Mudança de hábito

Quando o assunto é onde investir o dinheiro, brasileiro confia mais nele mesmo e prioriza opções conservadoras. Rever escolhas, daqui para frente, pode ser a decisão mais lucrativa. Ações são o investimento preferido no mundo, e os que menos investem são os latino-americanos

Mudança de hábito
Mudança de hábito (Foto: Edição/247)


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Luciane Macedo _247 - Os hábitos financeiros adquiridos por grande parte dos brasileiros na onda dos juros altos e rentabilidades fartas, com segurança nas aplicações e sem muito trabalho para pesquisá-las, podem ser prejudiciais à saúde do bolso daqui em diante. Com a expectativa de juros reais na casa dos 2%, o comodismo com velhos hábitos e a preguiça de explorar novas possibilidades serão fatais para o crescimento do patrimônio e podem custar caro ao investidor. Priorizar o conservadorismo nas escolhas e atitudes também cobrará seu preço no portfólio, assim como tomar decisões de investimentos por impulso e sem informação, hábito em que os brasileiros são os campeões no mundo.

Pesquisa da consultoria Nielsen mostrou que, quando o assunto é finanças pessoais e onde aplicar o dinheiro, a maioria dos investidores confia apenas em si mesmo e mais ninguém. É assim no Brasil e no resto do mundo (veja abaixo). A atitude é salutar, desde que se esteja bem informado, bem assessorado ou ambos. Claro que a responsabilidade última é sempre do investidor, mas contar com ajuda profissional é, também, um investimento. Especialmente quando as dúvidas persistem ou, pior, quando perdas significativas se acumulam ao longo do tempo, sinal de que é preciso rever a distribuição do capital e a diversificação nas aplicações.

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São poucos os investidores com tarimba suficiente para distinguir "micos", que estão "comendo" as rentabilidades, de pequenas flutuações na carteira, que podem ser superadas. Sem falar que sair de uma aplicação antes do tempo também pode custar mais caro que o necessário -- em Imposto de Renda, outros tributos e taxas ou venda com uma margem de prejuízo que poderia ter sido melhor calculada, como é o caso com ações.

O Brasil tem a taxa mais alta das decisões tomadas por impulso: 7% dos investidores têm este hábito, enquanto que a média global é de 4%. O brasileiro também confia menos na ajuda de um profissional (16%, média global de 20%) do que em dicas de amigos e familiares (17%) ou de especialistas na internet ou na imprensa (18%). No mundo, os que mais confiam nos planejadores financeiros profissionais são os norte-americanos (23%). Eles também se destacam por ser os que menos dão ouvidos aos palpites de parentes e amigos (16%) e os que menos tomam decisões desinformadas e por impulso (3%).

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Quando se trata de percepção e tolerância ao risco, o brasileiro se mostra o mais conservador do mundo na pesquisa da Nielsen. Dos investidores consultados, 38% disseram serem conservadores, mas aceitam pequenas flutuações, de cerca de 5%, no valor de sua carteira de investimentos. A média global do conservadorismo é dez pontos abaixo.

Maior ainda é a disparidade entre os que não aceitam perdas e se preocupam muito com qualquer volatilidade: no Brasil, são 35% dos investidores, contra uma média global de 19%. Apenas 2% dos brasileiros aceitam volatilidade em torno de 15% na carteira, com o objetivo de ter ganhos no longo prazo, e só 5% aceitam possíveis perdas de cerca de 20% com o objetivo de ter o maior retorno possível em seus investimentos. As médias globais são de 17% e 7%, respectivamente.

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O conservadorismo do brasileiro também se revela nas escolhas dos ativos. O investimento em ações bate as outras aplicações e é preferido no mundo, menos na América Latina. Os asiáticos são os que mais investem em ações (73%), os norte-americanos aparecem em segundo lugar na preferência (67%), enquando que apenas 29% dos latino-americanos e 27% dos brasileiros investem no principal ativo das Bolsas de Valores. Os fundos de investimento são os queridinhos dos brasileiros, liderando como aplicação de 42% dos investidores.

Temeridade

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Para o educador financeiro Mauro Calil, autor de "Separe uma Verba para Ser Feliz" (Editora Gente), o problema de confiar apenas em si mesmo, no caso do brasileiro, é que esta atitude geralmente vem de mãos dadas com a desinformação.

"A falta de educação financeira com excesso de confiança é uma temeridade no caso do Brasil, prova disso é que a poupança mudou e bateu recordes de arrecadação, então o brasileiro confia em si mesmo e faz a bobagem sozinho", comenta Calil.

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"A ânsia dos gerentes de banco em bater cotas oferecendo produtos que nem são de investimento também prejudica o brasileiro na sua tomada de decisões, ele perde a razão quando assina o contrato na agência, e aquela conversa pessoal com o gerente não é gravada", observa o educador financeiro. "A orientação inadequada na grande rede bancária de varejo aliada à falta de informação resultam neste comportamento temerário do brasileiro".

O aspecto da confiança quando o assunto é investimentos é ainda mais vital quando se movimenta grandes somas de dinheiro. "A última pessoa em quem você deve confiar é quem está envolvido no negócio, porque existe conflito de interesse", assinala Calil. "O melhor é procurar a orientação de uma pessoa isenta".

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Aversão ao risco

"O brasileiro tem essa preferência pelos fundos de investimento pela conveniência de deixar na mão de alguém, e também é um produto que tem alta distribuição", avalia o educador financeiro. "O investidor tem muito o hábito de olhar a lâmina do fundo, ver a rentabilidade passada e escolher por aí, embora ela não seja garantia nenhuma de ganhos futuros".

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As escolhas e o conservadorismo do brasileiro também estão relacionados à própria instabilidade de suas finanças no dia-a-dia. "A vida financeira do brasileiro é cheia de altos e baixos, hoje ele gasta R$ 2 mil no shopping, amanhã não faz seguro, então, para compensar a instabilidade na vida diária, ele foge do risco quando vai escolher as aplicações", observa Calil. "A aversão ao risco é um reflexo da instabilidade financeira na vida".

Aos que toleram risco zero nas aplicações, a boa notícia é que existe vida além da poupança e com ganhos melhores. "Só com aplicações garantidas até R$ 70 mil pelo FGC (Fundo Garantidor de Créditos), como CDBs fora das grandes redes de varejo e LCI (Letras de Crédito Imobiliário), dá para ter rentabilidades de 30% a 40 % maiores que na poupança", orienta o educador financeiro.

Na renda variável, Calil lembra que os fundos de investimento imobiliário (FII) "têm uma segurança interessante e menos volatilidade que ações", e o investidor não precisa pagar Imposto de Renda sobre o rendimento mensal das cotas. "Em ações, o único caminho para formar patrimônio hoje é investir pequenas quantias devagar e sempre", avalia Calil. "Entre cinco e dez anos, aplicando entre 2% e 3% da renda mensal".

Quem quiser rentabilidades reais acima da média é bom que amplie seus horizontes para além da mesa do gerente do banco, e faça, no mínimo, uma revisão atenta da sua carteira de investimentos. E começar a ter alguma tolerância à volatilidade é recomendável.

"De 2003 para cá, tivemos uma queda na Selic de 26,5% para 8% ao ano", lembra Calil. "Pouco importava para o cliente do banco, porque ele via o seu dinheiro dobrar em pouco tempo, e agora não dobra nem em dez anos", observa o educador financeiro. "O conservadorismo com tolerância zero à volatilidade não vai ser bom daqui para a frente, principalmente para quem é assalariado e está começando no mundo dos investimentos".

Renato Roizenblit, gestor de recursos da SLW Corretora, concorda que o longo período de ganhos fáceis com baixo risco e pouca sofisticação fez com que o investidor não tivesse a necessidade de entender alternativas de investimento, um hábito que, avalia, terá de mudar.

"É como um filho que, recebendo mesada na vida adulta, tem menos incentivo para engolir sapo no trabalho, porque ele tem uma estrutura que o protege", comenta o gestor. "Hoje, com a Selic em 8% ao ano, quem quiser rentabilidades boas vai ter que buscar o risco, que nada mais é que a imprevisibilidade em relação ao investimento, então cabe às pessoas se educarem para ter um portfólio mais eficiente".

A tolerância ao risco é uma questão emocional, avalia Roizenblit, mas se o investidor entender bem o produto, ele aceita pequenas oscilações na carteira com mais naturalidade quando elas ocorrem, e pode tomar decisões com menos chance de erro. "Daqui para a frente, a Bolsa vai ter que necessariamente compôr o portfólio", orienta. "É claro que hoje temos fatores que aumentam a aversão ao risco, o que deixa a percepção da Bolsa menos interessante, mas há uma série de empresas indo bem", assinala o gestor, lembrando que a Bolsa não é só o Ibovespa.

"Quem quiser resultados melhores na sua carteira de investimentos não pode ter sempre os mesmos hábitos ou ir atrás do gerente do banco para saber o que rende mais", enfatiza Calil. E arremata: "Loucura é querer um resultado diferente fazendo o que você sempre fez".

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