Caso Dreyfus e Lava Jato: algo em comum

"Fraude histórica que serve de lição universal a todos aqueles que têm interesse real em impedir desvios e abusos em decisões da Justiça, inclusive nas investigações sobre corrupção no Brasil de nossos dias, em particular na Lava Jato, o caso Dreyfus tem muito a ensinar aos brasileiros de hoje", escreve Paulo Moreira Leite, sobre o escândalo político que dividiu a França por muitos anos no fim do século 19 e no qual, como lembra PML, "jamais foi dado espaço para os argumentos da defesa"; para o jornalista, uma das principais lições que o caso deixa para o Brasil "envolve o direito de toda pessoa ser tratada como inocente até que se prove o contrário"; leia a íntegra

"Fraude histórica que serve de lição universal a todos aqueles que têm interesse real em impedir desvios e abusos em decisões da Justiça, inclusive nas investigações sobre corrupção no Brasil de nossos dias, em particular na Lava Jato, o caso Dreyfus tem muito a ensinar aos brasileiros de hoje", escreve Paulo Moreira Leite, sobre o escândalo político que dividiu a França por muitos anos no fim do século 19 e no qual, como lembra PML, "jamais foi dado espaço para os argumentos da defesa"; para o jornalista, uma das principais lições que o caso deixa para o Brasil "envolve o direito de toda pessoa ser tratada como inocente até que se prove o contrário"; leia a íntegra
"Fraude histórica que serve de lição universal a todos aqueles que têm interesse real em impedir desvios e abusos em decisões da Justiça, inclusive nas investigações sobre corrupção no Brasil de nossos dias, em particular na Lava Jato, o caso Dreyfus tem muito a ensinar aos brasileiros de hoje", escreve Paulo Moreira Leite, sobre o escândalo político que dividiu a França por muitos anos no fim do século 19 e no qual, como lembra PML, "jamais foi dado espaço para os argumentos da defesa"; para o jornalista, uma das principais lições que o caso deixa para o Brasil "envolve o direito de toda pessoa ser tratada como inocente até que se prove o contrário"; leia a íntegra (Foto: Paulo Moreira Leite)


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Fraude histórica que serve de lição universal a todos aqueles que têm interesse real em impedir desvios e abusos em decisões da Justiça, inclusive nas investigações sobre corrupção no Brasil, o caso Dreyfus tem muito a ensinar aos brasileiros de hoje.

Um dos pontos básicos envolve o direito de toda pessoa ser tratada como inocente até que se prove o contrário.

Parece fácil mas não é – muito menos em situações de tumulto político e grandes incertezas em pauta.

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Para a maioria dos meios de comunicação do Brasil de 2016, a Lava Jato não deve ser submetida ao contraditório, a discordância, nem mesmo a uma crítica leve. A exigência é adesão absoluta, como prova a reação dos jornais à publicação de um manifesto assinado por 104 advogados, denunciando abusos contra prisioneiros submetidos a prisões preventivas, que cumprem a finalidade óbvia de produzir delações.

Evitando entrar no mérito daquilo que o manifesto denuncia – o que seria sempre delicado e mais difícil –, nossos jornais e jornalistas preferem fazer insinuações vergonhosas, de caráter moral, sobre os honorários dos advogados. Compreende-se. É sempre difícil fazer um debate sério e complexo, sobre democracia, Justiça e Direitos Humanos.

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Tão ciosos do direito de defesa quando envolve seus próprios interesses sempre que precisam dar explicações a Justiça, inclusive para proteger o sigilo da fonte e combater o Direito de Resposta, nossos veículos assumiram a postura típica de porta-vozes de todo pensamento  autoritário: criminalizar o trabalho dos advogados.  

Sem ruborizar, sem fazer nenhum tipo de auto avaliação, vivem um retrocesso histórico. 

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Depois de décadas de textos interesseiros e bajulatórios, de quem fingia desconhecimento de fatos condenáveis que agora se denuncia em tom de afetada indignação, ampliam o coro da denúncia seletiva, do ataque em toda linha, contra empresas que ajudaram a construir e proteger em reportagens de puxa-saquismo exemplar.

Em sua mais recente expressão, querem impedir, de qualquer maneira, civilizados acordos de leniência que podem salvar o que for possível da 7ª economia do planeta.

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Você pode ter a opinião que quiser sobre a Lava Jato, sobre os acusados, sobre o juiz Sérgio Moro, sobre o PT e Lula, sobre as empreiteiras.  

Só precisa saber que, na vida real de uma sociedade como a nossa, aquilo que chamamos de verdade e mentira – e também culpa e inocência -- não é fruto de geração espontânea. Envolve construções sociais, produzidas pelo direito de falar e ouvir, argumentar, apresentar sua versão dos fatos, seja num tribunal, seja perante dezenas de milhões de pessoas.

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Não estamos falando de realidades metafísicas, nem de entidades espirituais. Mas de instituições que devem assegurar esses direitos.

Essa é a utilidade do caso Dreyfus, uma fraude que levou dez anos para ser inteiramente desmascarada, na França, um país que a maioria das pessoas considera culto e civilizado, onde nunca se pensou que a liberdade pudesse estar ameaçada.

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Desprezada pelos principais jornais da época, que jamais deram espaço para os argumentos da defesa, a família de Dreyfus decidiu investir uma fortuna – sim, eles eram judeus muito ricos, e isso sempre foi usado em tom de suspeita – no conhecimento da verdade.

Não se limitaram a contratar advogados, obviamente. Sem direito a palavra, também contrataram um jornalista, Bernard Lazare, que fez as primeiras investigações independentes, que permitiram chegar aos primeiros sinais de inocência do capitão, já julgado e condenado.

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As informações reunidas por Lazare permitiram – mas isso só aconteceu quatro anos após o julgamento – a publicação do artigo Eu Acuso, de Emile Zolah. Vamos entender o que ocorreu. Dreyfus já fora conduzido a Guiana, onde era mantido acorrentado sob o sol do Equador, dia após dia, por mais de três anos, quando surgiu um primeiro artigo -- talvez fosse melhor chamar de panfleto -- denunciando as contradições do caso.

Tratado como exemplo heroico do jornalismo daqueles dias, na vida real o Eu Acuso foi aquilo que no Brasil de hoje se define como o ponto fora da curva. Uma raridade absoluta num ambiente de adesismo e glorificação.

Hoje celebrado em coquetéis de fim de curso de jornalismo, Zolah foi perseguido, processado e condenado à prisão.

Criado e estimulado pela maioria dos jornais da época, que disputavam manchetes em tom popularesco para denunciar Dreyfus, num tempo em que a palavra “judeu” era empregada sempre num tom criminal, o ambiente de comoção social e ódio era tão desfavorável que foi forçcado a deixar o país, em função de ameaças a própria vida.

A utilidade de estudar os dois casos reside em aspectos importantes. Ajuda a compreender o caráter nocivo da combinação de interesses políticos com uma decisão judicial.

Numa conjuntura que tem lá sua semelhança com o Brasil de hoje, embora apresente elementos muito diversos, vivia-se na França um período de reação conservadora.

Uma década e meia após uma experiência revolucionária, a Comuna de Paris, quando a capital do país foi assumida por um governo de anarquistas, socialistas e marxistas, que expulsou a burguesia e tentou assumir o comando do Estado, a França vivia um período de reconstrução da ordem. Desmoralizado por várias derrotas, o Exército tentava recuperar prestígio e autoridade.

Ressabiada contra o alargamento da democracia para as camadas populares, a velha aristocracia aliava-se ao reacionarismo católico para estimular a intolerância e o preconceito, rejeitando vários progressos passados,  que haviam incluído décadas de convívio e aceitação de diferenças --inclusive em relação aos judeus -- estimuladas pela Revolução de 1789.

Como a maioria dos franceses só pode descobrir uma década depois da sentença judicial, o capitão Alfred Dreyfus era totalmente inocente da acusação de envolvimento num esquema de roubo de segredos estratégicos do Exército francês que eram oferecidos à Embaixada da Alemanha em Paris.

Aquilo que hoje se chama “caso Dreyfus” poderia ter-se limitado a um caso de erro judicial, ainda que muito grave, caso as instituições próprias de um regime democrático tivessem feito sua parte.

Afinal, um ano e meio depois da sentença, a verdade dos fatos já fora informada ao Estado Maior do Exército. Incapazes de agir de acordo com as novas descobertas, optou-se pelo acobertamento, o crime dentro do crime, numa atitude que abriu um ambiente de confronto e crise que colocou em risco a sobrevivência da República.

Sem apoio de provas, a denúncia contra Dreyfus se sustentava a partir de indícios fabricadas, inclusive documentos falsos, que se destinavam a encobrir um outro oficial, também capitão, que hoje é tido como o verdadeiro traidor. Dreyfus foi sentenciado em dezembro de 1894. Cinco anos depois, num segundo julgamento, seria condenado mais uma vez, a dez anos, num escândalo que contrariava as evidências já conhecidas. Não se queria, porém, confrontar a autoridade militar. Dreyfus conseguiu a liberdade, através de um indulto presidencial. Mas só teve a inocência reconhecida dez anos depois da sentença, quando pode reintegrar-se ao Exército, chegando a combater na Primeira Guerra Mundial.

Sem disposição para voltar atrás numa decisão errada e cumprir o dever elementar de respeitar as provas e tomar decisões a partir delas, a Justiça militar nunca assumiu o erro original. Protegeu a fraude até o fim. O chefe da contra espionagem que tinha as informações confiáveis sobre Dreyfus foi enviado para as colônias do Norte da África. O culpado foi solto.

Muitas pessoas acreditam que o condomínio entre jornais e a Justiça, que estimula uma cobertura favorável em troca de vazamentos e informações privilegiadas, tenha sido uma invenção da Operação Mãos Limpas italiana, importada para o Brasil pelo juiz Sérgio Moro. Errado.

No final do século XIX a maioria dos jornais franceses estava inteiramente cooptada pela decisão da Justiça contra Dreyfus, e foi cúmplice de uma sequência de barbaridades. Suas manchetes cobraram a condenação com penas duras e vergonhosas. Fizeram uma festa em tom cívico quando ele foi degradado perante à tropa, expulso do Exército e deportado.

Depois de sustentar uma fraude, mantiveram a mesma postura quando se tornou preciso apoiar uma farsa – aquela versão que todos sabem que é mentirosa mas é mantida pelas partes, pois ninguém se dispõe a assumir a culpa pelos erros cometidos.

Sem inocentar (nem culpar) ninguém com antecedência, acho que deu para entender do que estamos falando no Brasil de 2016, certo?

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