Como sempre, o lado mais fraco paga a conta

"Num país onde um dos Princípios Fundamentais da Constituição fala em 'erradicar a pobreza' e 'combater a desigualdade', os efeitos econômicos da Lava Jato agravam a recessão e criam um ambiente de incerteza que dificulta toda tentativa de recuperação. Os mais pobres pagam sempre, mesmo quando um banqueiro como André Esteve é mantido numa cela de Bangu, sem nenhuma prova para incriminá-lo", diz Paulo Moreira Leite; colunista dá como exemplo a saída do banco BTG, "esfolado por um prejuízo jurídico-midiático de R$ 15 bilhões", dos programas de moradia popular da prefeitura de São Paulo, "o que irá sacrificar milhares de empregos na construção civil e agravar a crise habitacional na maior cidade brasileira"

"Num país onde um dos Princípios Fundamentais da Constituição fala em 'erradicar a pobreza' e 'combater a desigualdade', os efeitos econômicos da Lava Jato agravam a recessão e criam um ambiente de incerteza que dificulta toda tentativa de recuperação. Os mais pobres pagam sempre, mesmo quando um banqueiro como André Esteve é mantido numa cela de Bangu, sem nenhuma prova para incriminá-lo", diz Paulo Moreira Leite; colunista dá como exemplo a saída do banco BTG, "esfolado por um prejuízo jurídico-midiático de R$ 15 bilhões", dos programas de moradia popular da prefeitura de São Paulo, "o que irá sacrificar milhares de empregos na construção civil e agravar a crise habitacional na maior cidade brasileira"
"Num país onde um dos Princípios Fundamentais da Constituição fala em 'erradicar a pobreza' e 'combater a desigualdade', os efeitos econômicos da Lava Jato agravam a recessão e criam um ambiente de incerteza que dificulta toda tentativa de recuperação. Os mais pobres pagam sempre, mesmo quando um banqueiro como André Esteve é mantido numa cela de Bangu, sem nenhuma prova para incriminá-lo", diz Paulo Moreira Leite; colunista dá como exemplo a saída do banco BTG, "esfolado por um prejuízo jurídico-midiático de R$ 15 bilhões", dos programas de moradia popular da prefeitura de São Paulo, "o que irá sacrificar milhares de empregos na construção civil e agravar a crise habitacional na maior cidade brasileira" (Foto: Paulo Moreira Leite)


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Falando dos planos de trabalho da força-tarefa do Ministério Público encarregada da Lava Jato, um procurador ouvido pela Folha de São Paulo (17/1/2015) empregou a seguinte imagem para se referir a prisões e operações grandiosas que devem ocorrer daqui para a frente: "Há bolas quicando e não podemos perder a chance de chutar para o gol", disse.

Nós sabemos que os brasileiros são favoráveis a que se apure casos de desvios de corrupção em todas as áreas, em particular numa empresa do porte da Petrobras. Num trabalho de décadas, está na cara que se construiu um esquema de abusos e desvios com vida própria, qualquer que fosse o governo no comando do Estado. Mas é claro que a discussão sobre "bolas quicando" não é esta.

Consiste em saber se é razoável, em nome de uma investigação, desmantelar uma empresa construída com o sacrifício de sucessivas gerações de brasileiros desde sua criação, em 1952, empregando métodos que prejudicam o país, reduzem o emprego e o crescimento. Esta é a "bola quicando" em 2016. Não custa lembrar, sempre: consultores do próprio  PSDB sustentam que a Lava Jato causou uma queda de 2 pontos no PIB (que caiu 3 pontos em 2015) e gerou uma queda de R$ 45 bilhões na massa salarial.

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Para além dos efeitos objetivos, cabe assinalar os resultados subjetivos: a perda de confiança, indispensável para qualquer esforço para retomar investimentos e inverter uma tendência negativa, que ameaça  derrubar a economia para um patamar ainda pior até o final do ano. Qual é o gol, neste caso: recessão de 7%, para lembrar a derrota para a Alemanha no Mineirão? Desemprego a 11.7%, para lembrar o último ano de FHC no Planalto?

É uma perspectiva grave, quando se recorda que um dos Princípios Fundamentais da Constituição de 1988 consiste, justamente, em "erradicar a pobreza" e "combater a desigualdade regional e social".

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Isso não quer dizer, obviamente, que deve-se tolerar práticas de corrupção que  corroem o regime democrático e reproduzem privilégios inaceitáveis entre quem tem acesso -- e quem não tem -- a benefícios do Estado. Mas quer dizer que não se pode aceitar iniciativas que estimulem a miséria e a desigualdade porque isso vai contra um Princípio Fundamental.

Ao se mobilizar para impedir os acordos de leniência, por exemplo, a força-tarefa tenta punir, com o desemprego, milhões de brasileiros que não têm nenhuma responsabilidade pelos desvios e desmandos cometidos pelos executivos das empresas onde trabalham. Essa é a perspectiva.Tornar qualquer recuperação mais difícil e incerta pois a prioridade é punir aqueles que se julga -- e nem sempre se prova -- corruptos.

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Referindo-se a uma decisão recente da força-tarefa, a Folha informa ainda: "iniciadas em 2009, as investigações  devem durar ao menos mais três anos  graças ao 'estoque' acumulado de indícios de crimes que levarão a 'inúmeras operações'".  

Vamos pensar um pouco. Dentro de dois anos e onze meses a presidente Dilma Rousseff terá deixado a presidência da República. O mesmo vale para os 27 governadores de Estado.  Cassado ou não, dentro ou fora da cadeia, Eduardo Cunha não será mais presidente da Câmara. Ricardo Lewandovski já terá deixado a presidência do Supremo Tribunal Federal, para ser substituído por Carmen Lúcia, a próxima na linha de sucessão -- que também terá encerrado seu período na presidência do STF. Eleitos ou reeleitos no final de 2016, depois de "ao menos três anos" os prefeitos de  5000 municípios brasileiros estarão na segunda metade de seus mandatos. Na Procuradoria Geral da Republica, Rodrigo Janot também terá cedido seu lugar. A maioria dos comandantes militares terá sido substituída. Idem para as estatais, a começar pela Petrobras.

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Enquanto isso a força tarefa prossegue em seu calendário próprio, como um poder a parte, que  manda investigar, intimida, constrange e paralisa, segue seu curso, sem prestar contas a ninguém.  Vaza o que será provado e também o que não será provado. Não importa. Importa a tensão, a incerteza.

É uma situação de terror -- e não se deve ter medo de chamar as coisas pelo nome. Atuando à margem da clássica divisão de poderes -- executivo, legislativo, judiciário -- temos uma situação construída pela guilhotina francesa de 1792, quando julgamentos sumários abriram caminho para a restauração monárquica e o retorno da grande burguesia ao palácio. 

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Algo semelhante com a Mãos Limpas italiana, que promoveu uma limpeza ética no regime político daquele país que consagrou bunga-bunga Silvio Berlusconi?  

Para entender o Brasil de 2016, pegue-se o triste destino do banqueiro André Esteves, do BTG. Passou quinze dias numa cela infecta de Bangu. Libertado sem que se comprovasse uma única denúncia de corrupção, voltou para casa R$ 15 bilhões mais pobre. (Somando-se aquilo que se diz e se prova, e também o que se diz e não se prova, estamos falando de uma soma jamais alcançada, mas nem de muito longe, pelos escândalos da Petrobras.)

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A operação contra André Esteves atingiu os fundos de investimentos do banco. Especuladores e rentistas sofreram perdas amargas.

Num país com uma desigualdade histórica,  em parte diminuída na última década, é fácil alimentar um ressentimento difuso que se consola com a injustiça contra um empresário endinheirado,  como já perceberam diversos jornalistas que aprenderam a usar  argumentos "de esquerda" para elogiar práticas que levam a governos de direita. Nada de novo pelo menos desde "1984," romance em que George Orwell denuncia a manipulação da linguagem e inversão deliberada de conceitos políticos como forma de domínio social. Hitler e Mussolini nunca deixaram de denunciar grandes capitalistas quando era necessário.

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Neste universo, a Lava Jato seria aceitável porque um punhado de muito ricos foi colocada atrás das grades.

O grave na verdade ocorreu no patamar de baixo.

O BTG era o principal investidor privado nos planos de moradia popular da prefeitura de São Paulo, a maior cidade brasileira. Quem perdeu com a prisão sem base real do banqueiro?  A população de baixa renda. O operário  que tinha uma chance de emprego nesse mercado sinistro e escasso. A família que estava na fila da casa própria. Numa única lição aproveitável de um episódio monstruoso, a prisão de um banqueiro bilionário ajudou a mostrar a importância universal dos direitos individuais, lembrando de uma vez por todas que a parte mais fraca é sempre a mais prejudicada quando essas garantias não são respeitadas.

Creio não haver imagem melhor para o Brasil de hoje.

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