No país da delação, Cunha pode dar o golpe premiado

"Depois da delação premiada, temos o golpe premiado. Atingido por provas fortíssimas, fatais, Eduardo Cunha está condenado a cumprir qualquer oferta e aceitar todo tipo de acordo oferecido pela oposição em troca de alguma impunidade no futuro – a começar pelo encaminhamento de um pedido de impeachment sem nenhuma prova contra Dilma Rousseff", diz o colunista Paulo Moreira Leite; "A queda de Severino Cavalcanti em 2005, atingido por denúncias que parecem até inocentes nos dias de hoje, mostra que os parlamentares comprometidos com a democracia e a defesa da soberania popular não têm alternativa a não ser enfrentar Cunha antes que seja tarde demais"; confira a íntegra

Rio de Janeiro - O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, encerra o 5º Congresso Fluminense de Municípios, em Copacabana.
Rio de Janeiro - O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, encerra o 5º Congresso Fluminense de Municípios, em Copacabana. (Foto: Paulo Moreira Leite)


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Na volta aos trabalhos do Congresso após aos feriados, a postura de temor reverencial é a pior atitude que se pode assumir diante da desenvoltura de Eduardo Cunha, presidente da Câmara de Deputados.

Acusado de possuir quatro contas na Suíça que receberam pelo menos US$ 5 milhões em propinas, conforme dizem o Ministério Público daquele país e o MP Federal, Eduardo Cunha não demonstra possuir limites ou escrúpulos de qualquer natureza para a defender aquilo que considera seus interesses.

O estudo da experiência histórica de 2005, quando a Câmara levou menos de 20 dias para inutilizar Severino Cavalcanti (PP-PE), denunciado por embolsar uma trivial mesada de R$ 10 000 para favorecer um dono de restaurante, mostra que em 2015 os deputados comprometidos com a democracia estão condenados a enfrentar Eduardo Cunha – ou permitir que o país venha pagar um altíssimo preço por isso.

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Acusado por provas muito fortes, infinitamente  mais consistentes do que a maioria dos indícios usados para conduzir a maioria dos investigados da Lava Jato para a prisão antes do julgamento, a permanência de Eduardo Cunha como segundo nome na linha sucessória da República tornou-se um escárnio e um risco. Não interessa o que eu e você pensamos dele. Interessam as provas.

Elas afrontam aquele mínimo de dignidade sem a qual um regime democrático não tem meios de sobreviver nem impor regras de conduta para seus membros, do cidadão comum ao ministro mais engalanado.

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Todo movimento destinado a preservar o porte de arma – digamos assim – e a plenitude de poderes de uma autoridade ferida por denuncias fortíssimas e fatais é uma gigantesca irresponsabilidade. Enquanto tiver chances de sobreviver, Cunha estará condenado a agir em função exclusivamente de suas próprias necessidades, com os métodos que conhecemos.

Nós sabemos de onde vem a força que protege Eduardo Cunha. Pela mais infeliz das coincidências, embora não tão casual assim, caberá a ele, a partir de hoje, tentar deliberar pelo destino dos pedidos de impeachment contra Dilma Rousseff, presidente que pode ser alvo de todas as críticas – mas contra quem não pesa uma única prova real, um fiapo, uma mancha suspeita, muito menos documentos sobre quatro contas na Suíça. Mais do que qualquer coisa, essa situação torna a simples possibilidade de que Eduardo Cunha possa deliberar sobre uma investigação sobre a presidente uma hipótese especialmente absurda – não fosse particularmente reveladora sobre os compromissos de quem trabalha pelo afastamento da presidente sem preocupar-se com o necessário fundamento jurídico.

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Como diz a Folha em editorial de hoje, o presidente da Câmara não "tem credibilidade para julgar o impeachment de quem quer que seja."

Este é justamente o jogo, e por isso é perigosíssimo. Cunha não tem o que perder.

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Alguém duvida das ofertas possíveis, caso ele aceite promessas de impunidade futura em troca de um serviço que só ele está em condições de prestar? Cabe alguma dúvida de que, ferido de morte, nada mais procure do que um abrigo, quem sabe uma vingança? Estamos falando em isenção, desprendimento?

Se eu fosse o José Simão, diria que passamos da delação premiada para o golpe premiado.

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Não é Dilma nem seu governo que enfrentam uma situação de risco a partir de hoje. É o país, são as conquistas democráticas consolidadas pela Constituição de 1988.

Não custa lembrar, contudo, que a derrota da democracia, hoje, não é um destino inevitável.  

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Em setembro de 2005, apenas dezoito dias depois da publicação da notícia de que recebia uma mesada de R$ 10 000 para favorecer o dono de um restaurante da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE) foi forçado a renunciar a presidência da Câmara a  partir de uma revolta do plenário.  

A queda de Severino Cavalcanti, empossado oito meses antes no cargo, não foi uma fatalidade. Tampouco envolveu um grande lance de astucia nos bastidores. Foi produto, essencialmente, de uma iniciativa corajosa e competente do deputado Fernando Gabeira. É possível fazer críticas (e elogios) a Gabeira em função de várias atitudes que tomou ao longo da sua história. Mas não há como negar seu mérito em 2005.

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Foi Gabeira quem teve a audácia de colocar a  saída de Severino na ordem do dia, dando a senha para uma revolta do plenário contra um presidente da Câmara que fora eleito oito meses antes, derrotando um candidato de Lula com apoio do baixo clero e abençoado pela oposição, inclusive as raposas mais perfumadas da Casa.

Com uma postura firme e eficiente, Gabeira fez uso adequado de instrumentos que todo parlamentar tem direito: colocar uma questão de ordem e recorrer ao plenário quando a mesa não atende ao pleito. Rompido com Lula e com o PT, falava em nome de uma sigla minúcula, o PV. Mas demonstrou capacidade de articulação para atingir seus objetivos, numa ação que demonstrou clareza e vontade política. Gabeira prometeu, ao microfone, que iria destruir Severino Cavalcanti. Cumpriu o prometido.

É útil é reconhecer inúmeras diferenças entre o país de hoje e o de 2005. Eleito com ajuda da oposição, Severino logo tratou de se compor com o governo. Era menos inocente do que se supunha. Foi a pedido dele que o Partido Popular conseguiu emplacar o engenheiro Paulo Roberto Costa na diretoria de Abastecimento da Petrobras. A queda de Severino serviu, assim, para atingir o governo Lula e contou com apoio incondicional dos meios de comunicação por causa disso.

A cobertura vergonhosa dos jornais e especialmente das revistas sobre a descoberta de provas contra Cunha não deixa dúvidas sobre a opção de preservar o homem de 5 milhões de dólares como instrumento contra Dilma. Isso explica o arrependimento tucano, ontem, quando os golpistas mais desenfreados recuaram da promessa de abandonar o presidente da Câmara, anunciada quando as provas se tornaram visíveis demais. 

Com a franqueza de sempre, o também enrolado Paulinho da Força defendeu a aliança com Cunha, argumentando que era preciso " desfazer essa m..."

Não cabe ter dúvidas, porém, do apoio da maioria dos brasileiros ao afastamento do presidente da Câmara.

Também cabe assinalar a essencial: a situação agora é muito mais grave e os riscos, muito piores. Severino era uma ameaça  real para os cofres públicos. Eduardo Cunha engloba e vai muito além. Sua presença, a frente da Câmara, é uma ameaça a democracia. Em 2015, não é preciso perguntar quem dará o golpe. Com Eduardo Cunha e seus aliados, o golpe está anunciado.

Só resta saber como os representantes do povo, aqueles que encarnam a soberania popular, irão agir para barrar tão insensata aventura.

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