amigo José Ivo Sartori: se fizer o trivial, o fracasso é inevitável. Um déficit mensal de R$ 400 milhões, mas isso no primeiro mês, no segundo já é quase de R$ 500 milhões pela pedalada das dívidas, ouço dizer que, em agosto já será de R$ 800 milhões. Então, o governo não vai poder cumprir suas obrigações por mais que se concedam liminares. Tenho até feito uma brincadeira: quem sabe uma liminar aumentando a receita, já que a liminar obriga a cumprir. Brincadeira aparte, a solução que houver tem de ser com sacrifício. Primeiro dos quais, que é o mais próximo: cortar despesas, o governo fez isso, o déficit de R$ 5,4 milhões pode baixar para até R$ 1 milhão, mas, ainda assim será um déficit de R$ 4,5 milhões. Tem de aumentar a receita e só tem dois modos de aumentar: o visível, que é aumentar a matriz tributária.

O outro, é o de prazo, que é o crescimento econômico. Mas sem que o Estado tenha capacidade de gerir a sua crise não vai haver crescimento econômico, vai haver uma diluição cada vez maior das forças do Estado. É preciso que tenha um projeto e que esse projeto enxergue o caminho e que tenha a capacidade política e a coragem de fazer a aplicação das medidas que contrariam interesses. Se você não contrariar nenhum interesse, a quebradeira é inevitável, porque os interesses somados são maiores que a capacidade do Estado de responder. Numa breve avaliação das contas do Estado, as despesas com pessoal e seus adjacentes, como previdência social, Imposto de Renda, inativos, consomem 77% da folha de pagamento, como a dívida com a União consome 13% estamos em 90 %, o custeio é acima de 12%, 14%, 15%, já estamos em 105%. É absolutamente inviável administrar o Estado sem inovar, ainda que os caminhos sejam alguns deles antigos, o da austeridade e o da política tributária. Sem medidas amargas e talvez antipáticas não tem solução.

Sul21 – Entre essas medidas amargas que o governo Sartori deve tomar, estão o aumento de ICMs. O senhor já se manifestou favorável, mas há ambiente neste momento na Assembleia para aprová-lo?

Ibsen – Te respondo com o impeachment, não tem ambiente. E daqui a 30 dias? Não sei. Isso vale para o impeachment: não há ambiente, não há clima. Mas e a crise?

Sul21 – Há deputados que talvez não tenham interesse em aprovar aumento de impostos, porque alguns, inclusive da base aliada, devem concorrer a prefeito em 2016 e esse é um tema que traz desgaste.

Ibsen – Desgasta ou consagra. Quando consagra? Quando o remédio amargo cura o paciente. O governo que aí está só tem duas hipóteses: o fracasso ou a consagração. E para o fracasso, basta fazer o que tem sido feito. Agora, as medidas novas podem fracassar também. Aqui (na Assembleia), alguns colegas me dizem: não tem jeito, não passa (aumento de impostos) aqui. Eu digo: também acho que não passa, a não ser que passe por unanimidade.

Sul21 – Mas aumento de imposto ser aprovado por unanimidade é praticamente impossível no cenário atual da Assembleia?

Ibsen – Mas quem diz que o cenário da semana que vem é o de hoje?

Sul21 – O senhor está sendo muito otimista.

Ibsen – Não sou otimista, eu sou realista. Eu estou botando duas alternativas, o fracasso é uma delas. Fazer tudo que está sendo feito com os mesmos impostos, com a mesma carga tributária e com a mesma despesa, fracassou. Como é que se rompe com isso? Com remédio amargo, não é com refresco.

Sul21 – Os deputados do PMDB já estão preparando o ambiente para a chegada desse tipo de projeto à Assembleia?

Ibsen – Eu acho que as condições dependem muito mais do conjunto da situação do Estado e do país do que da articulação. Se tiver que contar votos, não passa aumento de imposto. Só passa se não precisar contar votos.

Sul21 – O senhor também é favor de o Estado fazer privatizações?

Ibsen – Nenhuma que seja importante no papel para o Estado, ainda que deficitária. Por exemplo: Banrisul no Rio Grande, e Petrobras no Brasil. Acho que devem permanecer, porque são empresas vinculadas às funções do Estado. Agora, uma empresa de atividade subsidiária da área privada deve ser privatizada, ainda que lucrativa. Por que o Rio Grande do Sul precisa, por exemplo, de uma gráfica?  Não é a melhor em serviços – as privadas são melhores – e não é a mais barata. Isso vale para a Companhia de Silos e Armazéns, que armazena 1% das colheitas, tem empresa que dá prejuízo e tem de ser mantida e tem empresas que é lucrativa e não têm sentido. Agora, imagina quando ela dá prejuízo e não tem função, aí não tem nenhum sentido, não se olha os salários, o custo, os orçamentos, não menos de R$ 50 milhões comas pequenas.

Há uma ideia embutida e falsa de que o enxugamento do Estado fragiliza o Estado. O que fragiliza o Estado é a obesidade. O Estado obeso e intrometido não cumpre suas funções, que são politica econômica e financeira, política de defesa, política de segurança, política de educação, política de saúde, isso é o Estado. O resto deixa para a iniciativa privada ganhar seus trocos e pagar seus impostos, coisa que nem todos fazem. Por isso, vejo com clareza que privatização daquilo que é desnecessário, além de dar bom produto, às vezes, pela venda, desonera custos. Acho que o que está fazendo o governo federal com aeroportos,  a mesma coisa deve fazer o Estado com empresas que não têm um papel estratégico e, entre as que têm, eu destaco o Banrisul, que é importante para as políticas do governo do Estado. Mas não destaco a de Silos e Armazéns, nem a Corag e outras fundações desnecessárias. A máquina do Estado inchou e alguma dessas instituições surgem só para empregar pessoas, que as defendem, não têm outra finalidade.

Sul21 – O senhor disse que o governo Sartori tem de tomar medidas inovadoras para superar a crise, mas aumento de impostos e privatização foram medidas já adotadas por outros governos. Que tipo de medida seria inovadora?       

Ibsen – Uma delas é fazer de novo aquilo que foi bem feito. Por exemplo: a privatização da Companhia de Riograndense de Telecomunicações, a nossa CRT. Tem gente que até hoje acusa o Antonio Britto (governo que privatizou a CRT e outras instituições do Estado) de ter privatizado a CRT. A CRT era uma empresa que tinha uma característica singularíssima: não tinha telefone para vender e custava uma fortuna ao aparelho do Estado. Ela foi vendida, deixou um dinheiro no cofre e hoje todo mundo tem telefone, e o Estado arrecada em ICMS da telefonia uma CRT por ano. Então, fazer de novo isso, na minha avaliação, é inovar. Houve um preconceito contra a diminuição do Estado para aumentar a sua eficiência, não para fragilizá-lo.

O que defendo, e acho que sou majoritário no meu partido, é que nós tenhamos um Estado com força, com energia, hígido, saudável, magro, nervoso para responder aos estímulos, em vez desse Estado enxundioso, pesadão, intrometido onde não deve, ineficiente onde deve. Discutir a política tributária é fundamental nessa hora, estamos muito longe da Suécia onde a carga tributária é de 50%.  Me dizem: mas lá o serviço é bom, então o que está errado aqui é o serviço, vamos cuidar disso. Vamos ter uma carga tributária compatível e vamos prestar serviço. Por isso, é que defendo que tanto no governo federal quanto no governo estadual se fizer o trivial, é fracasso. A União ainda tem recursos infinitamente maiores, a carga tributária é a favor e ainda a máquina de emitir dinheiro, tem mais mecanismos de sobrevivência e ainda assim estão se esgotando. É preciso que a União siga no caminho do ajuste, acentue alguns ajustes, contrarie interesses, busque o apoio dos milhões que estão de fora dos privilégios. Esse é o caminho, que se não seguir fracassa, se seguir pode consagrar. Aí aqueles candidatos do ano que vem (a prefeito) vão dizer: participei dessa mudança e faz voto também.

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