Programa de Alckmin deixou 52 mil usuários de drogas sem acolhimento

Em relatório anual, o TCE-SP aponta ainda que entre os 498 municípios do estado que sinalizaram ter como problema social o uso indevido ou abusivo de substâncias psicoativas, 269 deles afirmaram não possuir serviços e/ou ações para dar conta da demanda, deixando desamparada uma população estimada em 52.392 pessoas

Programa de Alckmin deixou 52 mil usuários de drogas sem acolhimento
Programa de Alckmin deixou 52 mil usuários de drogas sem acolhimento (Foto: Esq.: Rovena Rosa - ABR / Dir.: Fabio Pozzebom - ABR)


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Por Beatriz Drague Ramos, da Rádio Brasil Atual e Clara Assunção, da RBA - A menos de três semanas do primeiro turno das eleições, as ações policiais e abordagens midiáticas sobre usuários que fazem uso problemático de substâncias psicoativas na região conhecida como Cracolândia, no centro de São Paulo, têm sido menos visíveis, da mesma forma que, após três mandatos, totalizando 12 anos de gestão à frente da situação (2001-2006 e 2011-2018), o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), candidato à presidência da República, tem tratado o tema, não apresentando nenhuma proposta de assistência aos usuários em seu plano de governo.

Até mesmo o programa "Recomeço: Uma nova Vida Sem Drogas", aplicado no estado paulista pelo tucano, não é mencionado nas nove páginas em que discorre sobre as diretrizes gerais de um possível mandato. Alvo de críticas e elogios, a política de tratamento para usuários de drogas é marcada por ter como pilar de metodologia a abstinência, o que para a psicóloga e coordenador do centro de convivência É de Lei, Maria Angélica Comis, inverte toda a lógica de cuidados e redução de danos que coloca a privação de substâncias na última ponta do tratamento.

"Isso muitas vezes pode afastar as pessoas do cuidado, porque elas não conseguem ficar abstinentes e acabam tendo maiores dificuldade de adesão a esse tipo de programa", analisa a coordenadora. Pelo Recomeço, o usuário que tem seu quadro avaliado pode ser encaminhado para instituições médicas, Centro de Atenção Psicossocial (Caps) ou ainda para Comunidades Terapêuticas.

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Previstas desde 2010 pelo Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack, do governo federal, as comunidades terapêuticas funcionam como espaços de internação temporária para superação da dependência e reintegração dos usuários na sociedade, no entanto, marcadas principalmente pelo viés religioso, sobretudo cristão, especialistas como o agente comunitário de saúde que atua nas cenas de consumo de drogas da região da Luz, Linaldo Fernandes, advertem que o atendimento não dá conta da demanda de diversidade da sociedade.

"Não é que a gente critique (o programa) e diga que não é válido, porque todo tipo é válido, terão pessoas que vão se encaixar com esse processo e dará certo, mas não é para todos", afirma Fernandes, acrescentando que as comunidades terapêuticas, por não trabalharem na lógica do cuidado em liberdade atuam em uma espécie de "mundo idealizado". "É muito fácil você ficar trancado onde não tem drogas, em um lugar idealizado. É ideal aquele lugar, mas quando você sai para a realidade, que você se depara que tem pouca escolaridade, é pobre, negro, sofre discriminação, preconceitos, isso fragiliza novamente", descreve.

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Em relatório anual, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) aponta ainda que entre os 498 municípios do estado que sinalizaram ter como problema social o uso indevido ou abusivo de substâncias psicoativas, 269 deles afirmaram não possuir serviços e/ou ações para dar conta da demanda, deixando desamparada uma população estimada em 52.392 pessoas.

Acompanhada da insuficiência no número de vagas oferecidas, o relatório do TCE-SP também indica que nenhuma das 26 Diretorias Regionais de Assistência e Desenvolvimento Social (Drads) fizeram o trabalho de fiscalização das moradias assistidas, repúblicas, casas de passagem e comunidades terapêuticas, vinculadas ao Programa Recomeço. Ao contrário, só entre as comunidades, nove clínicas foram descredenciadas nos últimos dois anos, por denúncias de violações aos direitos humanos feitas pelos próprios pacientes.

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Para o fundador do movimento "A Craco Resiste", Raphael Escobar, existem interesses econômicos no programa – que tem como coordenador, o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, entusiasta das comunidades terapêuticas. "O programa Recomeço, a intenção inicial, era com certeza fazer a internação em massa, é um projeto que é do Laranjeiras, tem todo um lance que é capitalização de paciente, é uma ideia quase que parecida com privatização de cadeia", avalia.

O que pode vir de herança

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Após anunciar o "fim da Cracolândia", no centro de São Paulo, o plano de diretrizes do candidato ao governo do estado João Doria (PSDB) informa apenas a promessa de reproduzir o Projeto Redenção, atual programa municipal aplicado na capital paulista que é, em sua visão, bem sucedido, mas duramente criticado por estudiosos, principalmente pelas marcas das ações truculentas da polícia. À reportagem, a prefeitura destaca que, entre 2017 e 2018, foram realizadas 7.006 internações voluntárias e que a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social encaminhou 28 pessoas para o Trabalho Novo – programa que insere pessoas em situação de rua no mercado de trabalho – no mesmo período.

No entanto, para a coordenadora Maria Angélica, na prática, o projeto não saiu do papel e não apresenta avanços. "De avanço ele não tem muita coisa porque me parece que ele não saiu muito bem do papel. São estratégias estruturais que vão contribuir para que o indivíduo não fique em alta vulnerabilidade ou então diminua a vulnerabilidade na qual se encontra. O que o Redenção está fazendo para isso, a gente não sabe", critica.

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De acordo com o levantamento do perfil de usuários de drogas da Cracolândia, elaborado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Seds), em relação a 2016, foi constatado um crescimento de 160% no número de pessoas que frequentam o "fluxo" nas cenas de uso da Luz, chegando a uma média de 1.861 pessoas, contra as 709 registradas anteriormente.

Na visão de Linaldo Fernandes, que também é ex-usuário, o aumento de frequentadores pode ser explicado, em parte, pelo descaso com as diferenças e potencialidades das pessoas que fazem uso problemático de substâncias como álcool e crack, e pela própria lógica de guerra e repressão ao uso de drogas, em detrimento das políticas de cuidado. "A gente não consegue escutar essas pessoas porque elas estão excluídas, não estão falando, não têm acesso à fala. Queremos ouvir essas pessoas também, porque ao ouvi-las elas também se ouvem", propõe.

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